Planalto deve trocar quadros de Portinari por obras de Romero Britto

Romero Brito / Reprodução

Por Rebeca Oliveira e Pedro Grigori, do Correio Braziliense

Com o encerramento do contrato de comodato, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) autorizou, em decisão acertada pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) e pela Diretoria de Documentação Histórica (DDH) do gabinete da Presidência da República, a devolução de 48 obras de arte do acervo do Palácio do Planalto e do Alvorada ao Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro (MnBA). Com a decisão, a cidade perde relíquias de Cândido Portinari, Djanira da Mota, Alberto da Veiga Guignard, Arcângelo Ianelli, Eliseu Visconti, Maria Leontina, Rodolfo Amoedo e Henri Nicolas Vinet, destinadas à voltar ao lugar de origem, onde já existem mais de 70 mil itens artísticos.

Além das pinturas, estudos, desenhos e porcelanas, há também esculturas e mobiliários do século 18 e 19, grande parte trazidos para a cidade em momentos distintos a partir da década de 1950. O empréstimo durou de 1956 a 1991 e foi prorrogado até o fim deste ano. As peças que, em grande parte ficavam abertas a curiosos, turistas e à população do DF, serão substituídas por outras do acervo da Presidência e do Banco Central (BC). De acordo com o Ibram, a devolução será feita em duas etapas. Até o fim da semana serão devolvidas 34 pinturas e o conjunto de seis objetos do acervo de arte decorativa. Na segunda leva, prevista para janeiro, voltarão ao Rio oito peças de mobiliário.

A atitude do Planalto e do Museu de Belas Artes revoltou Maria Elisa Costa, herdeira do urbanista Lucio Costa, um dos “inventores” de Brasília. Em carta aberta nas redes sociais, a arquiteta fez um apelo para que Kátia Bogea, atual presidente Iphan — cargo que Maria Elisa ocupou durante 15 anos — intervisse para que as obras permanecessem em Brasília, onde se enfrenta um momento delicado na cultura, com o fechamento de importantes equipamentos. Exemplo disso é a interdição do Museu de Arte de Brasília, há mais de 10 anos.

“O que fez nosso JK? Conseguiu que o Museu de Belas Artes da antiga capital lhe cedesse uma bela coleção de obras, a serem colocadas nos Palácios de Brasília, como a dizer – aqui, Poder & Arte convivem, cotidianamente. Com o tempo, essas obras passaram, de fato, a ‘pertencer’ a Brasília. A ideia de JK criou raiz. Retirá-las seria desmerecer a sensibilidade e a sabedoria de quem foi capaz de construir, em três anos, nossa capital…. Ele não merece!”, desabafou Maria Elisa.

O argumento da assessoria da Presidência da República é que as obras estavam sendo devolvidas por motivo de preservação, que passariam por uma limpeza profunda e seriam expostas de forma adequada. Afirmam, também, que telas como Trecho do Jardim Botânico no Rio de Janeiro, de Guignard, estariam à mostra para o grande público após ficar 35 anos nos palácios presidenciais de Brasília e no Rio — onde vivia o representante máximo do Executivo, antes da transferência da capital do país.

Troca

Curador do Palácio da Alvorada durante quase 10 anos, Rogério Carvalho revela que, pouco antes de Dilma Rousseff deixar a Presidência, após o processo de impeachment, houve uma reunião entre ele e Mônica Xexéo, diretora do MnBA. “Ela teve a pachorra de oferecer, guardando todas as proporções de qualidade e de gosto, o descarte do museu para substituir as obras que estavam aqui havia décadas. Nas últimas reuniões que participei, Mônica ofereceu um Romero Britto em troca de um Eliseu Visconti”, declara. A curadora do MnBA, Monica Xexéo, não pôde falar com o Correio devido a problemas de saúde.

Rogério Carvalho fez coro com as acusações de Maria Elisa Costa. Segundo ele, a transferência das propriedades prejudicam o patrimônio cultural brasiliense. “Essa relação das peças de arte com a cidade se dá não só porque são quadros ou objetos que estão aqui há 40 anos. Ela acontece porque eles fazem ambientação dos dois prédios mais importantes do país. Essa relação direta deve ser preservada. Precisamos deixar claro que elas não se encerram nelas mesmas. São representações da relação não só do presidente, mas de todas as pessoas que passaram por ali durante esse tempo todo. Não podemos vê-las como algo isolado, meros objetos. São objetos que se relacionam com pessoas”, critica.

Especialistas

Curador do Museu Nacional da República, crítico de arte e artista plástico, Wagner Barja acredita que a devolução, ainda que cumprindo protocolo, significa uma perda aos valores culturais da capital. “São acervos referentes à história da República e Brasília e, como a capital do país, não vejo com que direito os pegam de volta”, pontua.

Marcelo Mari, professor de História da Arte do Departamento de Artes Visuais da Universidade de Brasília (UnB), acredita que a transferência das obras foi uma atitude infeliz e leviana. “São artefatos com significado cultural e adequadas ao patrimônio arquitetônico de Brasília. Somos uma cidade construída para ser moderna, as obras expostas no Palácio conversavam com isso e contavam a nossa história aos visitantes. Na minha visão, foi uma decisão que não se deixou ser fundamentada por especialistas na área”, constata o professor.

Ao descobrir sobre o episódio, Marcelo diz que se recordou de um caso semelhante que aconteceu com Silvio Berlusconi, ex-primeiro Ministro da Itália, em que o cuidado artístico foi deixado em segundo plano. “Episódios como esses acabam muito malvistos. É uma perda não só para o público local, mas para visitantes. São obras que fazem parte do projeto de construção de uma imagem de Brasília, rimando com a história contada pelos edifícios de Niemeyer”, relata.

Correio Braziliense

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