Quando um revólver calibre 38 me converteu

Priscila Milet

Por Rostand Tiago

Era uma sexta-feira e eu fazia minha última refeição antes do meu batismo. Dentro de aproximadamente uma hora, eu seria consagrado oficialmente membro da Região Metropolitana do Recife. Terminei de comer em uma hamburgueria no Pina e me despedi de minha namorada, que embarcou em um Uber para casa. Eu deveria ter optado por esse tipo de locomoção também, mas ainda estava relativamente cedo, era fim de mês, não passava das 20h e a parada de ônibus era bem perto. Já são oito anos dispondo da frota de ônibus da região para ir aos lugares, sem nunca ter sido batizado. Uma heresia, claro. Embarquei no Rio Doce/Piedade.

Sento em uma das cadeiras da frente, pois elas conferem mais espaço para minhas não-curtas pernas. Pego o celular, troco mensagens com minha namorada e vou avisando a minha família onde estou. A viagem até Olinda, nesse horário sem trânsito, leva cerca de 40 minutos. Poucos passageiros sobem durante o trajeto e começo a sentir uma leve inquietação. A viagem vai chegando ao fim. Apesar dos vários desconfortos proporcionados pelo transporte público, meu batismo não foi um deles. Chego até minha parada, guardo o celular no bolso e desço, com minha calma costumeira.

Cruzo a primeira de duas avenidas para chegar ao conforto do meu lar. Uma galeria movimentada me dá a segurança de que continuarei a ser um herege infiel. Chego a segunda avenida, que antes me deixava levemente tenso, mas agora havia um posto de gasolina movimentado, permitindo um certo relaxamento. Cruzo a avenida e ando em paralelo a ela, na direção de um curso de línguas que fica na esquina da última rua do meu percurso. Só alguns metros até meu justo sono. Chegando ao estacionamento do curso, começa a cerimônia litigiosa.

O padre estava de prontidão, vestindo uma camisa de um time de futebol e um boné amarelo. Ele aparentava estar na casa dos 30/40, um devoto relativamente velho para a tal religião. Expressava uma raiva que se misturava com nervosismo e sacou o instrumento sacro de meu batismo. O cano de 38 polegadas de diâmetro me encarava. Não escutei bem o que seu dono quis dizer, mas meus conhecimentos religiosos fizeram minha mão ir ao bolso e entregar meu celular ao eclesiástico. É um sacrifício, um desconforto, para manter a estrutura sacra. “Levanta a camisa e vira de costas” foi a primeira frase que eu realmente consegui escutar. Logo levantei, pronto para mostrar que não escondia nenhum pecado. Estava devidamente batizado. Ele me mandou ir na direção oposta. Obedeci, chegando ao posto para conseguir uma carona até em casa, pois o peso do sacramento começou a se mostrar.

Cerca de um mês depois, exatamente no dia em que paguei a primeira parcela do novo celular que precisava ter, voltei para casa por outro caminho, uma esquina depois daquela do meu batizado. Era uma nova rota, que deduzi, baseado em exatamente nada, ser mais segura. Enquanto aguardava no sinal, uma procissão passou por mim e parou a pouco metros. Cochicharam entre si, retornando até meu encontro. Quatro membros dela se posicionaram por trás de mim, deixando apenas a movimentada avenida e seu fluxo intenso como possível escapatória. Um padre, de calça jeans e sem camisa, veio em minha direção. Começava minha primeira comunhão.

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