Ainda raras no estado, plantações de café fazem diferença no Agreste pernambucano
Cafeicultores aproveitam altitude de Taquaritinga do Norte para vencer limitações climáticas e de relevo para produção
O café chegou ao Brasil há cerca de 290 anos. Segundo a história, o coronel Francisco de Mello Palheta, a pedido do governador do estado do Grão-Pará, viajou até a Guiana Francesa para contrabandear a primeira muda trazida ao país. Sua missão teve êxito e ela foi plantada em Belém e iniciou seu trajeto Brasil adentro, tendo Pernambuco na rota. No estado, a espécie que se consolidou foi a Arábica typica, permanecendo até os dias atuais como principal produção do estado. No entanto, numa terra há séculos dominada pela cana-de-açúcar, o café responde por apenas 1% da produção nordestina do grão, em ranking liderado pelo estado da Bahia. Num ano de produção recorde de café no país, com um total de 51 milhões de sacas em 2016, a participação pernambucana acaba restrita ao Agreste, sobretudo no município de Taquaritinga do Norte. A falta de expressividade no cenário nacional, no entanto, não se faz limite aos poucos que se aventuram no cultivo do café no estado – e que apostam no teor qualitativo para ganhar mercado, inclusive com exportações internacionais.
O Brasil é o segundo maior consumidor de café do mundo, atrás dos Estados Unidos, segundo a Organização Internacional do Café. De acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), o consumo médio per capita no país é de 6,12 kg – o equivalente a 81 litros da bebida anualmente. Pernambuco, no entanto, não tem grande participação nesse mercado, dominado, em mais de sua metade, por Minas Gerais. Justamente por isso, é na diferenciação que reside a fórmula de quem encara o desafio de produzir café no estado. A fazenda Várzea da Onça, com o café Yaguara Ecológico, é a maior produtora pernambucana e tenta diferenciar-se no manejo de grãos orgânicos, mirando paladares exigentes. Tatiana Peebles, responsável pela produção, ressalta que o espaço físico dos brejos de altitude, tipo de relevo onde está situada a plantação, permite uma qualidade maior do produto. “O café precisa de altitude e sombra, havendo ambos, a qualidade na xícara é excelente’’, explica.
Sombra no Agreste não é artigo comum. Ela é conseguida por meio de outras espécies de plantas de alturas maiores plantadas, como cajueiros, pitombeiras, jaqueiras. Dessa forma, os produtores locais dão mais qualidade à plantação do café e ainda aproveitam os outros frutos cultivados. Na Várzea de Onça, a colheita é realizada manualmente, visando uma maior qualidade do café na xícara. Dessa forma, apenas os grãos maduros são selecionados. Outra forma de se fazer é arrastando a mão pelo tronco, com os frutos caindo em um balaio, sem uma seleção – forma mais rápida, que abre espaço, no entanto, para que frutos não tão maduros sejam levados e componham o produto final.
No cenário agrestino, além de Taquaritinga do Norte, também se destacam Triunfo e Garanhuns na produção do grão. Segundo dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), a produção em Pernambuco atende a apenas 10% do consumo da população do estado, desde 2011 – e o cenário pouco mudou. “Cafeicultor é um bicho em extinção em Pernambuco, dá pra contar nos dedos os que ainda existem”, afirma Tatiana Peebles.
De acordo com o professor Francisco de Oliveira, do curso de agronomia da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), a raridade é fruto das dificuldades para manter uma plantação do grão no estado. As condições climáticas, por exemplo, sócias principais de qualquer agricultor, não estão dando muito crédito para os cafeicultores locais. O professor classifica a estiagem como principal empecilho não só para os cafeicultores, mas para agricultores em geral. “O café precisa de umidade e altitude, a estiagem prolongada é a causa maior da baixa produção. Muita gente desiste’’, diz Francisco. O cenário nacional também gera insegurança. Em 2016, o país viu ser realizada as maiores produções e colheitas do grão na história, mas para 2017, a previsão é de uma queda no mercado que excede os 8%, segundo a Conab, o que favorece a inibição de investimentos em regiões que não possuem o cultivo como uma prática tradicional.
