Gabinete Português de Leitura encurta distância entre Recife e Portugal
Um ambiente em que as Pupilas do Senhor Reitor repousam junto aos Lusíadas em grandes estantes repletas de prateleiras lotadas, por onde se distribuem 80 mil exemplares da literatura portuguesa. Em um dos pontos do Recife onde se respira o ar mais lusitano, encravado em rua não menos propícia – Imperador Pedro II – o Gabinete Português de Leitura de Pernambuco (GPL) deixa Portugal ao alcance de uma visita.
Entre as obras marcantes que estão abertas à visitação, há um manuscrito de Urtigas, livro de Carneiro Vilela, feito entre 1885 e 1900. Carneiro Vilela é autor também da obra Emparedada da Rua Nova, livro que se convencionou como lenda urbana recifense ao narrar a história de uma jovem de família rica, moradora da rua do Centro recifense que engravida do namorado e é emparedada pelo próprio pai para manter a honra familiar. Também merece destaque a edição de Os Lusíadas, de Luiz de Camões, datado de 1880, com direito a uma capa banhada a ouro.
Os milhares de livros, parte deles, de séculos em que a influência do país europeu se fazia presente em cada aspecto da vida recifense, ou até anteriores a isso, está em um prédio de 1921, situado no bairro de Santo Antônio, segunda sede da história de um gabinete que caminha resistente rumo aos 177 anos. “Ele foi fundado em 1850, antes de estar aqui, ficava na atual Avenida Marquês de Olinda, no Recife Antigo”, conta Celso Stamford Campos, filho de português e atual presidente do GPL.
No passado, o local foi um dos grandes pontos de encontro da comunidade portuguesa em Pernambuco. Celso conta que o embrião do Real Hospital Português, por exemplo, surgiu dentro do gabinete. “É um local histórico onde os portugueses se encontravam para discutir ideias, para conversar mesmo, passar o tempo”, aponta.
As reuniões e encontros ainda existem, porém, sem a mesma dimensão. Na maioria dos dias, uma das maiores entidades culturais do estado tem a sua história visitada por estudantes, pesquisadores e poucos turistas, totalizando, em média, apenas 200 pessoas por mês. Sinais de novos tempos, talvez. O acesso à história, hoje, realiza-se por meio de visitas de um clique e para mantê-la viva, pulsante, exalando “ares portugueses”, é preciso empenho. “Hoje em dia percebo que há uma dedicação de filhos de portugueses para ajudar a manter essa memória lusitana viva. É algo que faz parte da história do Brasil e não podemos, de forma alguma, deixa isso morrer”.
O Dia de Portugal, Camões e das Comunidades Portuguesas celebra a data aceita como a da morte de Camões: 10 de junho de 1580
O Gabinete Português de Leitura de Pernambuco foi fundado em 3 de novembro de 1850
A sede atual teve sua construção concluída em 1921. Atualmente, são mais de 80 mil exemplares de livros nos três andares do prédio
O primeiro endereço do GBL foi a Rua da Cadeia Velha, atual Avenida Marquês de Olinda, onde ficou a partir de 1851
Serviço
Gabinete Português de Leitura de Pernambuco
Endereço: Rua Imperador Dom Pedro II, 290, Santo Antônio, Recife
Funcionamento: De segunda a sexta, das 8h às 12h e das 13h às 17h
Entrada: Gratuita
Telefone: (81) 3224-2593
Site: www.gplrecife.com.br
Divórcio e reaproximação pelo caminho inverso
De Camões, passando por Fernando Pessoa e Eça de Queiroz, até chegar mais recentemente em Saramago. Ícones portugueses na cultura literária brasileira não são raros. Um casamento que se rompeu de forma drástica, mas que, aos poucos, tende para uma relação estável. “Em 1922 veio um rompimento claro na Semana de Arte Moderna, que levou a literatura brasileira a se afastar completamente da portuguesa e dialogar mais com influências francesas e inglesas. Porém, na década de 1940, uma reaproximação começa a ocorrer”, explica José Rodrigues Paiva, professor do Departamento de Letras da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Ele destaca que a reaproximação se deu no caminho inverso, com Portugal se inspirando na literatura brasileira. “Surgiu em Portugal o Neo Realismo, influenciado pela literatura brasileira de 1930, com foco social. Os portugueses leram muito Jorge Amado, Raquel de Queiroz e Graciliano Ramos e falaram das similaridades entre as realidades sociais dos dois países”.
Paiva aponta que, apesar de não ter seca e nem retirantes, os lusitanos tinham uma relação problemática e sofrida no trabalho dos camponeses, muitas vezes maltratados pelos patrões. O que vem pela frente, só o futuro dirá, mas José Rodrigues crê na solidificação de uma troca de influências. “Não há mais a necessidade de rompimento em nenhuma das partes. Atualmente, com a internet, a tendência é cada vez maior de seguir uma relação estável, de troca de conhecimentos”.
O Real Hospital Português teve seu embrião criado no Gabinete, ainda com o nome de Hospital Beneficente de Pernambuco, criado para combater uma epidemia de cólera que assolava o estado
Indicações de leitura do Gabinete
João Vitor Pascoal
Repórter
João é repórter do Diario desde 2014. Passou pela editoria de Política, antes de fazer parte do projeto CuriosaMente, da editoria de dados do jornal.
Julio Jacobina
Fotógrafo
Júlio é integrante da equipe de fotografia do Diario. Fotografa profissionalmente desde os 21 anos e é quem integra, há mais tempo, o corpo de funcionários do setor.