Carinho e dedicação são táticas para “fabricar amor” em canil de Aldeia

Marina Maranhão

Cada vez mais preocupadas com a origem de cães e gatos de raça, pessoas procuram conhecer os criadores que os reproduzem e comercializam

 

Há pouco menos de um ano, a invasão a um canil em Osasco, na Grande São Paulo, levantou uma importante questão: a que ponto chegou a exploração reprodutiva de animais de companhia como cães e gatos. Na ocasião, uma ONG de proteção aos direitos dos animais – em parceria com a Polícia Civil e a Vigilância Sanitária – resgatou 135 cachorros em situações precárias. O mais chocante era que o canil possuía autorização para funcionar e, provavelmente, muitos compradores adquiriram os pets sem saber as reais condições dos bichos.

Nos Estados Unidos, visando aperfeiçoamento estético da raça, vários canis e criadores profissionais enfrentaram recentemente protestos de grupos de defesa animal. É comum por lá a prática de cruzar pais e filhos ou irmãos entre si, visando potencializar determinados aspectos das raças que podem ser decisivos em competições morfológicas que podem render premiações e, consequentemente, turbinar as vendas e os preços dos canis. Mas nem sempre dá certo e a consequência disso é um problema único e exclusivo do animal, que passa a enfrentar enfermidades pelo resto da vida. Não há legislação específica para punir essa prática.

Segundo o médico-veterinário recifense Nicholas Novacks, cruzar animais com parentesco próximo é arriscado e os problemas que podem ocorrer à saúde da ninhada não são claros, previsíveis. “Há a possibilidade que, em cruzamento entre irmãos ou entre filhos com pais, o filhote possa apresentar problemas cardíacos. Às vezes, também há a questão da má-formação. O cão pode ter problemas na patinha, o tórax mal formado, vértebras a menos. Eles têm dificuldades de viver”, explica o especialista.

Pensando nisso, a empresária Suellen Figueirôa, 27 anos, decidiu procurar referências antes de conhecer o seu melhor amigo. Adamastor hoje está com três meses e foi comprado antes mesmo de nascer. “Eu queria bastante um cão da raça golden retriever. Vi algumas opções, mas uma delas, pelo que descobri, estava vendendo cães doentes. Terminei ficando com um canil específico que tinha, visivelmente, um tratamento diferenciado. Os cachorros ficavam soltos, algo bem diferente das lojas, onde eles ficam expostos, presos em vitrines”, explica.

Seguindo o mesmo raciocínio de Suellen, a professora Fátima Brandão, 50 anos, também não poupou esforços para pesquisar antes de adquirir um golden. “É importante saber de onde vem o cachorro e como ele é tratado. O dono do canil onde adquiri Thor, mesmo depois da venda, mostra-se bastante preocupado e faz até visitas. Sei que é inusitado, mas estou construindo uma casa em Aldeia e o meu golden está com ele enquanto ela fica pronta. Nós nos tornamos amigos”.

 

O canil onde Suellen e Fátima compraram seus cachorros fica em Aldeia, município de Camaragibe, na Região Metropolitana do Recife (RMR). O Aldeia dos Goldens é a antítese de um canil comum e adota maneiras mais adequadas para o bem-estar da raça no estado, tornando-se um destino procurado por aqueles compradores que têm interesse em conhecer a origem dos animais que pretendem criar. Ao todo, são 22 cães (18 fêmeas e 4 machos) sob os cuidados de uma família: o pai, Leandro Marese, 35 anos; a mãe, Paula Alexandra Marese, 46 anos; e os filhos do casal, Maria Luiza, 15 anos, e Gabriel, 19 anos. O lema da casa é “tudo junto e misturado” e os cães dóceis e companheiros da raça golden retriever circulam pelos três cômodos como membros da família.

Há quatro anos, o casal decidiu abandonar a vida na cidade grande e se dedicar exclusivamente à criação dos cães em Aldeia. Léo, como é chamado, era empresário de turismo náutico e Paula era executiva de indústria farmacêutica. “A gente veio em busca qualidade de vida e vivemos cercados de amor. Nós criamos e vendemos amor”, diz o criador. Segundo ele, os cães estão por perto o tempo inteiro: “Assistimos à TV juntos, comemos pipoca e tomamos banho na mesma piscina. Os filhotes nascem no nosso quarto. A Carminha, por exemplo, deu à luz e tem 11 filhotinhos lá em cima agora. A vida fica mais leve e menos estressante”.

