A química do amor: o que o sentimento faz com seu corpo
Paixão, traição e situações que tangem relacionamentos impactam o corpo humano e a ciência explica tudo que ocorre em seu cérebro (não no coração)
Frio na barriga, coração acelerado e o sorriso estampado no rosto ao ver a pessoa amada. Sensações que, romanticamente, ligamos ao coração, mas são geradas de forma calculada pelo cérebro. Da felicidade sem motivo aparente de “quem viu um passarinho verde” ao “soco no estômago” diante de uma traição, tudo é explicado pela ciência. “Em termos neurobiológicos, quando alguém se apaixona, há uma reação gerada no cérebro com a liberação do hormônio oxitocina. Ela é responsável, entre outras coisas, pelo apego”, explica Amaury Cantilino, professor do Departamento de Neuropsiquiatria da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Não é à toa que a oxitocina é conhecida também como o “hormônio do amor”. Armazenada na neuro-hipófise, também é ela que provoca parte do prazer no momento do orgasmo.
E sabe aquela vontade de estar sempre perto de uma pessoa? Ela ocorre porque o cérebro entende que há uma dependência. Sim, amar vicia. “Há similaridade entre o indivíduo que está apaixonado e o dependente químico. Por isso, mesmo quando o outro está fazendo mal, você não consegue sair do relacionamento”, aponta José Waldo Câmara, doutor em neuropsiquiatria e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).
Sentimentos tão importantes, que são temas recorrentes de músicas de sucesso. O saudoso Dominguinhos foi um dos que preferiu não racionalizar o amor. Em músicas como Gostoso Demais, traduziu de forma romântica o que a ciência explica por meio de ações detalhadas do nosso cérebro.
Paixão e vício
A dopamina, hormônio liberado em atividades prazerosas e um dos principais responsáveis pela paixão, é produzido também durante o uso de cocaína. Já os opioides, ligados ao prazer, são estimulados pelo consumo de heroína. Apesar do vício em drogas ser mais intenso, a comparação delas com o amor tem um fundo de razão.
Semelhanças
> Há ativação da área de recompensa do cérebro
> Tanto drogas como pessoas são associadas pelo cérebro às sensações
> Há abstinência em caso de grande período sem ver a pessoa
> A pessoa se torna a coisa mais importante da vida. Situação similar ao vício
Tô com saudade de tu, meu desejo
A nutricionista Kátia Melo, 35 anos, sabe muito bem o que é estar apaixonada. “Dá uma taquicardia, uma vontade muito grande de estar perto o tempo todo. Quando você vê a pessoa, a mão começa a ficar suada de ansiedade”, resume a própria experiência.
Os sintomas descritos por ela são resultado da descarga de dopamina e opióides no organismo. A primeira é estimulante, precursora da adrenalina. Já os opióides atuam provocando euforia e dependência. Daí vem algumas respostas do corpo, como a sudorese, a taquicardia e o frio na barriga. O cérebro responde de forma mais intensa quando é provocado por estímulo visual.
“Quando a pessoa é vista, essa descarga de hormônios é tão intensa que, assim que a pessoa vai embora, você já quer que volte. O pensamento fica o tempo todo voltado para ela e se torna muito difícil parar de pensar, quase impossível”, relata Amaury Cantilino.
O problema é que, em alguns casos, a paixão pode ultrapassar certos limites, passando para a obsessividade. “A partir do momento que a pessoa vive em função do outro, isso se torna extremo. Logicamente, nem todo apaixonado é um obsessivo, mas as interações cerebrais são as mesmas”, afirma José Waldo Câmara. Ele ressalta que a paixão amorosa é uma das emoções mais poderosas que existem. “Justamente por isso, pode chegar à loucura”, acrescenta.
“A pessoa fica mais feliz, reage bem às situações. Tudo na vida fica passa a ser resolvido com mais facilidade”
O teu amor é gostoso demais
A paixão atua como ingrediente importante no sexo. Ao ponto em que ele se torna mais intenso que a relação sexual casual. A explicação é simples: mais áreas cerebrais são ativadas e mais hormônios são despejados no corpo durante o sexo “apaixonado”.
José Waldo Câmara explica que no sexo casual há ativação do circuito ligado ao desejo sexual, com liberação mais forte apenas da testosterona, principal hormônio responsável pela libido. Por outro lado, no “sexo sentimental” há uma descarga mais intensa de outros tipos de hormônios. “Além da testosterona, há uma liberação maior de dopamina na região responsável pela atração, apego e prazer. O mesmo acontece com a ocitocina, que é mais relacionada ao amor”, detalha.
