Guia prático de sobrevivência para comer fora de casa

Especialistas explicam os riscos de consumir alimentos de ambulantes e os pontos necessários de atenção para 10 grupos de comidas de rua

Comida de rua é evitada por muitos, mas inevitável para outros tantos. Solução rápida para matar a fome, ela, no entanto, pode tornar-se potencialmente perigosa para a saúde. De acordo com profissionais de nutrição, uma das formas mais comuns de contaminação é a sequência mão, dinheiro, alimento, boca – a chamada “contaminação cruzada” – por isso, a preocupação deve ir além da aparência ou exposição do alimento e passa também pelo seu manuseio.

De acordo com a professora do curso de gastronomia da Universidade Federal Rural de Pernambuco, Neide Shinohara, é essencial que os vendedores utilizem roupas limpas, além de luvas e touca descartáveis. As unhas devem ser cortadas e os esmaltes, evitados. “Até mesmo alianças devem ser retiradas, pois dificultam a higiene completa das mãos”, aponta. A nutricionista do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco Maria Auxiliadora de Albuquerque acrescenta que o asseio dos vendedores é fundamental. “Não é preconceito. É observar se os vendedores seguem as normas”, destaca.

Milena Gomes vende salada de frutas há um ano, normalmente na esquina da Conde da Boa Vista com a Rua da Aurora. Garante que toma cuidados da compra das frutas ao processo de mistura dos 60 copinhos vendidos diariamente. “Eu tenho cuidado com a procedência das frutas e corto todos os dias, antes de ir para a rua”, conta. A higiene, explica, também é ponto fundamental. “Procuro sempre usar luvas e touca e deixar os copos para as saladas em um lugar limpo”, conta. Gleyvson Trajano tem um carrinho com diversos produtos à venda, de salgados a caldo de cana ou suco de laranja feitos na hora. “Quando sobra salgado de um dia, eu dou ao pessoal na rua. Não deixo para o outro dia”, frisa o vendedor, no ramo há cinco meses. “Qualquer sinal de laranja ‘passada’ ou cana mofada eu já jogo tudo fora”.

Ivan Melo/DP

“Se o ambulante tiver um local onde possa fazer a higienização das mãos, já é uma solução para muitos dos problemas”

Maria Auxiliadora Albuquerque

Nutricionista

E nem só de lanches é feita a comida de rua. Na Rua Princesa Isabel, também na Boa Vista, por exemplo, Elza Costa e a amiga Ana Paula da Silva aproveitam a calçada do prédio onde moram para vender almoços. “Por dia, são pelo menos 50 quentinhas”, conta Elza, que, mesmo grávida de nove meses, continua na confecção das quentinhas. Há oito anos no trabalho, garante que, dentre os vários clientes, ninguém nunca reclamou da comida ou passou mal. “Preparo tudo de manhãzinha e, graças a Deus, nunca sobra nada. Quando dá 13h, já vendi tudo”, afirma, justificando a conservação dos alimentos em temperatura ambiente, não recomendada por especialistas.

A maioria das doenças geradas pelo consumo de alimentos são infecções gastrointestinais geradas normalmente por coliformes fecais. Crianças de até cinco anos, grávidas, idosos e usuários de medicamentos imunossupressores são os mais suscetíveis às doenças. Mas o cenário ideal descrito por profissionais de saúde é muitas vezes bastante distante da realidade presenciada nas ruas da cidade. Vendedores sem luvas é algo corriqueiro, somado ao manuseio de dinheiro e de material utilizado na produção dos alimentos. “Normalmente apresentam muitos problemas, mas se o ambulante tiver um local onde possa fazer a higienização das mãos, já é uma solução para muitos dos problemas”, explica Maria Auxiliadora, ponderando que isso é não a solução para tudo. “O hábito de lavar as mãos é essencial, básico”.

Antes de comer

FRITURAS

  1. APRESENTAÇÃO  Em especial com alimentos já prontos, o visual seco é indício de alimento antigo
  2. ARMAZENAMENTO – Os alimentos prontos podem ser conservados em temperatura ambiente, idealmente, protegidos do ar e da luz
  3. PREPARO –  Quanto mais escuro o óleo utilizado, mais desaconselhável é o consumo

ALMOÇO/QUENTINHA

  1. APRESENTAÇÃO  Em especial com alimentos já prontos, o visual seco é indício de alimento antigoAlimento deve ser colocado em material descartável que mantenha a temperatura
  2. ARMAZENAMENTO – Não deve ser feito em temperatura ambiente, mas em ambientes refrigerados ou que mantenham o alimento quente
  3. PREPARO – Deve ser levado ao recipiente e consumido em um tempo curto

