Ônibus do Recife promovem os relacionamentos mais apaixonados em linha reta do mundo
Por Rostand TiagoUm bom dia, uma mochila “segurada” e paradas propositalmente “erradas”. Coletivos do Grande Recife são palco de paixões dignas de livros
Cerca de 7 mil passageiros embarcam todos os dias no Rio Doce/CDU, famosa linha de ônibus que parte da cidade de Olinda e vai até a Cidade Universitária, no Recife. São 7 mil histórias que sobem e descem ao longo de 58,4 km de trajeto. Nesse emaranhado de cruzamentos, amores pedem parada. Enredos particulares, tendo o coletivo cotidiano como coadjuvante silencioso da construção de famílias pernambucanas.
Foi assim com Silvana e Djalma Figueiredo, que, retornando ao lar no coletivo, trocaram olhares há 16 anos – o primeiro passo de um casamento de 10 anos que já gerou duas filhas. Hoje dentista, ela estudava química industrial em 2001 no CEFET, atual IFPE, e voltava para casa todos os dias a bordo da famosa linha. Era uma sexta-feira, que poderia ser só mais uma viagem de retorno, quando ele subiu no ônibus e seu olhar encontrou o dela, ambos intensos. Mas ficou por isso mesmo. “Ele era bonito, creio que ele me achou bonita também, era um princípio de paquera”, relembra. Somente num segundo encontro, também a bordo do Rio Doce/CDU que o primeiro diálogo, por meio de mímicas, se fez. Sabendo qual era a parada de Silvana, o então universitário adiantou-se e desceu no mesmo ponto. “Desci na frente e esperei ela. Quando ela me encontrou, eu disse ‘eu desci aqui e não mereço nem um beijo?’. Ela negou e logo em seguida a mãe dela foi buscá-la na parada. Ela disse que eu era um amigo, mas antes de ir embora trocamos contatos e ficamos de nos encontrar”, conta Djalma.
Seis anos depois, no bolo da festa do casamento dos dois, os tradicionais bonequinhos de decoração estavam acompanhados de uma miniatura do ônibus que os uniu. Os dois dentistas dividem um consultório em Bairro Novo, em Olinda, e unem forças para criar a pequena Larissa, de seis anos, e a recém-nascida Helena, que veio ao mundo em dezembro de 2017.
Foi também em um ônibus que o relacionamento dos universitários Larissa Evelyn Rodrigues e Victor Hugo Farias começou. O ano era 2015 e a linha da vez, a Vila da Fábrica/T.I Caxangá, mais “tímida”, com 12 km e apenas mil pessoas transportadas diariamente, o que os fez razoavelmente conhecidos entre si, pelo menos de vista, antes do relacionamento.
passageiros são conduzidos na Região Metropolitana
linhas/itinerários diferentes na Grande Recife
Quando ela o viu, teve a curiosidade despertada, já que o rapaz não estava entre os passageiros costumeiros. “Ele era a única pessoa do ônibus que eu não conhecia. Só podia morar perto e eu nunca o tinha visto. Fiquei intrigada”, conta.
Na época, aluna de pré-vestibular e namorando, Larissa guardou a curiosidade até semanas depois, quando estava solteira, não teria aula e só embarcou no ônibus na tentativa de uma aproximação. “Eu fiz o primeiro contato. Sentei em cima da bolsa dele sem querer e pedi desculpa, a partir daí comecei a puxar assunto e ele correspondeu”, afirma.
“Sempre reparava nela, achava muito bonita, mas não sou do tipo de ficar em cima, eu respeito o espaço dos outros”, explica sobre a falta de aproximação por medo de ser invasivo. Viraram amigos, engataram um namoro um mês depois e em maio de 2017, noivaram. “Muitas vezes as pessoas acham que amam, mas não é amor de verdade. Com ela, tive certeza. Vi que ela era insubstituível”, conta. Marco para a relação, foi dentro do coletivo que trocaram o primeiro “eu te amo” e ambos continuam pegando o mesmo Vila da Fábrica diariamente, agora juntos.
Foi no CDU/Várzea que a contadora Ester Martins e o gerente comercial João Vitor Campelo se cruzaram, muito antes de exibir o status de noivos de hoje. Ainda nos tempos da faculdade, em 2009, os dois, moradores da Várzea, cruzavam a cidade até o Centro do Recife para estudar. Eles foram apresentados no ônibus por um amigo em comum e se encontravam algumas vezes, mas ele estava em um relacionamento.
“Em uma dessas viagens, perguntei se estava tudo bem com ele e ele disse que não muito, pois tinha terminado o namoro. Falei para ele ‘eita, será que não foi destino a gente se encontrar?’, ele teve um choquezinho e começou o flerte”, lembra. Os primeiros encontros eram no próprio CDU/Várzea.
Dois meses depois, estavam namorando. “O jeito dele me chamava atenção, ele falava baixinho, foi mais uma curiosidade no início, era uma pessoa muito mansa”, afirma. Já resume: “ela é muito bonita e foi muito gentil, segurou minha bolsa. Começou aí o interesse”. Agora, juntam as escovas em 26 de outubro de 2019.
Cerca de 2 milhões de passageiros são conduzidos em 122 linhas do sistema de transportes do Grande Recife. De acordo com o Relatório do Transporte Público mais recente, da Moovit, o pernambucano gasta, em média 96 minutos no deslocamento de ida e volta de casa para trabalhar ou estudar. Tempo e gente bastantes para que muita gente se cruze e acabe voltando para casa da viagem com mais que sacos de pipoca, garrafas d’água ou um pacote de chicletes, como, quem sabe, uma companhia para toda a vida.
Conhece mais histórias de amor que começaram num ônibus ou metrô?
Rostand Tiago
Repórter
Rostand é estudante de jornalismo na Universidade Federal de Pernambuco. Desbrava metade das linhas de ônibus do Recife para cruzar do extremo norte ao extremo sul da RMR, justamente em nome de um amor (que não conheceu num ônibus)
Rafael Martins
Fotógrafo
Rafael é o fotógrafo baiano mais pernambucano a já trabalhar no Diario. Prefere bicicleta a ônibus, mas é um entusiasta e testemunha das paixões que surgem enquanto estamos em movimento, pela cidade e pela vida…