Uma igreja muito pobre no aterro de Aguazinha
Na Segunda Perimetral, Olinda, ex-catador do lixão e analfabeto monta templo pentecostal com restos de madeira e público recorde de 10 fiéis
Por Marcionila Teixeira
Naquela igreja desprovida de quase tudo, abundante mesmo só a fé em Deus. Gercino Sebastião da Silva, 62 anos, o presbítero, arrumou o espaço com muito pouco. As divisórias internas são de tecido florido. As telhas são de amianto, já muito velhas. As tábuas usadas como parede de fachada foram encontradas no antigo lixão de Aguazinha, em Olinda, na Segunda Perimetral.
Gercino trabalhou lá por muitos anos, junto com a companheira, a aposentada Maria Marinez dos Santos, 69. Sem o domínio da leitura, ele montou o templo no mesmo terreno onde vivem. Nos dias de sábado, das 20h às 21h, o ex-catador usa um aparelho de som e convoca a vizinhança para louvar. Quase ninguém vai.
A Igreja Pentecostal Fruto Ell-Shaday fica bem na frente do que um dia foi o grande depósito de lixo da Cidade Patrimônio da Humanidade. Hoje é chamado Aterro Sanitário e funciona como estação de transbordo para o Centro de Tratamento de Resíduos de Igarassu.
A ideia de instalação do templo, inclusive, tem relação com essa tal localização. Na época do lixão, o lugar exalava mau-cheiro e muita fumaça. E Maria adoeceu em virtude da insalubridade do endereço. Gercino apostou na fé em Deus e orou para a mulher ficar boa. Segundo o casal, o pedido foi atendido.
Daí surgiu a ideia de montar a igreja, um braço da mesma no bairro de Jardim Brasil 5, em Olinda, liderada por outro pastor, explica Gercino. O religioso teria incentivado o ex-catador a instalar a Ell-Shaday naquela via cercada pelo barulho de veículos e de crianças.
“Eu abro a igreja para orar mesmo quando não tem ninguém. Às vezes só tem eu, minha esposa, o pastor e a mulher dele. Teve um dia que recebemos dez pessoas. Acho que foi o maior público”, lembra. O casal, natural de Amaraji, vive junto há mais de duas décadas e veio para o Recife em busca de trabalho.
Gercino chegou a ter carteira assinada em uma empresa, mas depois de demitido não conseguiu mais garantir esse direito. Hoje, sobrevivem principalmente da aposentadoria de Marinez. O dinheiro extra surge quando o presbítero consegue serviços de capinação, em obras ou outras ocupações do tipo.
O templo tem apenas um banco comprido de igreja. Tem um púlpito também. E sobre ele, uma bandeira do Brasil e o nome Jesus, em letras douradas. A Bíblia, Gercino guarda em um forno microondas velho e sem funcionamento. Abre o livro sagrado e começa a cantar os hinos aprendidos nos últimos anos como evangélico.
“Entrei para a igreja porque bebia muito”, conta. Analfabeto, disse nunca ter tido tempo para a escola. Não compreende as palavras desfilando em sua frente. “Gosto de falar que Deus ama as pessoas. Todos são filhos de Deus. Aquilo que a gente não vê, a gente deve confiar. A luz do sol, o vento. A oração resolve tudo. Tem que orar por todos”.
O maior sonho de Gercino é ter uma situação de vida melhor. Arrumar um emprego fixo para amenizar a carência da casa modesta. Naquela igreja muito pobre, nem o dízimo o presbítero pede. “Tenho vergonha. Ainda mais se a pessoa me xingar vou me sentir mal”, justifica. Nos dias de louvor, a altura do som às vezes incomoda os vizinhos. Mas Gercino não se intimida. Quer continuar com sua missão. “A palavra de Deus é uma só. Sinto uma emoção muito grande quando oro”.
Marcionila Teixeira
Marcionila é repórter especial do Diario. Integra a equipe do jornal desde 1996. Cobre a área de Direitos Humanos para a editoria Local
Shilton Araújo
Fotógrafo e videografista
Shilton é estagiário de fotografia do Diario desde agosto de 2016.