PF recebe denúncia formal sobre fósseis utilizados em construção civil
A presença de fósseis em lotes de Pedras Cariri, largamente utilizadas na construção civil no Recife, deve virar caso federal ainda esta semana. O autor das fotografias que registraram a presença de peixes calcificados em muros da Zona Norte da cidade, o veterinário Alberto Campos, já entrou em contato com a delegacia da Polícia Federal local e formalizará denúncia junto ao órgão nas próximas 48 horas. Dois agentes da instituição já começaram a visitar e fotografar endereços denunciados como tendo sido construídos com uso do material, de importância histórica por ser do período Cretáceo, há 110 milhões de anos, e de propriedade da União.
De acordo com Campos, a formalização será realizada a partir da confecção de um dossiê com imagens e informações técnicas fornecidas pelo paleontólogo mestrando da Universidade Federal de Pernambuco Rudah Duque. “Se a lei existe e está proibido, por que isso está na cara de todo mundo? Nada está sendo feito”, comenta Alberto, que também aguarda uma resposta do pedido de apoio à Sociedade Brasileira de Paleontologia, que ainda não se manifestou sobre o caso. Caso a investigação da Polícia Federal já esteja em curso no Ceará, as informações colhidas na capital pernambucana serão encaminhadas para a unidade cearense.
A paleontóloga e pesquisadora da UFPE Alcina Barreto, lembra que está atuando contra a perda de fósseis expostos no rejeito das mineradoras do polo gesseiro de Pernambuco, que inclui cidades como Araripina, Trindade, Ipubi, Ouricuri e Exu. “Se eles fossem recuperados, haveriam fósseis para a criação de um museu em cada município. O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) também não tem atuado no sentido de cobrar ações de salvamento, não possui estrutura nem pessoal para isso”. A pesquisadora afirma ter participado de uma reunião com o Ministério Público de Pernambuco, DNPM, prefeituras e Sindicato do Gesso, onde apresentou o problema. “Ainda aguardo retorno deles”, coloca.
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O DNPM, responsável por evitar que as pedreiras comercializem os fósseis junto às pedras admitiu contar com apenas dois agentes, o que tornaria, nas palavras do gestor responsável pela Bacia do Araripe, Artur Andrade, “humanamente impossível fiscalizar pedreiras numa área de 10 mil metros quadrados”. O órgão atua no Crato (CE) e responde por uma grande área dos estados de Pernambuco, Ceará e Piauí.
“Falta de efetivo não é desculpa para deixar este patrimônio abandonado”, argumenta o denunciante Alberto Campos. “Fósseis são utilizados assim há muito tempo. Alguns pesquisadores não denunciam porque consideram que essa realidade nunca vai mudar”, finaliza Duque.
Entrevista
Álamo Saraiva
Professor coordenador do Geopark Araripe
Qual a importância do acervo paleontológico da Chapada do Araripe?
Se cada formação geológica do mundo tem uma palavra contando a história da vida no planeta, digo que a Bacia do Araripe tem, pelo menos, um capítulo inteiro. Queremos a atenção que precisa ser dada, porque estamos perdendo um patrimônio ao qual países mais pobres nunca terão acesso. Há três meses, foi publicada a descoberta de uma cobra com patas, oriunda da região, que foi contrabandeada e está em um museu da Alemanha, cuja visita é paga em euros. Na cidade de Santana do Cariri, no Ceará, a Universidade Regional do Cariri (Urca) possui um museu de paleontologia, que é o terceiro mais visitado do Brasil. Precisamos desses fósseis aqui, mas para isso, eles precisam ser coletados.
Que empresas são responsáveis pela extração da Pedra Cariri?
Não tem exatamente uma empresa, são 92 frentes de exploração do calcário laminado, que não é necessariamente ilegal. O que deveria existir era uma triagem menor. Quando a gente chega ao ponto de encontrar plantas e insetos, isso quer dizer que o pessoal das minas não está fazendo a triagem correta.
A fiscalização da sucursal do DNPM no Crato em relação às pedreiras vem sendo efetiva?
A fiscalização não atende nossas necessidades. Primeiro, porque toda a bacia do Araripe, que contempla parte dos estados de Pernambuco, Ceará e Piauí, é de responsabilidade da DNPM do Crato, que conta com apenas dois fiscais para fazê-lo. Além disso, a obrigatoriedade de um paleontólogo à frente dessa coleta de fósseis não é cumprida. Em algumas frentes, a realidade é que há apenas uma visita por mês. Os fósseis não despertam tanto interesse porque não geram retorno financeiro direto, como fazem ouro, bauxita e ferro. Hoje, o DNPM é mais fiscal dos pesquisadores do que das minas. A burocracia impede que os estudiosos façam os resgastes, ou seja, vão às pedreiras para recolher os fósseis, porque precisam da assinatura de um reitor da universidade, que é difícil de conseguir para muitos.
O senhor está esperançoso quanto a uma investigação da Polícia Federal na chapada?
Se a Polícia Federal chegasse em uma mina de calcário laminado dessas, a única coisa que o dono vai precisar fazer é mostrar os documentos com a autorização de lavra. O policial não teria o que fazer, porque há uma ordem do Ministério da Ciência e Tecnologia dizendo que aquela exploração é legal. O que tem que ser feito é um procurador da República ou um juiz federal abrir uma audiência pública, envolvendo a Sociedade Brasileira de Paleontologia, mineradores, Polícia Federal e diretoria do DNPM, de Brasília, para revermos sua atuação.
Marília Parente
Repórter
Marília é estudante de jornalismo pela UFPE. Escreve para o Diario desde 2014, na maior parte do tempo para a editoria Vrum. Integra a equipe de dados do jornal, no CuriosaMente, desde janeiro de 2016. É apaixonada pelo sertão, por história e tem uma aversão natural a grandes prédios – imagine o que foi fazer esta reportagem…