A florada do café acontece, historicamente, de uma a três vezes por ano, entre janeiro e março. A colheita é feita entre o início de agosto e o final de outubro. Para uma simples xícara de espresso são necessários cerca de 20 frutos do café – cada um deles possui dois grãos. Depois de colhidos, podem seguir dois caminhos: ir para a secagem (se transformando no chamado café natural) ou utilizar o método chamado “cereja descascada’’, que consiste na utilização de um maquinário que pressiona o fruto para a passagem apenas de maduros, evitando a fermentação. Assim, a casca externa do café se vai, restando apenas o grão e a polpa.
Há quem prefira manter a polpa em sua produção, o chamado honey coffe, o que confere um sabor mais adocicado ao produto. Após esse processo, os grãos são levados para a secagem em um terreiro coberto, até atingir um certo grau de umidade. Em seguida, seguem para a “tulha’’, compartimento de material feito para o armazenamento, por prazos que dependem do tamanho dos grãos. Depois, é preciso descascar a parte interior do café e classificar por tamanhos – variando entre 15 e 18 – facilitando a uniformidade na torra.
Café em números
Meses de colheita manual
Dias para secagem
Dias de descanso
Minutos de torra
- Consumo feito em pó 81%
- Consumo de cápsulas 0,6%
- Consumidores com mais de 60 anos que bebem todos os dias 89%
- Consumidores entre 16 e 20 anos que bebem todo dia 49%
- Aumento anual da média de sacas 2,5%
Plantação
O café de Pernambuco não é plantado em fileiras, devido às condições físicas dos locais. Devido a ocorrência de árvores e pedras, ele é plantado onde há espaço, entre outros cultivos, sem um sistema específico, semelhante a uma agrofloresta, permitindo que plantação ocupe solo rico em matéria orgânica. Em Taquaritinga, temos uma região de brejo de altitude, onde a localização na Serra da Taquara promove condições climáticas com umidade e sombra, ideais para o plantio.
Produção Local
O café mais consumido no Brasil é o robusta. Em Pernambuco, o mais produzido é o Arábica, assim como no resto do país.
Recorde
Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), 2016 foi o ano de maior produção do Brasil, com uma produção de aproximadamente 51 milhões de sacas produzidas no país.
Da tradição às novas formas de consumo
Com o fim do ciclo da cana-de-açúcar no século 18, o café adquiriu um amplo valor cultural e econômico na vida do brasileiro, ao ponto de carregar a economia do país nas costas por mais de um século. Ao redor do mundo, a expansão segue a mesma linha, sendo a segunda bebida mais consumida, ficando apenas atrás da água. Atualmente, o consumo do café é feito de formas variadas, seja em produção manual ou nas máquinas sofisticadas que chegam ao mercado.
Do aroma ao sabor, aqueles que desejam explorar o máximo de nuances da bebida precisam ter um conhecimento sobre vários aspectos do produto utilizado. A qualidade do grão é um dos pontos essenciais. Alan Cavalcanti, 37, é o barista (nome dado aos especialistas no preparo do café) responsável pelo Malakoff Café. Ao longo do tempo, passou a entender que a escolha de um grão adequado à preferência pessoal do consumidor trará uma experiência mais proveitosa na degustação. “O grão é classificado em: tradicional, superior, gourmet e especial, numa escala crescente de qualidade’’, explica.
O café dito tradicional é o encontrado em mercados populares, feito a partir da espécie de grão denominada conilon, tendo um maior nível de cafeína e amargor, mas com um custo menor. Já os demais tipos são feitos com grãos da espécie Arábica, sendo mais adocicado e com aromas mais suaves. Ele é o preferido dos amantes de café, por ter um processo de colheita mais rigoroso, promovendo uma maior uniformidade e menor incidência de impurezas dos grãos – além disso é o tipo mais produzido em Pernambuco. Para quem prefere uma doçura no sabor, existe ainda o arábica bourbon, com uma textura achocolatada.
Os diferentes tipos podem se complementar nos conhecidos ‘’blends’’, que misturam diferentes grãos para obter novas características. ‘’Há o costume de afirmar que o melhor café do Brasil não fica no país. Hoje em dia, ele começa a ficar no Brasil também’’, diz Alan. Segundo ele, o frescor do café é fundamental para obter o máximo de seu preparo, principal ponto fraco do café mais popular: “O café do supermercado se encontra já moído por vários meses, sendo oxidado e perdendo suas características, como se estivesse envelhecendo”.
