Brasileira supera pobreza, torna-se PhD em Harvard e já tem 56 prêmios

Arquivo pessoal/Reprodução

Inteligência, incentivo incessante da família, um pouco – por que não – de sorte e dedicação intensa. Foram esses fatores que transformaram Joana D’Arc Félix de Souza em uma das cientistas mais reconhecidas do país. Nascida em uma família humilde, na cidade de Franca, interior de SP, ela superou todas as adversidades trazidas pela pobreza e pelo racismo para tornar-se PhD em química pela prestigiada Universidade de Harvard e contabiliza, até agora, 56 prêmios concedidos por suas pesquisas ligadas à preservação ambiental.

Aos quatro anos de idade, Joana acompanhava a mãe, empregada doméstica, ao serviço; não havia quem ficasse com ela – o pai trabalhava em um cortume, local que processa o couro para que possa ser utilizado – e a família não tinha recursos para pagar uma creche. Para manter a menina distraída, sua mãe a ensinou a ler e lhe dava todos os jornais que encontrava na casa da patroa. Foi essa habilidade precoce que chamou a atenção a dona da casa, diretora do SESI; impressionada, ela levou a menina direto para a primeira série da escola mantida pela instituição. Aos 14, ela já tinha terminado o colegial – atual Ensino Médio.

Ver os colegas se preparando para o vestibular despertou em Joana a vontade de também seguir uma carreira. Conversando com uma de suas professoras, recebeu mais uma dose de incentivo e várias apostilas, usadas por seu filho. Joana acabou optando pela química por sempre ver profissionais da área atuando no cortume onde seu pai trabalhou a vida inteira. “A gente era tão mal informada que eu achava que químicos só trabalhavam em curtume. Então, o meu objetivo era fazer química para trabalhar no curtume”, contou Joana ao G1.

Para isso, Joana precisaria ficar longe da família – afinal, para cursar uma universidade, ela precisaria sair de Franca. Mesmo assim, prestou o vestibular para três universidades: Unicamp, USP e UNESP. Foi aprovada em todas. Por fim, decidiu-se pela Universidade de Campinas. A jornada, porém, não seria fácil.

Longe de casa e dedicando-se exclusivamente aos estudos, Joana contava apenas com a ajuda financeira de seu pai e do patrão dele. Com ela, podia bancar apenas o pensionato onde vivia, as passagens de ônibus para seu deslocamento e o almoço no bandejão da universidade. “Às vezes pegava um pãozinho no bandejão da universidade e levava para eu comer em casa à noite. Sentia fome, contava as horas para o almoço”, contou ela ao Uol. “No final de semana também era complicado. Mas nunca desisti. Isso chegou a passar pela minha cabeça, mas não desisti. Fazer isso seria jogar tudo que tinha conquistado até ali no lixo.”

No segundo semestre do curso, Joana passou a fazer a iniciação científica. A bolsa de cerca de R$ 300, paga pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), trouxe um pouco mais de tranquilidade e ela pôde se dedicar plenamente aos estudos. Na própria Unicamp, cursou ainda o mestrado e o doutorado – que concluiu aos 24 anos.

Um de seus vários artigos, publicado no Journal of American Chemical Society, chamou a atenção de pesquisadores da prestigiada Universidade de Harvard. Convidada para fazer o pós-doutorado, ela foi estimulada a levar um problema típico do Brasil para tratar em sua pesquisa. Sempre lembrando-se de suas raízes, optou por tratar dos resíduos poluentes deixados pelo tratamento do couro em seu processamento – e desenvolveu, a partir deles, um fertilizante organomineral.

Mas a tragédia interrompeu o período de Joana nos Estados Unidos antes do previsto. Em 2002, sua irmã faleceu aos 35 anos, vítima de uma parada cardíaca, deixando dois filhos. Pouco mais de um mês depois, ela também perdia o pai – também por problemas do coração. Sua mãe também não estava com a saúde perfeita; além disso, o genro e os dois netos moravam com ela desde a morte da irmã de Joana. Assim, ela decidiu voltar para Franca e ajudar a cuidar da família.

Mas sua carreira não foi interrompida. Há 12 anos ela é professora da Escola Técnica Estadual (ETEC) da cidade. E junto com os alunos, desenvolveu vários projetos – e foi com alguns deles que ela ganhou vários dos mais de cinquenta prêmios que hoje coleciona. Entre eles, em 2014, foi eleita Pesquisadora do Ano no Kurt Politizer de Tecnologia, concedido pela Associação Brasileira da Indústria Química (Abquim).

Assessoria ETEC/Reprodução

Entre os inovadores projetos desenvolvidos por Joana e sua equipe estão o desenvolvimento de uma pele similar à humana a partir da pele de porcos – proporcionando um maior abastecimento dos bancos de pele especializados e de hospitais e um barateamento no custo das pesquisas; e a criação de um “cimento ósseo”, feito a partir de escamas de peixes e colágeno de curtume, que pode favorecer o crescimento de novo tecido ósseo por pessoas que pessoas perderam parte dele e é absorvido pelo organismo sem rejeição. No próximo mês de junho, Joana e seus alunos vão apresentar os dois projetos em uma feira realizada em Oswegon, Estados Unidos. Além disso, ela conta que uma indústria farmacêutica já estaria interessada na tecnologia da pele artificial.

Joana, hoje, diz se sentir realizada. E não apenas por suas conquistas pessoais, mas pelo exemplo de superação que dá aos seus alunos e à tranquilidade que pode dar à própria família – além de retribuir o incentivo que recebeu dos pais fazendo o mesmo pelos sobrinhos. “Me sinto gratificada por eles poderem estudar sem preocupação com o que vão jantar ou almoçar”, ela diz. “É o estudo que vai colocá-lo onde você almeja chegar. É a única coisa que ninguém te rouba.”

Assessoria ETEC/Reprodução

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