“O sexo com sentimento faz toda a diferença. Até o jeito de olhar é diferente, tudo flui com mais intensidade, de forma mais verdadeira”
Na prática, toda essa convergência de hormônios resulta em sensações mais fortes. O artista plástico Manoel Quitério, 30 anos, crê que o sentimento faz toda a diferença. “Até o jeito de olhar é diferente, tudo flui com mais intensidade, de forma mais verdadeira”, ressalta o professor da Unicap.
Se é “mais verdadeiro” ou não, difícil dizer. Mas Amaury Cantilino destaca que o sexo entre pessoas apaixonadas é potencializado. “A mistura dos hormônios tende a deixar o ato mais prazeroso. Normalmente dura mais e convida à repetição”, afirma o neuropsiquiatra.
Não dá pra ser feliz assim, tem dó de mim
Da mesma forma que relação sentimental tem o poder de incrementar o sexo, ela também potencializa as decepções. A pior delas, talvez, seja a traição. A engenheira química Cláudia Frazão, 59 anos, conta que já passou por diversas “traições” em sua vida. “Eram amizades que eu fazia de tudo por elas. A sensação é de que puxaram seu tapete. Fiquei sem chão. Você se sente traído porque havia confiança”, recorda. O que agrava a traição é a falta da expectativa de que ela ocorra. Em uma relação que há paixão, a surpresa é maior. Quando estamos apaixonados, a área do cérebro responsável pela sensação de alerta e medo está “desativada”, daí o choque pela traição se torna mais intenso, já que não havia indícios de infidelidade. Ou, se havia, não era notado.
O cérebro da pessoa traída sofre uma grande descarga hormonal, que, inclusive, pode gerar sensações físicas. “Você passa mal e até sente dor. O estresse em um momento como esse é elevado. O cérebro gasta muita energia e despeja altas doses de noradrenalina e cortisol”, explica Amaury Cantilino.
O corpo reage de forma similar ao término do relacionamento, porém a experiência é mais danosa à autoestima da pessoa traída. “Quem se vê trocado sofre um desgaste emocional mais intenso e tende a se sentir sem importância”, acrescenta José Waldo Câmara.
“A sensação é de que puxaram seu tapete. Fiquei sem chão. Você se sente traído porque havia confiança”
É tão difícil ficar sem você
Especialistas em neuropsiquiatria revelam que o término de um relacionamento gera um estresse comparável ao de uma traição, com liberação de noradrenalina e cortisol. Ainda que a relação já não estivesse em seus melhores momentos e que ambos os cônjuges pensassem em por um ponto final, o cérebro responde de forma contrária. A produtora Maria Caminha, 28 anos, relata que sofreu bastante ao acabar um relacionamento de uma década. “Eu chorei por uma semana seguida. Esse foi o meu luto. Mesmo tendo sido eu quem acabou e já pensar nisso há algum tempo, eu me isolei. Não queria falar por ninguém”, conta. Enquanto Maria Caminha foi quem tomou a decisão do término, há casos em que o indivíduo precisa digerir a contragosto a informação. É justamente nesse grupo que estudos científicos dedicam mais atenção porque a dor se torna mais intensa.
“Foi consensual. Mesmo assim, houve desgaste. Meu luto foi de uma semana chorando, isolada, sem conversar com ninguém”
Isso ocorre por conta de estímulos cerebrais na região responsável pela paixão. “No momento em que a pessoa decide acabar uma relação com você, por mais que a paixão tenha diminuído, a área responsável por ela no cérebro é reativada”, explica José Waldo Câmara. Em resumo: é como se você se apaixonasse de novo por quem acabou de te dispensar. Cruel, certo?
Para piorar, mesmo “apaixonado de novo”, você não tem mais aquela pessoa presente em sua vida como antes. Isso ajuda a entender por que tudo que lembra o ex causa “dor”.
Outra reação do cérebro é a “perda” do futuro. “O que foi vivido, permanece. Mas o planejamento que foi feito para o futuro, não existirá mais. O que era idealizado, não vai se concretizar, por isso tanto estresse produzido no cérebro”, define Amaury Cantilino.
João Vitor Pascoal
Repórter
João Vitor é jornalista formado pela UFPE. Escreve para o Diario desde 2014, com passagem pela editoria de Política.
Anderson Freire
Fotógrafo
Anderson Freire é estagiário de fotografia do Diario desde 2016