Americano nascido em Petrolândia tenta encontrar a família biológica
Há um pedaço faltando na história do norte-americano Richard Blount. Aos 25 anos, em um vídeo divulgado pela internet, ele busca as próprias raízes, fincadas no Sertão pernambucano, a 6,6 mil km de distância de Nova York, onde vive. Nasceu Hugo Souza Leandro, em 7 de abril de 1991, na pequena cidade de Petrolândia – então com pouco menos de 33 mil pessoas. A certidão que mostrou ao mundo nas imagens possui os dados da vida pregressa, antes de ser adotado, aos sete meses de idade, no Recife. No próximo dia 20 de agosto, o jovem desembarca no país de origem, que nunca conheceu, trazendo na mala uma necessidade de conhecer sua origem.
A única pista que possuía era o nome de quem acreditava ser sua avó: Joselma de Souza Leandro, responsável por entregá-lo para adoção. Seria o caminho para encontrar sua mãe biológica. “Quero saber quem ela é, qual o nome dela, quero apenas falar com ela, apertar a sua mão, conhece-la, dar um oi. Um telefonema, uma mensagem de texto, qualquer coisa. A partir daí, se ela quiser saber sobre mim, se ela não quiser saber sobre mim eu vou embora, vou respeitar”, conta em vídeo publicado no canal da brasileira Priscila Sanches, a pedido dele.
Richard contava com obter alguma informação para decidir se pegaria um voo para o Recife, na tentativa de encontrar alguma pista de sua família biológica. Conseguiu, por meio da divulgação da técnica de informática paulista Priscila Sanches, de 24 anos. Ela, que vive no Canadá há um ano, costuma contar histórias de au pairs nos Estados Unidos, a partir de relatos das próprias personagens quando foi acionada pelo rapaz. “Ele me mandou mensagem no Instagram. Disse que viu um vídeo meu, em que eu falava que era brasileira e como ele não sabia onde pedir ajuda, resolveu me mandar uma mensagem”, afirma. O vídeo chamou a atenção de pernambucanos na cidade de Petrolândia, sendo possível a localização de dona Joselma pela reportagem do CuriosaMente/Diario.
Revirando o passado
Em Petrolândia, dona Joselma não fazia ideia que seu nome circulava o mundo. Não titubeia ao recordar a história. Célia Maria da Cruz era filha de seu irmão, José da Cruz, “com uma mulher da vida”, como diz a senhora de 56 anos. O irmão acabou assassinado na antiga penitenciária de Petrolina, hoje o complexo Dr. Edvaldo Gomes. A mãe de cinco filhos, que criou outros dois como sendo seus, mudou-se para o Recife, onde também teria acolhido Célia e, depois, seu filho, Huguinho, entre setembro e dezembro de 1991, quando a jovem decidiu que não teria condições de criá-lo. Durante o tempo, viveram em duas residências, primeiro na Imbiribeira e, então, no Ibura. “Eu nunca esqueci do menino. Peguei antes do 7 de setembro. Era forte, saudável. Quando entreguei pra minha prima pra ele ir pra família dele, era época de Natal. Só me pediram meu documento, tiraram xerox. E foi isso”, relembra.
Durante os anos no Recife, dona Joselma diz ter convivido com a mãe de Rich/Hugo, que teve uma história infeliz até o fim. “Ela faleceu. Em julho agora (2016), fez 17 anos certinhos. Morreu com doença, quando já ‘tava’ morando em Salvador. Nova, a bichinha. Não teve muita chance na vida, mas tinha uma vida troncha”, conta, completando ainda sobre as possíveis relações familiares do garoto.
“Célia ainda teve um casal de gêmeos que morreu bebê ainda. Mas teve uma menina, que hoje já ‘tá’ grande, tem dois filhos. Mas a gente não tem contato com ela. Ela aparece de vez em quando. Mora pelo Recife, mas não tem contato com a gente”, conta.
A hora da verdade
“A história é bem pesada. Tem certeza que quer ouvir assim, por telefone?”, pergunto.
“Ela não morreu, né?”, responde cauteloso.
Richard pede um tempo. Precisa se recompor. Chora. A história não é das mais fáceis de digerir. Em Salvador, com aproximadamente 27 anos, sua mãe biológica faleceu sem conhecê-lo. O pai adotivo também faleceu há pouco. “Estou tendo que lidar com a morte, sabe?”. Vai repetindo cada nome do enredo, anotando e pede para soletrar. Vai traçando, no papel, os retalhos de informações que um dia imaginou ter acesso. “Pobre mulher”, diz, apenas.
O estudante de fisioterapia diz que foi adotado junto a outras duas crianças, Patrick e Jerry, por famílias distintas, que deixam o estado na véspera do revéillon de 1992. “Sei que Pernambuco é quente e que Petrolândia fica num deserto e que é bem pobre. Tem pouca gente e a cidade recebeu esse nome por conta de uma empresa que tinha lá”, resume, sobre o conhecimento da região. “É minha paixão, conhecer o Brasil. Música, filmes, tudo. Não sei o que fazer agora”, afirma o jovem, cujo nome de batismo está tatuado nos braços.
Foram três meses de preparo para, finalmente, gravar o vídeo que rodou Nova York e Pernambuco. Tímido e inseguro, não sabia o que esperar. “Disse a mim mesmo ‘eu não preciso encontrá-la, nem apertar sua mão ou que ela queira falar comigo. Preciso saber que tipo de pessoa ela era e porque não podia cuidar de mim’. Me mata o ‘e se?’. Porque se eu não tivesse sido adotado, como eu estaria vivendo hoje?”, reflete.
Ainda não há conclusão para o desfecho da história. Richard/Hugo desembarcará no Rio de Janeiro, onde acompanhará a final olímpica de futebol, entre Brasil e Alemanha. Resta saber quando vai em busca da irmã, da prima-avó ou se deseja conhecer a cidade onde nasceu. “Eu sempre vejo as coisas do Brasil, os filmes – Não queria que ‘Cidade de Deus’ acontecesse comigo, sabe?”, conta. Hoje, leva uma vida somente possível pela esperança de sua mãe, há 25 anos, que haveria destino melhor para ele em mãos mais capazes de fazê-lo trilhar uma história diferente da sua.