Recife recebeu primeiro horto zoobotânico do Brasil

Durante ocupação dos holandeses, Maurício de Nassau construiu o segundo horto zoobotânico das Américas, que funcionou em Pernambuco por sete anos, ainda no século 17

 

Eram tempos do Pernambuco Holandês e o Palácio de Friburgo (onde hoje funciona o Palácio do Campo das Princesas), no bairro de Santo Antônio, era utilizado no Recife como moradia do conde João Maurício de Nassau. Foi naquele imóvel, uma das três residências do governante, que foi inaugurado o primeiro horto zoobotânico do Brasil, em 1638.

Onde hoje se encontram a Praça da República, o Teatro de Santa Izabel e a própria sede do governo, o administrador construiu um ambiente em que espécies de plantas e animais típicos do Nordeste podiam ser contemplados por ele e seus convidados. Também servia como centro de reserva e produção de alimentos, além de local de pesquisas científicas da fauna e flora da região. O local funcionou até um ano após a saída de Nassau, em 1645.

“Nassau tinha uma formação renascentista, então o palácio tinha de tudo, inclusive um horto”, aponta o professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), especialista em história natural do período holandês, Argus Vasconcelos de Almeida. Entre os animais estavam tucanos, araras, tamanduás, capivaras, pacus, peixes, tatus e outras espécies da fauna nativa. Espécies de outros continentes como tigres, cabras angolanas e diversas aves também faziam parte do horto. “O acervo foi montado por meio de doações feitas por pernambucanos e também de animais exóticos vindos da África, trazidos pela Companhia das Índias Ocidentais”, destaca Almeida.

Além de pioneiro no país, o jardim zoobotânico é reconhecido como o segundo mais antigo das Américas, atrás apenas de um asteca, criado sob a visão de povos ameríndios. “A existência do horto não é tão lembrada, como a dos que ficavam no Rio de Janeiro, em Belém e até em Olinda, mas foi algo de grande importância histórica para as pesquisas sobre a fauna e flora”, aponta Almeida.

História Natural

A importância do horto do Palácio de Friburgo se confirma com a publicação Historia naturalis Brasilae, dos pesquisadores Guilherme Piso e Georg Marcgrave – apontada como a primeira obra de História Natural do Brasil. Ela foi realizada a partir de observações dentro do horto de Nassau. “Os dois têm relatos que citam a criação e dissecação de animais e, inclusive, experiências. Eles foram os primeiros a realizar um estudo sistemático voltado para a fauna e a flora do Brasil”, aponta Almeida.

A obra é dividida em duas partes: Da medicina brasileira – realizada entre 1639 e 1644, com foco na medicina indígena, doenças locais e plantas medicinais – e História Natural das coisas do Brasil – temas que vão da fauna à astronomia e cultura de países da América.

Além da exibição, diversas espécies animais e vegetais eram consumidas por Nassau e demais moradores do palácio. “Era um parque utilitário. Havia criação de animais para fornecer proteína. Foi algo genial do ponto de vista da estratégia de sobrevivência para os colonizadores”, explica a professora do departamento de Ciências Florestais da UFRPE Isabelle Meunier.

O fim

O espaço foi destruído após a saída de Nassau porque os representantes da Companhia das Índias Ocidentais alegaram questões de segurança, já que o horto supostamente impediria a visão de possíveis ataques vindos do Rio Capibaribe. Apenas o palácio escapou da destruição e passou a ser conhecido como Palácio das Torres.

Ela aponta que no local onde atualmente existe o teatro de Santa Izabel, por exemplo, havia um grande viveiro para peixes. E o cultivo de frutas cítricas, como laranja e limão, foi introduzido com o objetivo de combater o escorbuto (doença causada pela carência de vitamina C no organismo).

“É curioso observar que há uma estratégia de sobrevivência necessária para um local completamente novo e inóspito. O tempo em que os holandeses estiveram aqui foi marcado por embates com os nativos da região. Portanto, era algo funcional, além de viabilizar pesquisas”, complementa Isabelle.

Maquete do Palácio de Friburgo. Heitor Cunha/DP
João Vitor Pascoal

João Vitor Pascoal

Repórter

João é estudante de jornalismo da UFPE. Estagiário do Diario desde 2014, ja escreveu para a editoria de Política, antes de compor a equipe de dados do jornal, no Projeto CuriosaMente. Há quase 10 anos, não põe os pés em um zoológico.