O valor dos cães pode variar. Geralmente, os machos custam R$ 3 mil e as fêmeas, R$ 3,5 mil. Embora Léo evite falar em valores – já que considera a ação ofensiva para os animais, que não são objetos –, ele explica que a diferença entre os sexos se dá porque nascem bem mais machos do que fêmeas.

Ainda segundo ele, não há estudos para explicar o porquê, mas é algo recorrente no mundo canino. Os animais participam de concursos que abordam questões como morfologia, por exemplo. E, tratando-se de tamanho, lá está um campeão. Voltaire, um grandalhão de 56 quilos é, segundo o dono, o maior cão da raça no Brasil.

“Todos os nossos cães têm pedrigree e os filhotes são microchipados. Este tipo de controle surgiu na Europa para identificar os donos. Se o proprietário de um cachorro, por exemplo, decidir abandonar o cão na rua, a vigilância sanitária pode chegar até ele mais facilmente, pois ele está ligado ao cadastro de pessoa física do dono”, explica Leandro.

Reprodução

 

 

Quanto à reprodução, o canil conta hoje com duas veterinárias: Cibelle Algeve, para questões reprodutivas; e Gianete Barros, para a questão clínica. A reprodução não é feita de forma natural. Uma das veterinárias vai até o local e analisa células do núcleo reprodutivo da fêmea para ver se ela está em um bom dia, se está apta e sem problemas. Se estiver tudo certo, eles analisam o macho, através de um espermograma, para ver se o trabalho vai surtir efeito. Estimula-se o cão manualmente e analisa-se através de microscópio se o sêmen dele está bem.

As cadelas só cruzam a partir dos 18 meses, quando geralmente se passou o terceiro cio. A gestação dura de 59 a 63 dias e os filhotes são desmamados por volta de 45 a 60 dias. Só aí eles são entregues aos novos donos. As cadelas reprodutoras são “aposentadas” das atividades após os seis anos. Os proprietários do canil explicam que elas podem, sim, cruzar por mais tempo, mas podem apresentar algum tipo de sofrimento ou consequências negativas, portanto são castradas após este período.

meses é a média de idade das cadelas que começam a reproduzir no canil

dias é a média de tempo de uma gestação no canil

reais é a média de investimento mensal por animal

Em relação aos cuidados com os animais, é preciso preparar o bolso, pois o investimento é elevado: Leandro gasta cerca de R$ 400 mensais por animal. Eles contam com o apoio de um tratador, José Carlos da Silva, de 34 anos, que ajuda a cuidar dos goldens. Os cães comem ração super premium, consomem suplementos para a pele, evitando dermatites, por exemplos. “Temos também gastos com vermifugação, com os banhos semanais, além dos remédios para evitar parasitas como carrapatos e pulgas. Aqui em Aldeia, que é uma região endêmica, também há tratamento contra o mosquito-palha, que é o transmissor da leishmaniose”, destaca o criador.

Mas, aparentemente, o retorno financeiro tem sido bom, já que a família se dedica única e exclusivamente à criação dos animais. Além disso, todos os filhotes que são postos à venda rapidamente encontram um lar. O criador conta que, inclusive, pode se dar ao luxo de selecionar os melhores lares que vão abrigar os seus cães. “Procuramos investigar a vida dos possíveis donos. Também fazemos um contrato de castração, onde o novo dono se compromete a castrar os animais, evitando assim uma superpopulação do mesmo e a cruza irresponsável, que pode prejudicar as qualidades padrões da raça”.

SOCIAL

 

O Canil Aldeia dos Goldens também participa de alguns projetos sociais através da doação de filhotes. Há uma parceria entre o canil e o Kennel Club de Pernambuco. O domador Joaquim Cavalcanti recebe os animais, treina-os, e os encaminha a pessoas com deficiência visual. Segundo o canil, os custos de um animal treinado para ser cão-guia podem ser superiores a R$ 30 mil, mas neste projeto é completamente gratuito. Os filhotes também são encaminhados para a psicóloga Amanda Sales, que ajuda nos cuidados de crianças autistas através da cinoterapia, recurso terapêutico que consiste na utilização de animais adestrados.

Marina Maranhão

Marina Maranhão

Repórter

Marina estuda jornalismo na UNINASSAU e colabora com o CuriosaMente desde janeiro de 2018.

Shilton Araújo

Shilton Araújo

Fotógrafo

Shilton é estudante de fotografia da Universidade Católica de Pernambuco e integra o time de fotojornalistas do Diario de Pernambuco desde 2016.