Entre o Ibura e a Brasilândia, o Aedes aegypti
Mosquito Aedes aegypti aproveita a urbanização precária das periferias
Por Silvia Bessa e Alice de Souza
Ticiane Maniere, moradora da Brasilândia, periferia de São Paulo, arrumou as malas nos primeiros dias do ano e viajou com a família de férias para o Espírito Santo. “Para onde eu vou, em Linhares, tem um caso investigado de microcefalia.” Externou preocupação quanto à viagem e esqueceu que o vetor do zika vírus é o mesmo da dengue. Mãe de Mateus, de oito anos, e então grávida de um bebê de dois meses, na mala ela levava repelente para se proteger de um eventual mosquito e do surto noticiado pela televisão. Quando está em São Paulo, adota comportamento distinto. “Aqui em casa não uso muito. Não acho que é preciso porque cuido direito da minha casa.” Sobre o zika, vírus que traz graves sequelas neurológicas para bebês intra-útero, Ticiane diz: “Me preocupa, mas não tira meu sono”.
Brasilândia é o bairro onde a dengue mais cresceu em todo o município de São Paulo. No ano passado, foram mais de 9.7 mil casos, onde se viu a maior incidência por 100 mil habitantes (relação de 3,6 mil por 100 mil). Na cidade de São Paulo, foram 100 mil casos em 2015; em 2010, não chegou a 6 mil. Nas comunidades carentes dentro da Brasilândia, a dengue é assunto das escadarias improvisadas, calçadas, bares. Jacivânia Rosa da Cruz, 33 anos, grávida de nove meses, usava repelente spray na casa quando ia dormir e vivia tensa quanto à falta de cuidado da vizinhança com as lajes. “Um absurdo.” Teve medo da microcefalia e do zika até ver o menino saudável na sala do parto. “Mas pode acontecer com qualquer uma. O que mais tem aqui na comunidade é grávida, mas ninguém tem interesse ou preocupação com o zika”.
Impacto do saneamento na saúde
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Cada R$ 1 investido em saneamento gera economia de R$ 4 na saúde
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Se 100% da população tivesse acesso à coleta de esgoto, haveria uma redução, em termos absolutos, de 74,6 mil internações
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56% dessa redução ocorreria no Nordeste
Fonte: Instituto Trata Brasil
No Recife, os bairros do Ibura, Cohab e Jordão são os melhores representantes da periferia pernambucana. Somam um universo de 145 mil pessoas na oitava microrregião sanitária do Recife e têm demografia que cresceu 5% nos últimos cinco anos.
Katiane Silva, 18 anos, mora em uma das últimas casas de um terreno composto por 17 residências de famílias diferentes, no Ibura de Baixo. Grávida de sete meses, a jovem mudou os hábitos. A cada quatro horas, o alarme do celular toca: é hora de renovar o repelente. O caminho da casa de Katiane até a rua é um imenso corredor estreitado por caixas d’água abertas de uma vizinhança que nem se fala. Do lado de fora, esgoto a céu aberto, lixo e a sensação de que o desafio está só começando.
A cobertura de esgotamento sanitário na cidade, revela a própria Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa), não passa de 38%. No Brasil, 61% do esgoto gerado pela população não é tratado.
Combate ao mosquito desafia até quem já transita bem no Ibura, periferia do Recife, como Jorge Tadeu
O distrito sanitário 8 do Recife é uma vitrine dos porquês de o Aedes aegytpi continuar “dando na gente mais do que a Alemanha na Copa do Mundo”, nas palavras do professor da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador da Universidade de Harvard Paulo Saldiva, um dos principais patologistas do Brasil. A proliferação do vetor tem a ver com a dinâmica de crescimento urbano. “Quanto mais deteriorada a estrutura social, mais lixo, mais calor, casas mais permeáveis ao mosquito”, ressalta Saldiva.
Segundo a bióloga entomologista do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães (CpqAM/Fiocruz) Maria Alice Varjal, “as condições de temperatura e diversidade de criadouros fazem do país um resort dos mosquitos, sobretudo o Aedes que consegue se adaptar a criadouros imperceptíveis.” A mãe de Katiane, dona Kátia Silva, 42, revela a tensão: “O coração está bem pequenininho, esperando o ultrassom”.
Os primeiros casos autóctones, transmitidos dentro de Pernambuco e isolados em laboratório, foram de quatro pessoas de uma mesma família do Ibura em 1987. Recife é uma das cinco cidades brasileiras com maior incidência de dengue, e o bairro líder em casos de microcefalia é o Ibura. O bairro de Katiane permaneceu o ano de 2015 entre os líderes de infestação. É o que acontece com Brasilândia, de Ticiane e Jacivânia.
(Colaborou com fotografia Vinícius Danadai)
Saneamento no NE
- Piauí 6%
- Maranhão 10%
- Sergipe 15%
- Alagoas 19%
- Pernambuco 20%
- Rio Grande do Norte 21%
- Paraíba 24%
- Ceará 25%
- Bahia 31%
Fonte: Instituto Trata Brasil
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Silvia Bessa
Repórter
Silvia Bessa é repórter especial do Diario de Pernambuco. Escreve para o jornal desde 1996. Produz prioritariamente trabalhos na área social, de direitos humanos e de cunho regional. É ganhadora de três prêmios Esso.
Paulo Paiva
Fotógrafo
Alice de Souza
Repórter
Alice é repórter do Diario na editoria Local. É setorista de saúde e acompanha o surto de microcefalia desde novembro de 2015. Finalista do Prêmio Roche de Jornalismo, da FNPI (Colômbia), voltado a reportagens internacionais de saúde.
Rafael Martins
Fotógrafo
Filho de fotógrafo, é uma apaixonado pela imagem. Fez carreira na Bahia e, há menos de um ano, mostra seu talento em Pernambuco. Diz ser fotógrafo porque é “inquieto com o que o rodeia”