Por que nossa voz gravada soa diferente da que ouvimos?
Todo mundo já passou por isso, mas, sim, sua voz não é aquela que você ouve sempre que fala. Mas sua preocupação não deve ser o quanto ela difere de sua percepção, mas em como preservá-la por várias décadas
Você já ouviu sua voz em uma gravação e a achou diferente – ou mesmo não a reconheceu? Pois é, não foi impressão sua. Esse fenômeno existe e pode ser explicado. O som que uma pessoa ouve da própria voz ao falar é, de fato, diferente do som ouvido por outras pessoas ou captado por gravadores. De acordo com a professora do departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal de Pernambuco, Adriana Camargo, os ossos da face trabalham como condutores de som e são os responsáveis pela mudança entre o que é escutado pela pessoa que fala e pelas outras pessoas. “Acontece que, além da propagação do som pelo ar, também há a propagação do som pelos ossos de nossa face. Esse som também é captado por nossas orelhas, internamente. Por isso, o som que ouvimos de nossa própria voz é a composição do som propagado pelo ar e do som propagado pelos ossos”, explica Adriana que também é Especialista em Voz pelo Conselho Federal de Fonoaudiologia. Já o som ouvido pelos outros e armazenado em gravações sofre influência apenas do ar, por isso, quando as outras pessoas nos ouvem em uma gravação acabam não notando diferença entre ela e a voz “real”.
A radialista Silvana Batalha sabe bem como é essa sensação. Ela conta que sempre ao se ouvir em uma gravação nota diferença no timbre que escuta quando está falando. “As outras pessoas me ouvem na rádio e dizem que é a mesma coisa, mas eu quando ouço sinto essa mudança. Eu sempre acho minha voz diferente”, conta. A sensação não vem de agora. Silvana relembra que desde criança já notava a variação, e na época, o que ouvia, não agradava. “Antes de trabalhar em rádio, achava a minha voz horrorosa, achava horrível me ouvir. Ganhei um gravador de presente do meu pai e gravava minha voz em fita K-7 e me escutava e achava minha voz péssima”, relata.
A mudança de voz ao longo do tempo é um processo natural, que também influencia a voz. Segundo Adriana, os aspectos biológicos aliados aos psicossociais, incluindo as fases do desenvolvimento físico e os meios familiar e cultural tem poder de modificação sobre o timbre que é emitido. A fonoaudióloga aponta ainda que a voz pode “dizer” muito mais do que se fala. Uma situação de estresse, por exemplo, vai gerar modificação na voz, assim como uma situação de emoção intensa. Além disso, a personalidade da pessoa e o seu humor também podem ser indicados por meio dos sons emitidos. “A voz é identidade. É expressão do ser como único, é expressão da alma e da arte”, resume.
Trabalha com a voz? Todo cuidado é pouco
Pigarrear, gritar e fazer esforço físico enquanto fala são algumas das contraindicações para a manutenção de uma boa qualidade na voz. Além disso, aponta Adriana, o ideal é produzir a voz sem esforço, em uma intensidade confortável e estar atento à saúde das vias aéreas e ao sistema digestivo. “Alimentação equilibrada, boa hidratação, descanso adequado e uma boa saúde de forma geral contribuem para uma boa qualidade de voz”, explica a fonoaudióloga, acrescentando que fumantes e pessoas que abusam de bebidas alcoólicas e outras drogas são mais propensos a problemas na voz. Os cuidados devem ser intensificados conforme o seu uso. Pessoas que fazem uso profissional dela, como locutores, professores, cantores e atores, por exemplo, precisam de cuidados adicionais, levando em conta também o ambiente em que discursam. “Nesses casos recomenda-se o chamado ‘aquecimento e desaquecimento vocal’, que consiste no preparo para o uso específico, por meio de técnicas corporais, respiratórias e fono articulatórias. Tais técnicas devem ser orientadas por um fonoaudiólogo que estabelecerá um programa particular para cada pessoa, após avaliação”, explica.
A professora Renata Pitanga sabe bem o que o uso contínuo pode gerar na voz. Ela conta que não é raro ficar afônica por conta do esforço utilizado para conduzir as aulas, que algumas vezes na semana ocupam os três turnos do dia. “Mesmo tendo todo o cuidado e bebendo muita água, ainda assim, o volume de aulas acaba afetando a voz. No sábado é que percebo melhor, pois amanheço bem rouca. Um reflexo da carga horária intensa”, relata.
Durante o tempo que exerce a profissão, Renata conta que já acompanhou a história de diversos colegas que, devido ao uso constante da voz, mudaram a rotina. “Presencio constantemente colegas deixando a sala de aula por problemas de voz e em alguns casos irreversíveis. As salas com péssima acústica e sempre muito cheias dificultam ainda mais. Mesmo com o professor aquecendo a voz, ainda assim há um desgaste intenso”, aponta. Silvana Batalha também já teve que enfrentar o desgaste da voz. Quando trabalhava na Rádio Clube AM o uso era maior por conta da grande quantidade de notícias e entrevistas diárias, o que acabou gerando um calo nas suas cordas vocais. “Eu falava muito, muito mesmo, saía cansada. O cansaço tomava conta de mim e minha voz ficava falhando”, afirma. Atualmente na Clube FM, a voz não é utilizada na mesma proporção, mas ela adota alguns cuidados. “Parei de fumar, evito muito coisa gelada e competição sonora. Se eu for pra uma festa, um ambiente onde os ruídos forem muito altos, evito ficar falando e conversando porque fatalmente no outro dia estarei rouca”, explica.
Mais que sotaque, para cada país, uma realidade
O idioma falado também gera modificações na voz. De acordo com Adriana Camargo, o alemão e algumas línguas asiáticas, por exemplo, contam com sons guturais, “que explodem mais na região da garganta”. O abuso desses sons, mesmo quando seu idioma necessita, pode levar, inclusive, a lesões na região das pregas vocais. “Essa lesão é muito comum em pessoas que utilizam a voz gutural, como por exemplo, militares, durante o treinamento de soldados”, comenta. A fonoaudióloga afirma ainda que um brasileiro, ao falar outro idioma, não terá a mesma qualidade na voz. O mesmo vale para pessoas de outras nacionalidades praticando outros idiomas que não seja o nativo. “Cada língua tem características próprias, principalmente relacionadas à articulação dos sons da fala e à ressonância, portanto, ao mudarmos a forma de produzirmos os sons, quando falamos outra língua, também interfere na qualidade de nossa voz”, alerta.
João Vitor Pascoal
Repórter
João é estagiário do Diario, com passagem pela editoria de Política. No projeto CuriosaMente, se propôs a responder perguntas difíceis a partir de uma boa ouvida.