Registros da pré-história pernambucana são vastos no interior, mas desconhecidos até pelas prefeituras
Agreste e Sertão do estado possuem dezenas de sítios arqueológicos com registros rupestres, mas maioria deles é desconhecida até pelas prefeituras
Segundo maior parque arqueológico do país, o Parque Nacional do Catimbau, no Sertão, é a primeira referência ao se falar em arte rupestre em Pernambuco. O local, criado em 2002, só fica atrás do Parque Nacional Serra da Capivara, no Piauí.O que pouca gente sabe é que, no estado, há nada menos que 353 locais com grafismos rupestres. A descoberta e mapeamento faz parte do trabalho do departamento de arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e ajuda a esclarecer o período pré-histórico no Nordeste.
“Esses sítios de grande valor patrimonial são destruídos irremediavelmente a cada ano, necessitando de um registro de alta precisão que compreenda os dados essenciais à preservação da memória gráfica para pesquisas futuras”, alerta a professora da UFPE Gabriela Martin. Os locais estão sujeitos a danos causados por agentes naturais quanto e pela ação humana, a depender da unidade ambiental em que estão localizados, assim como a utilização de seu espaço e o acesso. As alterações químico-físicas, junto à ação de micro-organismo e animais da região, fenômeno conhecido como intemperismo, que gera danos aos grafismos rupestres e às rochas que os suportam.
Em Pernambuco, as pinturas rupestres variam desde 2 mil anos atrás até o início da colonização do Brasil, divididos em três horizontes culturais distintos: Tradição Nordeste, Tradição Agreste e Itaquatiara. Entre eles, o Agreste é o mais tradicional e só é encontrado no Nordeste brasileiro. “A partir dos elementos que marcam essa tradição, pode-se concluir que os humanos que a pintaram optaram por uma cenografia impactante, tanto na forma como na cor, para representar as figuras com possibilidade de reconhecimento”, pontua a professora do departamento de Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Marília Perazz.
De acordo com ela, tal cenografia denota uma necessidade de exibir apenas os traços essenciais de reconhecimento, sem utilizar adornos. “Em muitos casos, as pinturas rupestres são o testemunho único que restou da presença indígena na região dizimada pelos colonizadores. São também formas de comunicação usadas pelas sociedades ágrafas, coletoras-caçadoras e também pelos grupos que já conheciam formas simples de fabricar cerâmica”.
Apesar da quantidade de sítios arqueológicos espalhados pelo estado, muitos locais deixam de explorar ou mesmo desconhecem a riqueza histórica que guardam. “Em Salgueiro, esses locais têm sido mais utilizados pelas escolas, que trazem os alunos para cá. Atualmente, o turismo não está sendo aproveitado, pois não há nenhum recurso da união destinado a isso”, comenta o prefeito, Marcones Libório de Sá.
O assessor da prefeitura de Araripina, Dante Arruda, afirmou não ter conhecimento de registros de arte rupestre no município, mas outros municípios estão na mesma situação. “Em Garanhuns, nós temos uma ocupação indígena antiga dos últimos cariris, provavelmente uma ocupação pré-histórica, mas não possuímos registros oficiais”, diz o presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Garanhuns, Audálio Ramos.
Documentação que vai muito além da arte
A arte rupestre dos povos primitivos do Nordeste representa o universo simbólico do homem pré-histórico. Contextualizado em uma sociedade ágrafa, esses registros carregam o significado de uma pré-escrita, trazendo a possibilidade das pessoas de utilizar marcadores de sua presença em determinado local.
Além disso, as imagens serviam como demonstração de poder e também foram usadas com propósitos religiosos em rituais. No entanto, por se tratar de um momento histórico que ocorreu antes da escrita, não é possível compreender de forma exata o seu sentido. “O que nos restou dessa arte são apenas essas pinturas e gravuras sobre rochas, mas que, pela temática representada, pode-se supor que seriam a representação do pensamento abstrato daqueles povos pré-históricos”, avalia a arqueóloga Gabriela Martin. Apesar disso, o fato de que o Brasil ainda possui indígenas descendentes daqueles da pré-história, muitas das suas cerimônias e crenças poderiam ser as mesmas daqueles povos e foram estudadas pelos etnólogos e antropólogos. “Seguramente, o culto às forças da natureza fazia arte desses mitos e crenças também”, acrescenta.
As imagens eram elaboradas com auxílio das mãos, mas, em algumas épocas, até mesmo pincéis de fibras – alguns deles extremamente finos – estavam entre as ferramentas utilizadas, indicando uma técnica refinada. As impressões eram feitas por raspagem ou incisão nas pedras. Atualmente, a tecnologia permite estudar os pigmentos utilizados – como água, gordura e resinas – e, então, é possível realizar uma reconstrução hipotética da aparência das gravuras quando ainda recentes. “Com os computadores, são feitas provas e estimativas do possível aspecto que teriam na pré-história, embora dependa também da exposição da arte a agentes externos, como chuva, vento e insetos”, explica.
As tradições
Tradição Agreste
Tipicamente nordestino, é o registro mais abundante no estado, possui figuras humanas ou animais completamente preenchidas, com irregularidades na linha de contorno, além de traços grossos e figuras dominantes, tendo como uma das características mais marcantes, o desenho de mãos formando desenhos mais elaborados nas palmas e nos dedos.
Tradição Nordeste
Esta tradição é caracterizada pela variedade de seus temas, contendo cenas cerimoniais, de caça, de luta e de sexo. O dinamismo observado nas figuras humanas e de animais, assim como a presença de atributos (ornamentos, instrumentos e armas) pode ser encontrado no interior das composições gráficas, acompanhando as figuras humanas.
Itaquatira
A palavra Itaquatira significa pedra em tupi. Esta tradição representa um estilo que é realizado em gravuras em vez de pinturas, no caso, que são feitas com raspagem das pedras. As imagens mostradas nas formas não são reconhecíveis e podem ser elaboradas de maneiras diferentes, a depender da localização geográfica e do tipo de suporte utilizado.
Onde elas se encontram
Eduarda França
Repórter