Sem o marido, com Natália; a solidão trazida pela microcefalia
Mulheres com seus bebês são abandonadas por homens; e especialistas dizem que redes de apoio precisam se estender para além do núcleo familiar central
Por Silvia Bessa e Alice de Souza
A vida da agricultora Joseane Cesário virou ao avesso quando ganhou a filha Natália. O momento de felicidade foi substituído pela solidão. O tempo passou; o olhar triste da mãe parece ter petrificado. Joseane acabou abandonada pelo marido menos de um mês após o parto de Natália. Na tormenta, evita detalhes de como o companheiro resolveu de repente deixar de ninar a criança enquanto ela cuidava da lida na casa onde viviam, em Nova Cruz, Rio Grande do Norte. “As pessoas perguntam se foi por causa da menina. Só sei é que ele já tinha outra mulher”, justifica Joseane, ao mesmo tempo em que tenta não alongar a conversa sobre a hipótese de a condição da filha ter contribuído para o marido ter se apressado.
Vendo a dúvida, a cunhada Poliana Costa busca o necessário apoio profissional. “Aqui tem psicólogo?”, pergunta com voz baixa à coordenadora da unidade de saúde. Oito em cada 10 casais brasileiros com filhos especiais se separam, aponta levantamento do Instituto Baresi. Natália era até então a única criança diagnosticada com microcefalia de Nova Cruz, cidade com 37 mil habitantes.
À espera da primeira consulta a um neurologista, com um mês e meio, diagnosticada com microcefalia ao nascer, dorme aconchegada sobre um coração a bater ofegante e intranquilo. São pouco mais de 13h na sala de espera do Centro de Especialidades do município, a 100 km da capital, Natal. Joseane ansiava por respostas que abrandassem a angústia.
A pediatra Marlene Abrantes mede o perímetro cefálico. Três centímetros maior que os 31 centímetros conferidos no dia do parto. “Para o problemazinho, está ótima. Tem bons reflexos, suga bem, fica em pé.” As palavras médicas, em diminutivo cuidadoso, atenuam a ansiedade. Faltava concluir a peregrinação por um infectologista. A fila grande impedia a marcação. A visita ao infectologista é fundamental para analisar se a microcefalia de Natália foi provocada pelo zika vírus. A mãe garante, só teve diarreias e tosse; mas a menina é caso analisado pelo Ministério da Saúde. O Brasil teve em 2015 quatro vezes mais bebês suspeitos de microcefalia do que a soma dos cinco anos anteriores; hoje, a cada hora mais de uma criança é notificada com a doença no país.
Poliana, a cunhada da agricultora, está certa em buscar ajuda. “Quanto maior o descompasso e as desigualdades sociais”, lembra Andréa Cavalheiro, “mais difíceis serão os arranjos das relações e possibilidade de criar filhos”. Cerca de 30% das mães de bebês com má-formação desenvolvem transtornos mentais. Sem apoio de parentes, o percentual pode chegar a 40%. A rede de apoio precisa se estender além da família. Sobretudo com informação. O acompanhamento deve acontecer mesmo antes do parto e precisa ser estendido a avós, pais, tios e irmãos, defende o professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famesp) e membro da Sociedade Brasileira de Psicologia Nelson Iguimar Valério.
A dona de casa Lucicleide Mendonça, 33 anos, passou a chorar desde que saiu da sala de ultrassonografia aos cinco meses de gestação. A criança nasceria com microcefalia. Na família, a alegria deu lugar a múltiplos sentimentos. Teve quem correu para a internet para se informar, aqueles apegados aos boatos e outros cujo assunto preferiram nem mencionar.
Evelyn integrou a lista de investigados de Caaporã, cidade de 20 mil habitantes a 62 quilômetros de João Pessoa. Nasceu sem microcefalia. Alívio imediato seguido de outro baque: ela teria hidrocefalia. Especialistas que garantem: o vírus provoca outros tipos de má-formação. O zika é um mistério, assim como o dano invisível causado nos atingidos por ele.
Continue explorando
Silvia Bessa
Repórter
Silvia Bessa é repórter especial do Diario de Pernambuco. Escreve para o jornal desde 1996. Produz prioritariamente trabalhos na área social, de direitos humanos e de cunho regional. É ganhadora de três prêmios Esso.
Paulo Paiva
Fotógrafo
Alice de Souza
Repórter
Alice é repórter do Diario na editoria Local. É setorista de saúde e acompanha o surto de microcefalia desde novembro de 2015. Finalista do Prêmio Roche de Jornalismo, da FNPI (Colômbia), voltado a reportagens internacionais de saúde.
Rafael Martins
Fotógrafo
Filho de fotógrafo, é uma apaixonado pela imagem. Fez carreira na Bahia e, há menos de um ano, mostra seu talento em Pernambuco. Diz ser fotógrafo porque é “inquieto com o que o rodeia”.