Como obter o melhor café
Para isso, é necessário que o café possua uma data de torra recente, no máximo 30 dias, feita até mesmo com o controle de softwares. O café nacional apresenta a vantagem de ter a torra mais nova, já que a duração do processo de importação faz com que as torras de cafés internacionais sejam mais antigas. O ideal é que o grão seja moído no momento do preparo da bebida.
Curiosidade
O café arábica é o mais produzido no Brasil, porém o menos consumido internamente, sendo voltado principalmente para exportação.
Importação
A vigilância sanitária não permite a importação de grãos verdes para serem torrados aqui, para evitar a entrada de parasitas e estimular a produção local.
Ambas são utensílios que usam a pressão de um embolo para extrair a bebida. Na French Press, o café moído é colocado no fundo do recipiente, onde há adição de água. Após ser feita uma infusão, desce-se o embolo, fazendo com que a bebida suba e seja extraída. Dessa forma, se consegue um sabor mais suave, típico de grandes cafeterias norte americanas. A moagem do café para a French Press precisa ser fina, para não haver resíduos. A Aeropress possui um mecanismo semelhante e foi desenvolvida a partir de um brinquedo. Ela permite obter um sabor similar ao do espresso.
Uma das formas de preparo mais conhecidas do mundo é muito mais que apenas apertar botões. É preciso que a máquina seja regulada adequadamente. A moagem utilizada precisa ser fina, sendo prensada uniformemente e compactada de forma certa na máquina. Uma forma de identificar possíveis erros de extração desse preparo é observar se há buracos na crema da bebida.
O café turco, comumente conhecido como café de soldado, é a primeira forma de preparo da bebida realizada no mundo. Ela consiste em jogar o pó do café sem haver uma filtragem, apenas ferver e toma-lo. Esse preparo garante um sabor bastante intenso. Realizado amplamente em um utensílio chamado de Ibrik, esse café vai bem quando adicionado a especiarias como anis estrelado, cravo e canela. É a partir desse café que se costuma fazer as leituras místicas da borra.
A inovação das cápsulas
Além dos conhecimentos sobre as variedades de café, é primordial também ter cuidados nos métodos de preparo para o consumo final. O barista profissional Alan trabalha com 12 desses métodos em seu espaço localizado no Paço do Frevo. Até mesmo nas máquinas, é necessário saber configurar e regular aspectos como temperatura, prensagem e a água utilizada para obter o melhor café. E com a chegada das monodoses, que são os cafés vendidos em cápsulas, o preparo manual vem sendo desafiado ainda mais pela praticidade. ”Cabe aos profissionais provarem que nosso preparo é melhor do que a cápsula. Mesmo com o processo de condicionamento a vácuo desse tipo de café, ele ainda sofre oxidação, por ter sido moído. Não possuem o frescor da torra e da moagem na hora’’, afirma Alan.
A disseminação das cápsulas encontra força em empresas como a recifense Delta Expresso. Em parceria com a produtora portuguesa Delta Cafés, eles disponibilizam aos consumidores cafés em cápsulas e moídos que podem ser preparados em casa. “Não há perda nenhuma de qualidade nas nossas cápsulas e nos moídos’’, garante Ísis Correia, especialista em alimentos e bebidas da empresa. O consumidor pode escolher entre variações de intensidade originárias de países como Timor-Leste, Angola, Colômbia e Brasil.
O desafio da sustentabilidade
A praticidade das cápsulas tropeça na inviabilidade de reciclagem no Brasil. Pesquisa realizada pela associação de consumo Proteste, em parceria com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mostra que, por conta disso, as cápsulas causam um impacto ambiental preocupante. Apesar de serem classificadas pelos produtores como recicláveis, a reutilização das cápsulas é inviável no país. Um problema de sustentabilidade que acaba gerando decisões extremas, como a ocorrida na cidade de Hamburgo, na Alemanha, que baniu o comércio do produto.
Rostand Tiago
Repórter
Rostand é estudante de jornalismo pela UFPE. Integra a equipe de dados do Diario de Pernambuco, no projeto CuriosaMente desde janeiro de 2017. É fã assumido (e alucinado) de café. Para escrever essa reportagem, consumiu quatro bules.
Peu Ricardo
Fotógrafo
Mandy Oliver
Fotógrafa
Ed Wanderley
Editor e produtor