Por autoestima de alunas, professor de Ipojuca promove exposição fotográfica

Exposição tem início hoje em Ipojuca e envolveu características da cultura afro-brasileira, revelando resistência de pais, em geral, por motivo religioso
Por Tércio Amaral

 

Seus cabelos sempre andam presos para preservá-los não só dos comentários que surgem, mas como forma de proteção contra o preconceito. É uma blindagem. Amanda, 13, é uma estudante do município de Ipojuca, na Região Metropolitana do Recife, que conhece bem a realidade do racismo no Brasil, tanto é que coleciona nomes pejorativos de colegas de sala, vizinhos e membros de sua igreja ao se referirem a cor de sua pele. Pela primeira vez, usou um turbante na cabeça, acessório comum em países africanos, e disse que pretende continuar usando-o com a autorização dos pais. “Achei que eu fiquei mais bonita”, disse, depois de vários minutos fazendo ‘selfies’. Ela e outras meninas do município protagonizam o projeto Identidade Cultural Negra na Escola, cuja primeira exposição será realizada nesta segunda-feira, 21 de novembro de 2016. Esse é o primeiro passo de uma iniciativa que visa resgatar a autoestima de meninas negras que já sofreram preconceito dentro do ambiente escolar.

A proposta partiu do professor e mestrando em história da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Walmilson Rêgo Barros. As obras foram realizadas pela fotógrafa Izabela Alves, em março de 2016. “Quando comecei a trabalhar a temática do racismo e do preconceito, a aluna pediu a palavra e disse que, no dia anterior, no pátio dos ônibus, um colega a havia chamado de macaca”, justifica o professor. “Sem conseguir responder ao ato racista, ela relatou que começou a chorar e foi para casa de cabeça baixa, sem conseguir falar mais nada com ninguém. Com exemplo como esses é que acreditamos que esse é um tema que deve ser pautado na escola”, completa. Desde então, em sala de aula foram trabalhadas histórias de personagens negros na história, como Zumbi dos Palmares.

A educadora Ana Axé também realizou uma oficina de turbantes, para que as meninas, após o ensaio, pudessem fazê-los em casa. Durante a interação, chegou a emocionar as estudantes. Com os cabelos negros generosos, ela os soltou de um turbante e questionou por que ela teria que prendê-los, fazendo algumas meninas chorarem. “Fazemos esse trabalho também em comunidades dos engenhos do município pela Secretaria da Mulher. Meu objetivo é mostrar que o turbante é um acessório de nossa cultura negra e não apenas de um segmento religioso”, diz.

Por fim, as meninas, entre 13 e 15 anos, foram questionadas diante de bonecas brancas e negras. Quais delas sofriam mais? As meninas, a maioria negra, apontavam para as bonecas semelhantes. A exposição será realizada no Complexo Educacional de Ipojuca, enquanto a unidade de ensino estiver aberta e receberá grupos de outras escolas para visualização e discussão. O plano é fazer com que a exposição também seja itinerante e circule por outras unidades de ensino interessadas em receber o projeto.

Julio Jacobina/DP
Entrevista com Liana Lewis, antropóloga e professora da UFPE
Por que ainda o racismo persiste no Brasil?

Porque o racismo é uma violência, um projeto de poder que beneficia a população branca tanto a nível simbólico, quanto econômico. Neste sentido, tanto a sociedade, quanto as várias instituições hegemônicas, como a mídia, o sistema educacional, o judiciário e a polícia, operam de modo a garantir representações e ações que assegurem o lugar de privilégio do branco e mantenham a população negra no lugar de opressão. Exemplo disto é o genocídio da população negra, o encarceramento em massa, a resistência em relação às políticas de ação afirmativa, os estereótipos veiculados pela grande mídia, etc.

Conversando com algumas meninas negras, elas não se identificavam como tal. Inventavam 'moreninha', por exemplo, no lugar de negra. Por que existe essa variação?

Esta variação faz parte do que chamamos de processo de embranquecimento. Como em uma sociedade racista ser branco é a norma e os qualificativos desabonadores são direcionados à população negra, parte considerável da população negra tenta escapar à denominação negro, identificando-se com o branco, que é a norma, o polo positivo e honroso deste sistema de dualidade racial. Moreninha, assim como várias outras denominações, findam por não conferir dignidade à população negra, uma vez que representam uma dolorosa “cumplicidade” com o opressor, ou seja, o branco.

Qual a forma de superar o racismo no Brasil?

A luta contra o racismo é diária. Uma violência tão estrutural como o racismo só pode ser superada através de estratégias coletivas. Neste sentido, no Recife, vemos aflorar vários coletivos, especialmente entre a juventude e mulheres negras de fortalecimento da identidade. Além destes espaços de afirmação, é necessário a formação de uma rede que interpele as instituições hegemônicas a observarem e retificarem as dinâmicas racistas.

A senhora acredita que os efeitos do racismo na adolescência e na vida adulta são diferentes? As meninas negras podem guardar traumas em relação a cor na idade adulta?

A linha histórica individual em relação ao racismo se apresenta de forma contínua. Os traumas na infância e juventude como agressão na escola (tanto da parte dos grupos de pares, como dos professores), as representações midiáticas que colocam as mulheres negras no lugar de fetiche e estereótipos desabonadores deixam marcas emocionais profundas na vida adulta. Uma fala recorrente entre as mulheres negras jáa adultas é de que quando crianças, desejavam o cabelo das Paquitas (representação de branquitiude extremamente nociva para as crianças), que colocavam uma toalha para fazer de conta que o cabelo mexia como o da mulher branca. Esta questão do cabelo, em especial, o cabelo como algo negativo, que precisa ser consertado é algo muito forte e estruturante da auto estima das mulheres negras. Quando vemos uma mulher negra afirmando o cabelo crespo, sabemos que existiu um longo caminho de dor e superação.

A senhora acredita que ensaios como esse de Walmilson com as alunas podem ajudar a minimizar os efeitos do racismo para essas meninas?

Sem dúvida. O cabelo é parte fundamental para a auto estima da mulher negra. A exposição destas mulheres sem serem esterotipadas ou fetichizadas, a afirmação do cabelo como identidade racial, constitui um belo exercício extremamente político de dignidade das mulheres negras.

Tércio Amaral

Tércio Amaral

Tércio é repórter da editoria de Política do Diario de Pernambuco. Escreve para o jornal desde 2010.

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