Seca agrava quadro de zika vírus no Nordeste

Fator climático e ação do ser humano são favoráveis ao Aedes aegypti, vetor do zika, chikungunya e dengue

Por Silvia Bessa e Alice de Souza

 

Este verão de 2016 é atípico. Pela primeira vez circulam no Brasil três vírus diferentes transmitidos pelo mosquito Aedes aegypti – o zika, a febre chikungunya e a dengue. Com sintomas semelhantes que vêm confundindo a população, provocam prejuízos distintos sobre o paciente e não há vacina que os impeça de causar maiores danos. Intrigante e de rápida expansão, o zika é aquele que tem pesquisas mais embrionárias. O ministro da Saúde, Marcelo Castro, chegou a dizer que “levará anos” para a imunização ficar pronta. A temperatura no verão é favorável à proliferação dos mosquitos, que gostam de se manter entre 30 e 32 graus.

Há pelo menos oito anos integrantes do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas já previam algo semelhante ao que vive o Brasil hoje. “As mudanças climáticas não causam novas doenças, elas agravam as existentes”, dizia em entrevista ao Diario em 2007 o médico epidemologista e um dos exponentes do IPCC, Ulisses Confalonieri (UFMG). Agora quem faz a relação com o clima é o médico sanitarista Valcler Rangel, vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, no Rio de Janeiro.

“O Aedes está presente em mais de 100 países. Não é um vetor simples de controle e a situação ecológica e ambiental não é favorável, assim como a ação antropogênica na organização dos espaços urbanos.” Por isso, defende: “Temos que pensar regionalmente como América Latina”. Sobre o zika, sabe-se que a circulação dele no Brasil foi descoberta em maio de 2015 na Bahia. Vinte e seis países dos Estados Membros das Américas confirmaram a circulação, informou a Organização Mundial da Saúde em nota à reportagem. O Centro de Controle de Doenças dos EUA (CDC, sigla em Inglês) divulgou a infecção de 22 viajantes norte-americanos que retornaram de países latinoamericanos.

A ameaça do Aedes aegypti é ampla. Problemas e soluções se podem colher nos municípios. São Paulo, por exemplo, viveu a maior crise de abastecimento da história, afetando 17 milhões de pessoas das Regiões Metropolitanas e de Campinas.

O Sertão enfrentou a maior seca dos últimos 50 anos, diz a Organização Meteorológica Mundial.

Em São José do Egito, idosos ficaram por dois meses sem o fornecimento de água até para consumo porque não chegava na torneira. Muitos não têm quem ajude para buscar no reservatório próximo. A solução da prefeitura do município pernambucano, 271 quilômetros do Recife, foi instalar caixas de fibra para armazenar água. Carros-pipas as abasteciam sem divulgar nenhum calendário e deixam a população refém em filas de baldes. Idosos, crianças, grávidas e adultos disputam entre si alguns litros. No bairro do Planalto, Edleusa Maria, 49 anos, leva os cinco filhos para ajudá-la. São todos com menos de 16 anos. “Se não for assim a gente morre”. Raissa dos Santos, 20 anos e grávida de sete meses, fazia parte da fila. “Não passo repelente nem nada porque ninguém tem dinheiro para isso. O governo não dá, então vamos ficando”, afirma ela, mãe de outros dois garotos. “Estamos nas mãos de Deus.” A água voltou às torneiras de São José; não se sabe até quando.

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Aedes: proliferação e contaminação

Proliferação

  • A fêmea precisa de 48 horas para virar mosquito e começar a se acasalar. Basta um acasalamento para elas. Podem ser produzidos de 5 a 500 ovos na água depois de um ciclo completo de alimentação
  • Os ovos duram em média 450 dias no ambiente (mais ou menos 1 ano e dois meses), mesmo que o local fique seco. Se receber água novamente, o ovo volta a ficar ativo.
  • O sangue é o alimento necessário a maturação dos ovos da fêmea. Tanto a fêmea quanto o macho se alimentam de substâncias que contêm açúcar (néctar, seiva entre outros). Após a fecundação, as fêmeas têm maior voracidade pela hematofagia, uma vez que o sangue ajuda no desenvolvimento dos ovos.
  • A quantidade de sangue colhida do ser humano é de 1,5 microlitro ou até 2 microlitros. Microlitro é a milionésima parte de um litro. Para se ter uma ideia: uma gota é formada por um volume que varia de 15 a 30 microlitros.

 

Contaminação

  • O Aedes aegypti não gosta de calor. Por este motivo, esconde-se nas horas mais quentes do dia e costuma atacar entre 7h30 e 10h e 15h30 e 19h.
  • O mosquito é transmissor da dengue, zika e chikungunya. Morde de forma geral uma só pessoa para então produzir um lote de ovos. Há relatos de que um só mosquito mordeu cinco e infectou cinco pessoas de uma mesma família. Isso porque ele tem “discordância gonotrófica”, algo que o torna capaz de picar muitos seres humanos para cada lote de ovos.
  • Ao ingerir o sangue para realizar o desenvolvimento completo dos ovos e maturação dos ovários, após 3 dias a fêmea já está pronta para a postura dos ovos. Procura nesse momento local para a desova. E o ciclo de nascimento e contaminação se reinicia.
Silvia Bessa

Silvia Bessa

Repórter

Silvia Bessa é repórter especial do Diario de Pernambuco. Escreve para o jornal desde 1996. Produz prioritariamente trabalhos na área social, de direitos humanos e de cunho regional. É ganhadora de três prêmios Esso.

Paulo Paiva

Paulo Paiva

Fotógrafo

Alice de Souza

Alice de Souza

Repórter

Alice é repórter do Diario na editoria Local. É setorista de saúde e acompanha o surto de microcefalia desde novembro de 2015. Finalista do Prêmio Roche de Jornalismo, da FNPI (Colômbia), voltado a reportagens internacionais de saúde.

Rafael Martins

Rafael Martins

Fotógrafo

Filho de fotógrafo, é uma apaixonado pela imagem. Fez carreira na Bahia e, há menos de um ano, mostra seu talento em Pernambuco. Diz ser fotógrafo porque é “inquieto com o que o rodeia”.