Os recordistas do transporte público da RMR
Cobrador e motorista mais velhos da RMR, Severino José dos Santos, 79, e Elias Faustino, 69, já percorreram quase 1 milhão de quilômetros
Não são nem três da manhã quando Severino José da Silva acorda. A rotina é implacável: primeiro, o café “da manhã”, tomado sem pressa; depois, uma caminhada de pouco mais de 100 metros de casa, no Alto da Boa Vista, em Camaragibe, até um supermercado onde espera a condução para a garagem da empresa Mobi Brasil, em São Lourenço da Mata. O sol ainda dorme, às quatro e dez, quando ele recebe os primeiros passageiros do dia, na linha Camaragibe/Príncipe. A rotina do cobrador mais velho da Região Metropolitana do Recife, aos 79 anos, é quase a mesma há duas décadas, quando já aposentado começou a trabalhar em uma empresa de ônibus. Alguns detalhes, como o itinerário das viagens, mudaram, mas a tranquilidade e paciência, consideradas por ele como o segredo para fazer da profissão uma atividade agradável, continuam as mesmas.
Severino diz não se surpreender com o título de cobrador mais velho, apesar de nunca ter sido formalmente declarado como tal. A idade só é denunciada pelos cabelos brancos e longas histórias acumuladas em tantas décadas de vida. “Ser cobrador foi a profissão mais tranquila que já tive”, revela. Para sobreviver, começou a ganhar dinheiro ainda criança, ajudando o pai na confecção de tijolos da família, em Paudalho, Mata Norte do Estado, onde nasceu e viveu. Depois disso, trabalhou mais 27 anos em uma fábrica de cerâmica. “Passei muito tempo na fornalha, usando o braço, depois fui trabalhando na área administrativa, mas sempre com muita responsabilidade”, lembra.
Apesar de já ter passado pela linha Araçoiaba/Camaragibe, com o percurso mais extenso da RMR, totalizando 93 km, considera as viagens atuais na linha Camaragibe/Príncipe como as mais longas. O fluxo de passageiros e o caos do Centro do Recife são alguns dos motivos. “Tem muita agitação”, brinca. Hoje, para ele o segredo é não se estressar: “Se um rapaz subir no ônibus e não tiver dinheiro para pagar a passagem eu não posso arriscar minha vida e arrumar briga com ele”.
Três meses depois de perder a esposa, companheira de vida por mais de quatro décadas, passou a dividir a casa com um dos seis filhos e uma das 13 netas. O resto da família, composta por mais nove bisnetos, já não está mais sob as asas dele. Mais do que um complemento de renda, o trabalho para Severino é distração. Pretende ser cobrador até o dia que Deus deixar, conhecendo os passageiros que vem e vão de Camaragibe para Recife. “Meu nome é trabalho. Se eu ganho folga em um dia, acordo no mesmo horário que estou acostumado, saio para dar uma caminhada”, conta.
é o número de viagens realizadas por dia
km foi o percurso mais longo percorrido por ele, na linha Tiuma / TI Camaragibe
mil quilômetros já foram rodados por Severino como cobrador na RMR
mil clientes já passaram nas catracas ordenadas por seu Severino
Distração ou necessidade faz 1/4 dos aposentados brasileiros trabalhar
Ao contrário de Severino, Elias Faustino, motorista mais velho da RMR, aos 69 anos, já teve experiências com transporte de passageiros antes de trabalhar na cidade pernambucana. “Fui motorista de linha no centro de São Paulo, depois trabalhei na metalurgia e em montadoras. Ali quem fazia tudo eram as máquinas, não a gente”, lembra. Apesar da fama do trânsito caótico de São Paulo, diz não notar muita diferença entre as ruas da capital paulista e as percorridas por ele hoje, na linha Várzea Fria / Camaragibe. “É carro demais, moto demais, uma série de coisas estressantes, principalmente para a gente que está a trabalho”, comenta. Pai de oito filhos, todos casados, Elias mora só com a esposa em Camaragibe. Assim como Severino e outros 5,8 milhões de brasileiros, ele não deixou de trabalhar após a aposentadoria. A rotina, iniciada às 4h10, conta com nove viagens, carga pouco mais intensa do que a do cobrador. “É cansativo. Quando estou de folga esqueço da hora”, brinca.
Elias Faustino, motorista
A rotina do cobrador mais velho da RMR
2h00 – Acorda
3h00 – Caminha 100 metros para esperar condução para o trabalho
4h10 – Começa primeira viagem, na linha Camaragibe / Príncipe
13h00 – larga do trabalho e vai para casa
18h00 – Horário que costuma dormir
é o número de viagens realizadas por dia
mil quilômetros é a distância média percorrida por ele nos anos de trabalho (11 vezes a circunferência da Terra na linha do Equador)
linhas diferentes foram dirigidas por ele ao longo de 19 anos como motorista
mil clientes já foram transportados por Elias
Para a doutora em psicologia e professora da Universidade Federal de Pernambuco, Maria de Fátima Souza Santos, mesmo que cada corpo reaja de uma forma diferente ao trabalho, o reflexo do idoso diminui com os anos, principalmente para realizar atividades relacionadas ao esforço físico. “O motorista não passa só pelo stress do trânsito, tem também o esforço físico no fim do dia”, explica.
Muitos encaram o trabalho como uma forma de manter a mente ocupada na terceira idade. Especialistas afirmam, porém, que a distração, uma necessidade, não é adquirida apenas desta forma. “O importante é que a pessoa tenha uma atividade durante toda a vida. A criança tem que brincar, o idoso pode passear, trabalhar, fazer um trabalho voluntário, cuidar dos outros. Você precisa se sentir útil, valorizado”, comenta Maria de Fátima.
Lorena Barros
Repórter
Lorena é estudante da Universidade Federal de Pernambuco e estagiária do CuriosaMente desde maio de 2016
Shilton Araújo
Fotógrafo
Shilton é estagiário de fotografia do Diario desde agosto de 2016.