Tecnologia pernambucana faz até surdos aprenderem música, em nome da inclusão

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Deficientes auditivos estão aprendendo música. Amputados poderão ter acesso a um novo membro, eletrônico e a baixo custo, enquanto cegos finalmente poderão desviar, com facilidade, de galhos altos e inúmeros obstáculos. Tornar irrelevante as limitações é um dos objetivos de projetos de tecnologia pernambucanos – ideias capazes de facilitar a inserção de pessoas com deficiência na sociedade.

Iniciativas que já promoveram a inserção social de várias pessoas, com potencial para mudar a vida de inúmeras outras, tiradas da cabeça, passadas para o papel e transformadas em realidade por pernambucanos. Conquistas que vão além da praticidade e eficiência que essas pessoas ganharam em suas vidas. “Para as pessoas com algum tipo de deficiência, é muito importante se sentir pleno como cidadão. É uma possibilidade que todos temos, mas que algumas pessoas, por suas especificidades, não conseguem exercer completamente”, explica a professora do departamento de pedagogia da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). “Essas ideias promovem o acesso e são importantes tanto no aspecto psicológico, quanto o social”.

Música à flor da pele

Música é uma experiência sensorial. No entanto, para a maioria das pessoas, a percepção começa e termina nos ouvidos. É possível que para elas, um deficiente auditivo esteja fadado a viver sem música, correto?

O pressuposto pode servir de regra geral, mas não se aplica ao Som da Pele, projeto criado em 2009 pelo professor de música Irton Silva, conhecido como Batman Griô, atualmente em funcionamento na sede da Associação Cultural e Assistencial dos Artistas de Pernambuco (Acaape). É onde a surdez não se faz empecilho.

O metrônomo mede tempo e andamento musical. A adaptação “visual” funciona com lâmpadas numa régua, atuando na regência. Para cada ritmo, uma sequência.

Nascido e criado no bairro de Casa Amarela, Zona Norte do Recife, ele teve a oportunidade de conviver com a música desde cedo, mais precisamente, a percussão. “São diversas escolas de samba e, principalmente, Nações de maracatu. Percebi, ainda jovem, que o som grave é sentido pelo corpo todo, pois ele emite uma forte vibração, facilitando a exploração do campo sensorial dos surdos”. A música sentida na pele foi o primeiro passo. O segundo, a aula de teoria musical. Explicou aos alunos o que eram colcheias, claves, mínimas, pausas… Percebeu que, além da pele, os olhos também poderiam ser usados como condutores para os 10 músicos que compõem a banda Batuqueiros do Silêncio – ao todo, mais de 150 já passaram pelo projeto. Irton criou um mecanismo que utiliza um sequenciador e quatro bucais, onde são colocadas lâmpadas nas cores verde, amarela, branca e vermelha. “No começo eu usava só lâmpadas brancas, mas aí percebi que se colocasse outras cores abrangeria muito mais coisa”, explica.
“Quando um surdo toca surdo ele chama outro surdo”. O trecho da música criada por Irton se mostrou na prática na vida do estudante Kaio do Amaral, 21 anos. Deficiente auditivo, começou a participar do projeto há pouco mais de 3 meses. Antes, passava a maior parte do dia em casa, “sem fazer nada”, como define. A mudança na rotina veio por conta da vizinha Karina Guimarães, integrante do Som da Pele desde o início. “Eu falei com a mãe dele sobre o projeto e tive que convencer a deixar Kaio participar”, conta Karina, por meio da linguagem de sinais. “Agora estou mais feliz. Conheci pessoas novas e me sinto bem com isso”, aponta Kaio. A sensação dele é compartilhada por Karina. “Gosto muito de sentir a vibração. Sempre que venho, esqueço os problemas. É como se eu estivesse voando”, relata. A hesitação da mãe de Kaio é apenas um dos exemplos das incertezas que cercaram a iniciativa de Irton. Desde a criação do projeto se deparou com dúvidas de surdos e ouvintes. A pergunta era quase sempre a mesma: por que ensinar música a quem não ouve? Para a sorte de Kaio, Karina e dos outros componentes do projeto, Irton não desistiu. E a persistência tem sido recompensada. O grupo já realizou diversas apresentações em Pernambuco e outros estados do país, apesar de ainda não contar com patrocínios. “Normalmente, as famílias têm muito cuidado com o deficiente auditivo, e eles, então, mostram que têm capacidade de ter uma vida mais próxima da que é vivida pelos ouvintes”, conclui o professor.

