Pernambucanos trocam horas perdidas em engarrafamentos por estudos e saúde

Por Rayanne Albuquerque

Eles mudam horários de trabalho, investem em exercícios ou cursos e ganham até 2h para impulsionar suas qualidade de vida e carreiras

 

A universitária Maíra Nascimento passa quase 16 horas fora de casa por dia. Dividida entre a faculdade e o trabalho, que ajuda a pagar as contas e as passagens para frequentar o curso superior, ela percorre aproximadamente 50 km, das 7h às 22h30, de segunda a sexta-feira. No final de cada dia, restam apenas 8h horas para os demais afazeres. Prepara o almoço e a janta do dia seguinte quando chega em casa, corre para cama e conta as horas que vai dormir até o despertador tocar novamente, na manhã seguinte, avisando que já é tempo de recomeçar a jornada. Tem sido assim há anos e a saga fora de casa não mudou, no entanto, desde outubro de 2017, ela “ganhou” duas horas “úteis” de vida. Como cada vez mais pernambucanos que atravessam municípios em busca de atuação ou qualificação profissional, ela acertou uma mudança de horário na empresa em que trabalha, fugindo do horário de pico. Na prática, chega em casa na mesma hora, mas agora tem duas horas após o almoço para estudar e por em dia as demandas do curso de administração.

Quem conseguiu adaptar a rotina para fugir dos congestionamentos garante que houve um aumento de qualidade de vida. No caso da estudante, o trabalho de telemarketing no bairro de Cajueiro Seco, em Jaboatão dos Guararapes, a 20,4km de sua casa, em Água Fria, no Recife, passou a ser desempenhado três horas mais tarde e, na prática, lhe custou apenas 30 minutos a mais de sua chegada ao lar, mas agora, sem todas as pendências acadêmicas que acumulava. “Já trabalhei em vários horários. No penúltimo, eu pegava às 12h10 e largava às 18h30. Comecei a perceber que mesmo largando cedo eu perdia muito tempo no trânsito, chegando em casa por volta das 22h. Preferi pegar às 15h30 e ficar na faculdade estudando na biblioteca. Largando às 21h30, chego em casa por volta das 22h30”, explica, afirmando hoje conseguir entregar os trabalhos dentro do prazo.

Diferente de Maíra, a promotora de justiça Norma da Mota Sales enfrentava o trânsito intenso na ida ao trabalho. Trabalhando na Ilha de Joana Bezerra, levava cerca de 50 minutos para concluir o percurso a partir do Espinheiro, na Zona Norte do Recife, às 8h. Há cinco anos, passou a flexibilizar o horário. Pegando às 10h, realiza o mesmo trajeto em apenas 15 minutos e utiliza a diferença de tempo para investir em exercícios físicos e na economia de aborrecimentos com o congestionamento.

“Eu começava o dia mal, com a angústia de ter um horário e não conseguir chegar nele por conta do trânsito. De vez em quando, por forças maiores, tenho que enfrentar uma saída antes das 10h, mas já vou mais preparada psicologicamente porque é uma exceção. Poder optar por isso é um privilégio e eu me sinto assim”, justifica, confessando que só tomou a decisão após perceber que “estava entrando na neura dos motoristas agoniados que buzinam por tudo”.

Quem mora no bairro da Várzea ou entornos na Zona Oeste de Recife sabe que das 18h às 20h a Avenida Caxangá torna-se quase intransitável. Apesar de não estar presente no ranking das cinco vias com maior volume de veículos mapeado pela Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU), a experiência empírica dos moradores, e de quem precisa passar pela via, sustentam o argumento.Ao sair do trabalho às 17h45, o administrador Nathan Nascimento só conseguia chegar em casa por volta das 20h, deslocando-se de carro. O tempo antes gasto dentro do carro foi trocar por um curso de espanhol, aproximando-o do sonho de realizar um intercâmbio para Madrid, na Espanha, já com data marcada: maio de 2018. Com aulas das 18h às 20h, ele enfrenta o trajeto em outro cenário de tráfego e hoje chega em casa por volta das 20h25.  “Às vezes, vou andando da Boa Vista para Suassuna, para não chegar atrasado no curso, porque só de fazer o retorno com o fluxo intenso já é complicado”, justifica.

De acordo com o professor de engenharia civil da Universidade Federal de Pernambuco Maurício Pina, durante muitos anos as obras de mobilidade priorizaram o transporte individual, tanto no Recife quanto em outros lugares. Para ele, o sistema viário tem suas limitações e há a necessidade de reverter esse quadro com a priorização do transporte coletivo.

“Todos os municípios precisam ter seu plano de mobilidade com uma visão metropolitana e integrada. Para reverter os desafios de hoje e transformar a mobilidade local serão necessários pelo menos 10 anos. É preciso, no entanto, aplicar uma série de medidas que vão desde estudos preliminares à captação de recursos. Para alcançarmos lá na frente, precisamos, hoje, dar os primeiros passos”, complementa.

Segundo a pesquisa de mobilidade da Moovit, divulgada no Relatório do Transporte Público 2016, o pernambucano da Região Metropolitana do Recife gasta 96 minutos em cada deslocamento para o estudo ou trabalho, o pior cenário quando comparadas as 10 maiores capitais brasileiras.

Horários de pico

Manhã

Tarde

Noite

É também na capital em que há a terceira maior espera do país por um modal de transporte público (ônibus, trem ou metrô), uma média de 27 minutos, atrás apenas de Salvador (28) e Brasília (33). Boa parte desse tempo é desperdiçado nos três horários de pico registrados ao longo do dia, período de estresse e perda de tempo para muitos, que alguns poucos já começaram a encontrar propósito, utilidade e uma alternativa ao estresse diário.

Rayanne Albuquerque

Rayanne Albuquerque

Repórter

Rayanne é estudante de jornalismo pela Universidade Federal de Pernambuco e escreve para o Diario desde julho de 2017. De Muribeca, um dos locais carinhosamente chamados de “Tão, tão distante”, entende de ônibus como poucos…

Rafael Martins

Rafael Martins

Fotógrafo

Rafael é o fotógrafo baiano mais pernambucano do Diario de Pernambuco. Gosta de retratar a efervescência da cidade e na mais em ebulição que os passageiros de uma grande urbe em seu ir e vir cotidiano.