SALADA DE FRUTAS

  1. APRESENTAÇÃO – O produto deve ser servido em copos descartáveis
  2. ARMAZENAMENTO – Deve ser guardada em local resfriado – no mínimo em recipiente térmico. O ideal, é temperatura por volta de 12°C
  3. PREPARO – É essencial que a salada seja feita no mesmo dia

CHURROS

  1. APRESENTAÇÃO – O “canudo” que insere recheios deve ser limpo para evitar acúmulo de resíduos
  2. ARMAZENAMENTO – Os recheios, como doce de leite e leite condensado, devem ser refrigerados, não ficar à temperatura ambiente
  3. PREPARO – Frito na hora, observe a cor do óleo. Quanto mais escuro, mais velho

SANDUÍCHE NATURAL

  1. APRESENTAÇÃO – Evitar o consumo caso o sanduíche seja armazenado em temperatura ambiente
  2. ARMAZENAMENTO – Bem acondicionados em baixa temperatura, podem durar até dois dias
  3. PREPARO – Observar o cheiro dos recheios, normalmente são produtos industrializados

CALDO DE CANA

  1. APRESENTAÇÃO – Observar se a máquina de moer a cana está limpa e sem ferrugens e certificar-se de produto ser servido em copo descartável
  2. ARMAZENAMENTO – Deve-se observar onde a cana é guardada, pois ela pode ser foco do barbeiro, inseto transmissor do mal de chagas
  3. PREPARO – Extração e consumo devem ser imediatos

TAPIOCA

  1. APRESENTAÇÃO – É preciso observar o cheiro e aparência, sobretudo dos recheios, em especial queijos e presuntos
  2. ARMAZENAMENTO – A goma, idealmente, deve ser guardada em local resfriado e tampado
  3. PREPARO – Por ser feita na hora, leva vantagem sobre outros alimentos

CALDINHO

  1. APRESENTAÇÃO – Alimento deve ser servido em material descartável
  2. ARMAZENAMENTO – É preciso ter cuidado com as condições aparentes, em especial com garrafas térmicas
  3. PREPARO – Deve ser mantido em temperaturas altas

SUCOS

  1. APRESENTAÇÃO – Local deve possuir condições de limpeza ideais para o liquidificador
  2. ARMAZENAMENTO – Não deve ocorrer. Evite sucos armazenados
  3. PREPARO – Deve ser feito na hora, preferencialmente da própria fruta

CACHORRO-QUENTE

  1. APRESENTAÇÃO – Evite recheios várias vezes requentados ao longo do dia, o que dificulta percepção do cheiro do alimento
  2. ARMAZENAMENTO – Enlatados como milho e ervilha devem ser mantidos em recipientes fechados e refrigerados
  3. PREPARO – Recheios devem permanecer fervidos e não devem ser reutilizados

Pequenas mudanças que fazem a diferença

A praticidade e a pressa são alguns dos pontos levados em conta na hora da alimentação, mas outros fatores também devem entrar no “radar” dos consumidores, como o ambiente onde o alimento é vendido. “Se há muito lixo e animais, como moscas, por perto, o local deve ser evitado”, pontua Shinohara.

A presença dos insetos pode ser indício de alimentos estragados pelos microorganismos. “A contaminação dos alimentos só é visível quando ele já está completamente estragado, por isso é preciso estar atento”, recomenda a professora.

“A contaminação do alimento só é visível quando já está estragado. Por isso, é preciso estar sempre atento”

Neide Shinohara

Professora da UFRPE

O tatuador Sílvio Luiz, 21, já teve uma experiência desagradável após consumir alimento estragado. “Comi uma coxinha e logo depois comecei a passar mal”, conta. Apesar do ocorrido, segue recorrendo às comidas de ruas, porém com algumas precauções. “Sempre que estou pelo Centro, acabo comendo. Presto mais atenção no visual do lugar mesmo; se parece ser limpo, se a coxinha tem aparência boa, por exemplo”, relata. No caso da estudante Géssica Pereira, 15, um sanduíche natural foi o causador da indisposição. “Depois de umas horas que comi, comecei a vomitar e ter dor de barriga”, relembra. “Por isso, comecei a levar lanche de casa por um tempo, mas já voltei a comer na rua porque é mais prático”.

A nutricionista Maria Auxiliadora dá uma dica a quem realmente precisa comer na rua. “Alimentos feitos na hora geram menos problemas. O fogo mata entre 80% e 90% das bactérias”, aponta a professora que, inclusive, já passou mal por conta de comida de rua. “Eu comi uma tapioca com o queijo estragado”, relata, acrescentando que, desde então, o hábito de comer na rua foi riscado da sua vida.

João Vitor Pascoal

João Vitor Pascoal

Repórter

João é estudante de jornalismo na Universidade Federal de Pernambuco.