Pesquisadores fazem maior mapeamento de raças caninas da história

Wikimedia/Reprodução
Essa história de amizade começou há, pelo menos, 33 mil anos. Desde aquela época, quando o homem migrava, os cães viajavam com ele. Contudo, era difícil recuperar os detalhes dessa jornada — as pistas estão todas escondidas no genoma das centenas de raças da espécie Canis familiaris. Agora, em um estudo publicado na revista Cell Reports, cientistas dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos revelam o maior mapa de raças já realizado. Usando sequenciamento genético de 161 cães modernos, os pesquisadores conseguiram traçar a árvore evolutiva desses animais e mostrar, por exemplo, que o melhor amigo atravessou o Estreito de Bering com o Homo sapiens. De acordo com eles, isso vai ajudar a identificar genes causadores de doenças tanto em cães quanto em humanos.
O estudo demonstra quando algumas raças evoluíram ou foram misturadas a outras. “Primeiramente, houve a seleção por um tipo, como pastores ou perdigueiros, e, então, houve misturas para se obter determinados traços físicos”, explica a coautora do trabalho, Heidi Parker, geneticista canina dos NIH. De acordo com ela, as raças mais populares das Américas têm origem europeia, mas também foram encontradas evidências de que cães modernos da América do Sul e da Central, como o cão pelado peruano e o pelado mexicano, descendem de cachorros do Novo Mundo, subespécies caninas que migraram pelo Estreito de Bering com os primeiros nativos americanos. Embora anteriormente já se tenha sugerido a existência dos cachorros do Novo Mundo, essa é a primeira vez que eles são ligados a raças modernas.
“Nós percebemos que há grupos de cães americanos que se separaram de alguma forma das raças europeias”, conta Parker. “Estivemos procurando por algum tipo de assinatura dos cachorros do Novo Mundo e eles, de fato, têm esses animais escondidos em seu genoma”, afirma. Não está claro quais os genes precisos dos modernos cães pelados são europeus e quais foram herdados dos ancestrais do Novo Mundo, algo que os pesquisadores vão explorar em estudos futuros.
Outros resultados já eram mais esperados. Por exemplo, muitas raças de cães de caça, como golden retriever e setter irlandês, têm origem na Inglaterra vitoriana, quando novas tecnologias, como espingardas, abriram possibilidades nas expedições. Esses cães estão muito próximos na árvore filogenética, assim como as raças de spaniels. Já as do Oriente Médio, como os saluk, e as asiáticas, como chow chow e akita, parecem ter se divergido logo depois da “explosão vitoriana” da Europa nos Estados Unidos.
Surpresa
Cães boiadeiros, que se pensava serem de origem europeia, são surpreendentemente bem mais diversos. “Quando estávamos pesquisando esses cachorros, vimos muito mais diversidade, com misturas do Reino Unido, do norte da Europa e do sul da Europa”, explica a pesquisadora. “Isso mostra que os boiadeiros não são recentes. As pessoas usam esses cães como trabalhadores há milhares de anos, não há apenas centenas de anos.” Diferentes boiadeiros usam distintas estratégias para trazer seus rebanhos, portanto, de certa forma, os dados filogenéticos confirmam o que muitos especialistas caninos já suspeitavam. “Isso também nos mostra que os boiadeiros foram desenvolvidos não de uma única raça, mas de várias, em diferentes lugares e, provavelmente, diferentes épocas”, diz a coautora sênior do estudo, Elaine Ostrander, geneticista canina dos NIH.
A pesquisadora passou muitos anos sequenciando os genomas de cães, mas também frequentemente é encontrada em exposições de cachorros, recrutando tutores para participar do estudo. “Se nós víamos uma raça da qual não tínhamos uma boa amostra para sequenciar, ficávamos no pé do tutor”, recorda Ostrander. “Eu falava: ‘Nossa, não temos uma sequência desse cão ainda, e o seu cão é definitivamente lindo! Será que você não gostaria que ele representasse a raça no nosso banco de dados genético?’ E, claro, as pessoas sempre ficavam muito satisfeitas de participar.” Todo o material genético foi doado voluntariamente, destaca. Segundo a geneticista, metade das raças do mundo ainda não foi sequenciada, mas a equipe pretende continuar a coletar DNA para preencher esse vazio.
Compreender o histórico genético de cães tem aplicações práticas. Muitos são vítimas de várias das mesmas doenças dos humanos, incluindo epilepsia, diabetes, problemas renais e câncer, mas, no caso dos animais, a prevalência varia enormemente entre raças. “Usando esses dados, você pode buscar as migrações dos alelos das doenças e predizer onde devem surgir em seguida, e isso é muito importante para nosso campo porque o cão é um modelo excelente para o estudo de muitas doenças humanas”, afirma Ostrander. “Cada vez que o gene de uma doença é encontrado em cães, isso é importante para os humanos também.”
Do Correio Braziliense

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