Um piano nas ruas: como a música mudou rotinas no Recife
Projeto Piano pela vida disponibilizou piano em vias movimentadas do Recife, às quintas-feiras e mudou a rotina de dezenas de pessoas
Um piano viajando as ruas do Recife à espera de quem quiser parar e tocar. O projeto Pianos para a vida busca proporcionar a democratização não apenas do instrumento, mas da música. Idealizada e realizada pelo artista plástico e fotógrafo Paulo Vinícius Sultanum, sua mãe, Eliane Sultanum e pelo produtor cultural Roberto Sidando, a iniciativa teve como inspiração o Sunset Piano, projeto similar realizado em São Francisco – e está extremamente ligada ao amor dos envolvidos pela música. O instrumento que circula pela capital pernambucana tem um histórico emocional: foi herdado por Paulo da avó, falecida há 20 anos, depois de outras tantas décadas de ensino do piano.
O músico Amaro Freitas, 24, foi o primeiro a se arriscar no instrumento, que neste dia 28 de janeiro de 2016, esteve à espera de curiosos na avenida Rio Branco, esquina com a rua do Bom Jesus, no Bairro do Recife. Mal sabia ele que o projeto – responsável por fazer seus olhos brilharem – foi criado por sua causa. A descoberta veio de uma amiga, assessora do projeto, Iara Lima. “Amaro toca piano e não tem um. Assim como ele, outras pessoas também não têm. Foi a partir disso que nasceu o projeto. Da vontade de levar o instrumento para outras pessoas”, conta.
Pelo visto, só Amaro, com olhar surpreso, não sabia de sua “responsabilidade”. “Em 2015, fui apresentado a Amaro, pianista que tocava no restaurante em que jantava com Iara. Na conversa, ele disse ser agradecido ao meu irmão por deixar que ele fosse até o restaurante praticar”, relata Paulo Sultanum. Nesse dia, o artista plástico constatou a dificuldade de acesso a pianos no Recife. Por isso, tomou pra si uma missão de conseguir um instrumento para Amaro. “Não consegui um piano para ele, mas já tinha presenciado ações com pianos em estações de trem, em São Paulo e na Califórnia. Daí, resolvemos fazer uma versão no Recife.”
O projeto percorreu, durante o mês de janeiro, quatro pontos movimentados da capital, reunindo de músicos a aspirantes e pessoas que nunca tinham tocado. A experiência provocou emoções distintas – desde quem era tocado apenas pelo que ouvia até o frisson adolescente ao pôr as mãos nas teclas pretas e brancas pela primeira vez. A estudante Laura Beatriz, 16, foi um desses casos. Sempre sonhou em tocar piano, o que era expresso entre um sorriso meio despretensioso e ansioso, de quem se vê diante de algo novo, misturado a certo estranhamento. “Eu nunca tinha tocado piano. Achei as teclas meio pesadas. Foi incrível”, descreve. Laura já buscava o projetos há algumas semanas – chorou ao saber que não chegaria a tempo de tocar o piano uma semana antes, quando era a vez do instrumento encantar a Rua da Moeda, também no Bairro do Recife. Conseguiu.
Entre curiosidades e sinestesias
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Lágrimas sempre acompanharam Jaime Araújo. Aos 68 anos, o ciclista parou para acompanhar as músicas do piano “público” e acabou emocionado. Foi reconhecido por Eliane Sultanum e confessou acompanhar a peregrinação do Pianos para a Vida durante todo o mês. Questionado se tocaria, encolheu os ombros, como quem se divide entre a vontade de experimentar e a satisfação de apenas apreciar as performances. “Amo assistir as pessoas tocando. Prefiro não arriscar.”
Em meio aos aspirantes, estava o estudante de direito Klécio Silva, 27. Ele tocou uma composição de autoria própria e contou possuir um canal no Youtube para ensinar os iniciantes na arte do piano. “Aprendi sozinho, por isso, não sei ler partitura”, conta, assumindo que a limitação até o afastou do instrumento por um tempo. “Quando tinha 22 anos, entrava escondido no Conservatório Pernambucano de Música para tocar, mas isso só durou uma semana porque uma aluna descobriu que eu não era aluno – por não saber ler partitura. Saí correndo”, conta. Após cinco anos, ganhei o instrumento de um amigo e consegui praticar.
Continuidade
Previsto para quatro incursões pelo Recife, o Pianos para a Vida cresceu. Entra em hiato para o carnaval e volta em março para novos locais, incluindo Casa Forte, Parque Dona Lindu, Alto José do Pinho e o plano é seguir para outras cidades, como Olinda e até João Pessoa. As datas, no entanto, ainda não foram marcadas.
Mayra Couto
Repórter
Mayra é estudante de jornalismo das Faculdades Integradas Barros Melo – Aeso. Escreve para o Diario desde dezembro de 2015. Não toca uma nota de piano, mas é admiradora de todos os instrumentos…
Hesíodo Góes
Fotógrafo e videografista