Três cidades e o desafiador mosquito Aedes aegypti
Proliferação do Aedes aegypti ultrapassa territórios e cria discórdia entre vizinhos e governos
Por Silvia Bessa e Alice de Souza
Sábado é dia de feira em Itambé e Pedras de Fogo, municípios vizinhos dos estados de Pernambuco e da Paraíba. Entre sons dos alto-falantes dos carros tocando no ritmo do brega, saltam aos ouvidos os anúncios das ofertas. São roupas, frutas e água. “Olha a água, olha a água.” Este é um nicho de mercado crescente na região. Por causa dele, há até trânsito de carros-pipa e pick-ups improvisadas com mangueiras e tonéis. De tão próximas e misturadas, Itambé e Pedras de Fogo são divididas por uma linha esmaecida simbólica, feita de tinta para separar ao meio uma mesma rua. Aqui, neste pedaço nordestino, se vê o quanto o Aedes aegypti desafia autoridades e a população porque desconhece barreiras territoriais. Estudos mostram que o mosquito é o principal – senão o único – transmissor do zika.
Itambé teve no ano passado 795 notificações de dengue, 3.000% a mais que em 2014. Do lado pernambucano, a falta d’água está incorporada à rotina. O desabastecimento se soma à seca secular e ao calor acentuado. Conforme revelou relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) divulgado em novembro, o ano passado foi o mais quente da história. Em Itambé, em alguns bairros, a água chega a cada quatro dias. Outros esperam a semana inteira. A solução é acumular o pouco em latas de tinta, garrafas e panelas. Mesmo sem saber a procedência, ninguém hesita em comprar. O valor varia de R$ 0,75 a R$ 2, o balde de 15 litros.
Pedras de Fogo sempre foi o vizinho da grama mais verde. A torneira cheia era orgulho dos moradores e motivava migração entre as cidades. Atraiu a professora Simone Silva, 35 anos, que adotou o lado paraibano como lar. Ela paga uma média de R$ 30 mensalmente pelo abastecimento coordenado pelo governo. Acabou se rendendo ao comércio da linha do meio. “Meu Deus, quem era Pedras de Fogo? Ninguém sofria, não”, lamenta. O acúmulo é um dos impulsores da proliferação do mosquito. Pedras de Fogo encerrou o ano passado em situação de alerta para a infestação do vetor.
Mais de 300 quilômetros distante, na cidade de Caicó, Sertão do Seridó, no Rio Grande do Norte, a intermitência de água deixou outro rastro. Multiplicou por duas a quantidade de larvicida utilizada pelos agentes na região e chamou a atenção da Secretaria de Saúde do estado (Sesap).
Nos dois meses em que o Ministério da Saúde deixou de repassar o produto, o município chegou a ter o maior índice de infestação do Aedes aegypti do Brasil (27,1%). Os números oficiais podem ter sido bem maiores, pontua a bióloga entomologista do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães (CPqAM/Fiocruz) Cláudia Fontes, que atua em Pernambuco. “O LIRAa é um índice frágil. Às vezes, o agente não consegue ver a larva. É um número subestimado. No Brasil, temos ferramentas com precisão maior”, aponta, falando sobre a principal fonte de dados fornecida pelo Ministério da Saúde.
O Nordeste é a única região do país onde os focos estão 80% nos depósitos de armazenamento. Nas outras, não passa de 30%, mostra o Levantamento Rápido do Índice de Infestação por Aedes aegypti (LIRAa), divulgado pelo Ministério em 2015.
É comum, em municípios menores e mais pobres em especial, agentes narrarem pessoas que tomam água com larva, sem observar. “Meu filho, não notei mesmo”, exclamou dona Maria de Souza, 75 anos, outro dia quando foi abordada em sua casa no bairro da Cohab por um fiscal de endemia em Iguaraci, município do Sertão de Pernambuco. “Sei não, esse mosquito parece que veio do quinto dos infernos. Nunca vi”. O Aedes, garante o agente de endemias Manoel da Silva, está mais resistente e alçando alturas maiores que um 1,5 metro, como antes.
O Nordeste teve três vezes mais casos prováveis de dengue em 2015 quando comparado a 2014. Foram 865 casos notificados por dia. Diante de prognósticos climáticos desfavoráveis, a prova dos sertanejos é conseguir ignorar limites territoriais para fazer um eficiente combate ao mosquito e guardar baldes d’água como potes de ouro.
O mosquito
Desenvolvimento
Leva de 7 a 12 dias para que o mosquito passe de ovo para mosquito. O crescimento dele está dividido em quatro fases. São elas:
Do ovo
Mede, em média, 1 mm
Da larva
3 mm
Da pupa
Visível a olho nu
Da fase adulta
Chegando a 0,5 cm
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Silvia Bessa
Repórter
Silvia Bessa é repórter especial do Diario de Pernambuco. Escreve para o jornal desde 1996. Produz prioritariamente trabalhos na área social, de direitos humanos e de cunho regional. É ganhadora de três prêmios Esso.
Paulo Paiva
Fotógrafo
Alice de Souza
Repórter
Alice é repórter do Diario na editoria Local. É setorista de saúde e acompanha o surto de microcefalia desde novembro de 2015. Finalista do Prêmio Roche de Jornalismo, da FNPI (Colômbia), voltado a reportagens internacionais de saúde.
Rafael Martins
Fotógrafo
Filho de fotógrafo, é uma apaixonado pela imagem. Fez carreira na Bahia e, há menos de um ano, mostra seu talento em Pernambuco. Diz ser fotógrafo porque é “inquieto com o que o rodeia”.