Quem tem medo de Solidão?
Ketheryne Mariz
Cidade sertaneja de quase 6 mil habitantes está entre as dez com menos assassinatos em todo o estado e teve até cadeia desativada por falta de presos
Quem tem medo de Solidão? Estigmatizada pelo nome, o município do Sertão do Pajeú, a 409 km do Recife, tem quase 6 mil habitantes e possui baixíssimos índices de homicídios quando comparada a outras cidades de Pernambuco. Em 14 anos, registrou apenas 12 assassinatos. Os moradores acreditam que a tranquilidade seja algo natural da cidade, conhecida pelo turismo religioso. Além disso, Solidão é ponto de partida e de chegada. Ela é uma das poucas cidades que não é passagem para nenhum outro lugar.
De acordo com dados da Secretaria de Defesa Social de Pernambuco que identificam a evolução anual dos números de vítimas de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI), de janeiro de 2004 a dezembro de 2017, Solidão é o sexto município com menor índice de homicídios, empatada com outros dois municípios do estado: Granito (Sertão do Araripe) e Brejinho (Sertão do Pajeú). De acordo com as informações da SDS, os maiores registros de CVLI estão concentrados no Recife com 10, 923 pessoas mortas no mesmo período. O lugar com menor número de homicídios é Fernando de Noronha, com apenas um caso nos 14 anos de registro.
homicídios foram registrados no Recife nos últimos 14 anos
homicídios foram registrados em Solidão nos últimos 14 anos
foi o número de homicídios registrados no local mais seguro, Fernando de Noronha, no período
A delegacia de um homem só. Durante um ano, o escrivão Everaldo de Souza Ferraz Júnior trabalhou sozinho na delegacia de Solidão. Ele conta que, quando precisava, solicitava apoio da Polícia Militar (PM) de outros municípios próximos. Há seis meses, os agentes compraram um chip que funciona como disque-denúncia em tempo real para que a população mande via aplicativo de mensagem, fotos e vídeos da ocorrência.
A cadeia pública de Solidão foi desativada pela falta de presos. No lugar em que funcionava a cadeia, agora existe o pelotão da PM. As celas também estão inativas. Os autores do crime em flagrantes à noite são levados para a sede da seccional, em Afogados da Ingazeira. Durante o dia, os detidos são apresentados em Tabira, onde fica a cadeia pública em que estão presos aqueles que cometem delitos em Solidão.
Apesar do crescimento dos homicídios, tendo em vista que em anos como 2004, 2005, 2009 e 2010 não ocorreu nenhum registro, o escrivão conta com orgulho que praticamente todos os assassinatos da cidade foram descobertos e os criminosos sentenciados. “A cidade de Solidão é mais tranquila que Buíque, Ibimirim e Tabira, lugares onde trabalhei antes de vir para cá. Até hoje, só um crime não teve o assassino descoberto. Ele aconteceu em 2015”, relembra.
O caso ao que o escrivão se refere é o de Eraldo de Solidão, conhecido pelo temor que provocava na população. Ele matava as vítimas com golpes de facas e após o crime, sangrava-as no pescoço. Dos 57 anos que viveu, 30 foram dentro da cadeia. Toda vez que era posto em liberdade, ele cometia novos crimes. “Quando ele morreu teve gente que soltou fogos por aqui. Em Solidão, quase não há violência que resulte em morte. É raro. Mas quando acontece, às vezes, é bem violento. Eraldo era respeitado até dentro dos presídios. Ele tinha 18 anos quando matou a primeira pessoa. Ele virou uma lenda na localidade”, detalhou o escrivão.
Apesar do município ter alguns registros de violência que põem medo até mesmo em quem é acostumado à insegurança de uma cidade grande, para o médico cubano Alex Miranda, 48 anos, morador há seis anos de Solidão, não há lugar mais calmo e sossegado para viver. “Aqui é muito tranquilo, só tenho aperreio com meu sogro e cunhado. Vem muita gente de outros estados por causa do turismo religioso, mas mesmo assim a cidade é uma paz. Hoje, sou um cidadão solidanense, tenho documentos e tudo”, conta orgulhoso.
O médico revela que ficou no município após se apaixonar por uma moradora de Solidão. “Trabalhei em um hospital de Carnaíba e depois pedi transferência para um daqui, onde conheci minha esposa. Entre todos meus projetos de vida, nunca pensei que fosse viver em um lugar tão pacato e pequeno como é aqui. Chego e saio de madrugada sem problema nenhum. Meu irmão está em Cuba, meu pai na Venezuela, mas minhas raízes estão aqui”, afirma.
Ketheryne Mariz
Repórter
Formada em jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco, Ketheryne colaborou com o Diario de Pernambuco como estagiária entre 2015 e 2016. Passou por outras cidades até voltar e colaborar com o CuriosaMente em janeiro de 2018.
Rafael Martins
Fotógrafo
Rafael Martins é formado pela Universidade Federal da Bahia e integrou a equipe de fotojornalistas do Diario de Pernambuco entre 2016 e 2018. Para ele, Solidão foi uma das dezenas de cidades encontradas nos mais de 3 mil quilômetros rodados no Sertão pernambucano no começo do ano.