À luz do (des)conhecido

Para os deficientes visuais, a bengala guia ou o cão guia são extremamente úteis, mas um tanto limitados. Afinal de contas, eles ajudam a detectar obstáculos que estão, de modo geral, no chão ou em pequenas alturas. E quanto aos orelhões? Aos galhos e placas? A solução pode vir de dois pernambucanos, Marcos Oap e Jalingson Assis, e de uma suíça – de pais pernambucanos – criada no estado, Emily Schuler. A iniciativa começou com estudos realizados por Marcos, engenheiro da computação, sobre tecnologias “vestíveis”. Surgiu então a ideia de entrar em contato com a Associação de Cegos de Pernambuco para saber, dos próprios deficientes visuais, o que poderia ser feito para ajudá-los. “Eles apontaram que queriam algo que ajudasse na detecção de obstáculos na parte superior do corpo, algo complementar à bengala-guia, com a qual estão acostumados. Além disso, nos falaram que queriam algo discreto, como óculos escuros. Assim surgiu o Project AnnuitWalk”, lembra Emily.
Arquivo Pessoal
O Project Annuit Walk (PAW) é um óculos que, por meio do ultrassom, emite sinais aos deficientes visuais quando há aproximação de obstáculos. Atualmente, o desafio do grupo é atrair investidores para garantir que o protótipo possa entrar no mercado. Para isso, inclusive, o grupo se encontra em Helsinque (Finlândia), para um evento com startups de todo o mundo, chamado Slush. “Temos tentado ao máximo espalhar a ideia e ganhar visibilidade para conseguir mostrar o lado dessas pessoas que estão precisando de novas tecnologias”, explica. Alguns protótipos já estão sendo utilizados pelos deficientes visuais para que sejam sugeridas melhorias ao equipamento. Conseguindo os investidores, o produto deve chegar ao mercado com preços entre R$ 45 e R$ 150.
“Temos muitos projetos em mente e no papel que estamos pensando em desenvolver, todos com foco na acessibilidade. Nos entusiasmamos muito com a ideia de usar a tecnologia para ajudar na inclusão dessas pessoas na sociedade”.
Arte: Jarbas/DP

Com as mãos na evolução

Com apenas 22 anos de idade o pernambucano Vitor Hazin, estudante de engenharia mecânica da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), iniciou um projeto que tem potencial para mudar a vida de várias pessoas no futuro. O braço mecânico criado por ele ainda é um protótipo “bem simples e feito de forma artesanal”, como define o próprio. No momento, está na fase de patente, mas já conta com dois diferenciais em relação às próteses presentes no mercado.
Primeiro com relação ao custo, estimado em cerca de R$ 2 mil – aproximadamente 100 vezes menor que outras próteses – e, também, por depender exclusivamente do cérebro para a execução dos movimentos, sem necessidade de utilização de força muscular. “As próteses comerciais mais avançadas que eu tenho conhecimento são comandadas com sensores que ficam em contato com o músculo do braço de amputados. Essa é controlada diretamente pelo cérebro e, portanto, pode ser utilizada também por paraplégicos, tetraplégicos e pessoas com lesão na medula espinhal”, explica. A ideia do projeto veio durante um intercâmbio na Inglaterra. Tudo começou como uma brincadeira, mas foi ganhando contornos de realidade com o desenvolvimento do projeto e as mensagens de pessoas que viam na criação uma possibilidade de mudança de vida. “Tinha apenas a intenção de aproveitar o intercâmbio para fazer um projeto interessante, mas comecei a receber mensagens de algumas pessoas que poderiam ser ajudadas e isso me comoveu bastante. Tomei como desafio pessoal e espero, um dia, ajudá-las”, relata.

Os próximos passos planejados estão focados em três pontos principais: incremento no número de movimentos realizados e na agilidade da prótese – proporcionado por melhorias na interação cérebro-máquina, aumento na capacidade de suportar carga e humanização do braço robótico. Para esse último, o pernambucano adquiriu uma impressora 3D que dará um aspecto mais realista ao equipamento. Todas as melhorias serão feitas mantendo o baixo custo, característica primordial do projeto. “O novo braço, mais rígido e acessível, será desenvolvido. Provavelmente, vai aumentar um pouco o valor, mas o baixo custo é uma prioridade de meu projeto”, conta Hazin.

João Vitor Pascoal

João Vitor Pascoal

Repórter

João é estagiário do Diario desde 2013. Escreveu prioritariamente para a editoria de Política. Se interessa pelo assunto de acessibilidade, mas ainda não tem inventos revolucionários. Ainda…

Rafael Martins

Rafael Martins

Fotógrafo e videografista

Rafael é fotógrafo do Diario desde 2015. Gosta de fotografar gente e acredita que, na fotografia, não há deficiências ou limites…