Os filhos do mundo sob a incerteza do zika e da microcefalia

Daqui a alguns anos, o momento atual será um marco entre o antes e o depois do surto de zika e microcefalia

Por Silvia Bessa e Alice de Souza

 

À  espera de Luís Antônio, o segundo filho, Jacinete Firmino de Oliveira, 24 anos, confessava: “Só sossego quando meu menino nascer”. Pelo volume de notificações de má-formação em bebês nesta região nos últimos seis meses, a frase dita por ela passou a ser ouvida com frequência nos rincões e capitais nordestinas do país. As estatísticas crescem progressivamente ou porque as crianças nascidas com microcefalia começam a ser incorporadas à paisagem local, sendo inseridas na rotina diária das mães quando vão ao supermercado ou à padaria da esquina. É maior a angústia das mulheres brasileiras em idade fértil e gestantes sobre a saúde de filhos que possam vir a ter. Mas o medo daqui se globalizou com as descobertas de zika pelo mundo. Uma linha do tempo imaginária revela a preocupação internacionalizada com o futuro de uma próxima geração.

O temor chegou aos centros de ciências médicas dos Estados Unidos, país que em janeiro deste ano baixou recomendação para que grávidas não viagem a países onde ocorre transmissão do vírus zika. Bateu à porta do Vaticano. O papa Francisco se sensibilizou ao quebrar um tabu da Igreja Católica: em decisão inédita, o pontífice admitiu semana passada o uso de contraceptivos para evitar a gravidez durante o surto. A Organização das Nações Unidas pediu direito ao aborto legal. O papa posicionou-se contra.

A Organização Mundial da Saúde considera a abstinência sexual necessária, levando em conta estudos apontando para a transmissão do zika pelo sêmen e saliva. “Não engravidem agora. Esse é o conselho mais sóbrio que pode ser dado”, afirmou o diretor do departamento de Vigilância de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, Cláudio Maierovitch, em novembro passado. O país viverá uma queda na natalidade. Na última sexta-feira, três meses depois, não havia respostas para tranquilizar o brasileiro. O zika continua a desafiar cientistas: “É impossível dizer quando a população pode ficar tranquila. Não conhecemos ainda a dinâmica da doença no nosso país”, afirmou, por telefone de Brasília.

Imagina-se quantas mães e pais têm perdido o sono em função do caos da saúde pública. A jovem Diollani confessa que lida com “um desespero no coração” ao assistir ao noticiário de TV sobre o zika vírus, dengue e chikungunya. Dos três porque os pacientes nunca sabem distingui-las pelo que veem ou quando sentem sintomas de febre, dores e moleza no corpo. Uma prima teve diagnóstico de bebê com microcefalia. Os sintomas do vírus zika, a fraqueza e manchas vermelhas no corpo (chamadas de rash cutâneo), o prurido (espécie de coceira), Diollani Nascimento sentiu no início de 2015. Com 21 anos, está com nove meses de gestação de um bebê cujo sexo ainda desconhece. “Tive febre, ânsia de vômito. Os últimos exames do meu filho não consegui fazer. Então, ninguém sabe, ninguém está livre de nada. Estou entregando a Deus.” Passou a gravidez dividindo uma agonia com a mãe, Gerusa Ferreira. As duas estavam grávidas ao mesmo tempo. Resta à filha mais velha ter uma boa notícia. Elas moram em Caaporã, município com perfil praieiro do estado da Paraíba. Desde o início do surto, é o segundo estado em números de casos absolutos.

A microcefalia no país, por enquanto atribuída ao surto de zika, abrirá debates periféricos. “Como a questão da urbanização das cidades, do serviço de atenção básica e do planejamento familiar eficiente – aliás, um problema antigo para o Brasil”, diz a pediatra Jucile Menezes. Referência em Pernambuco em neonatologia, Jucile acompanhou mais de uma centena de casos de crianças microcefálicas nos últimos meses e conhece a realidade de perto. “Muda tudo. Afeta, inclusive, a autonomia da mulher ao decidir quando tem de engravidar e também repercute sobre o ciclo natural da reprodução humana.”

Assim, o fenômeno brasileiro vai expor no território nacional e no exterior essas questões, por vezes relativizadas. Daqui a anos o momento atual será marco entre o antes e o depois do surto de zika e do boom de microcefalia.

Silvia Bessa

Silvia Bessa

Repórter

Silvia Bessa é repórter especial do Diario de Pernambuco. Escreve para o jornal desde 1996. Produz prioritariamente trabalhos na área social, de direitos humanos e de cunho regional. É ganhadora de três prêmios Esso.

Paulo Paiva

Paulo Paiva

Fotógrafo

Alice de Souza

Alice de Souza

Repórter

Alice é repórter do Diario na editoria Local. É setorista de saúde e acompanha o surto de microcefalia desde novembro de 2015. Finalista do Prêmio Roche de Jornalismo, da FNPI (Colômbia), voltado a reportagens internacionais de saúde.

Rafael Martins

Rafael Martins

Fotógrafo

Filho de fotógrafo, é uma apaixonado pela imagem. Fez carreira na Bahia e, há menos de um ano, mostra seu talento em Pernambuco. Diz ser fotógrafo porque é “inquieto com o que o rodeia”.