População desconhece dezenas de fortes de Pernambuco

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Você pode morar perto (ou em cima) do que seriam ruínas de uma fortificação sem saber. Pesquisadores analisaram documentos históricos e encontraram ao menos 53 construções do gênero no estado

 

Todos os dias, você pode passar por cima de ruínas de um forte construído há centenas de anos. Na verdade, neste exato momento, você pode estar sentado sobre os restos de uma fortificação portuguesa, holandesa ou até francesa. Com um conhecido passado de lutas, invasores e colonizadores do Estado precisavam criar métodos de proteção para Pernambuco. No Recife, os bairros de Santo Amaro, Engenho do Meio e até mesmo o porto da cidade foram locais utilizados para erguer as fortificações, reconhecidas e registradas por arqueólogos durante anos de análise de documentos e pesquisas de campo. Algumas são apenas ruínas, enquanto outras já foram cobertas pela água. Quase 50 “fortes desconhecidos” já são de conhecimento dos arqueólogos locais, mas estima-se que muitos outros ainda não tenham sido encontrados.

Um dos exemplos é o Forte Arraial do Novo Bom Jesus, triunfal ponto de partida de tropas luso-brasileiras nas duas Batalhas dos Guararapes. Por ter sido feito em terra, o tempo não foi tão generoso com ele quanto foi com outras fortificações do estado, transformadas em museus e pontos turísticos até hoje preservados. Hoje, o local dá nome a uma avenida e a uma linha de ônibus, mas está fadado ao esquecimento.

Quem mora nas redondezas sabe da existência de um forte, mas não tem muita ideia do seu valor. “A gente chama também de Forte do Cruzeiro. Tinha uma placa do lado explicando, mas levaram”, afirma o comerciante Eraldo Barbosa, morador do bairro há 68 anos. A estrutura da placa, sem mais nada escrito, é o único sinal de que, em algum momento, alguém considerou o local um ponto importante da história.

Dentro da Praça da Avenida do Forte, na Zona Oeste do Recife, as ruínas são tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan), mas limitam-se a um obelisco feito posteriormente para homenagear combatentes, mastros sem bandeiras, um amontoado de terra, teoricamente responsável por demarcar a área onde antes havia a construção, e as ruínas de duas paredes, utilizadas como sombra por visitantes. O mato alto e a presença de cavalos no local dá ao espaço uma aparência ainda maior de abandono.

“A gente chama também de Forte do Cruzeiro. Tinha uma placa do lado explicando, mas levaram”

Eraldo Barbosa

Comerciante e morador do bairro há 68 anos

Quem mora nas redondezas sabe da existência de um forte, mas não tem muita ideia do seu valor. “A gente chama também de Forte do Cruzeiro. Tinha uma placa do lado explicando, mas levaram”, afirma o comerciante Eraldo Barbosa, morador do bairro há 68 anos. A estrutura da placa, sem mais nada escrito, é o único sinal de que, em algum momento, alguém considerou o local um ponto importante da história.

Nas lembranças de seu Eraldo, o local nunca teve a forma de forte conhecida pelos recifenses. “Antes, não tinha grade na praça nem iluminação por aqui, às vezes o exército vem fazer algumas cerimônias”, lembra. “O forte foi construído como um posto onde eram tomadas decisões do comando luso-brasileiro”, afirma o professor Marcos Albuquerque, coordenador do laboratório de Arqueologia do Departamento de História da UFPE.

 

Outro ponto onde já existiu construção semelhante é um velho conhecido das festas juninas da capital pernambucana: o Sítio da Trindade. Ali, durante a invasão holandesa, foi erguido o Forte Real do Bom Jesus, registrado até mesmo em gravuras da época. Ainda na década de 1990, os pesquisadores da UFPE fizeram uma expedição ao local, onde encontraram vestígios do fosso, das muralhas e até mesmo de artefatos bélicos.

Muitos estranham a localização das duas fortificações, longe de áreas costeiras, ao contrário das demais, preservadas no litoral pernambucano. Isso se deve à época da construção de ambas, quando os holandeses já tinham tomado a costa local e os, até então, colonizadores recuaram seus pontos táticos para locais mais desertos e estratégicos. “O Forte Real do Bom Jesus é o localizado mais ao Oeste, a função dele era impedir que os holandeses saíssem da beira do Recife e caminhassem para o interior”, explica Marcos.

 

 

Obstáculos dificultam procurar mais vestígios de construções

 

 

 

 

Para identificar os fortes, o trabalho dos pesquisadores passa por diversas etapas. Às vezes, só é possível contar com documentos e mapas históricos, pois nem sempre o estudo físico do local é possível. Além da possibilidade do terreno estar ocupado por outra construção ou submerso por água, existem obstáculos burocráticos e financeiros para a exploração. “Para uma pesquisa arqueológica ser executada, ela precisa ter, de um lado, a equipe, do outro lado, a autorização do Iphan e na ponta do triângulo, um órgão financiador”, lembra o pesquisador. Despesas com alimentação e hospedagem das equipes próximo ao sítio arqueológico estudado são um dos maiores gastos.

Outro obstáculo, principalmente para o Brasil, é a estrutura para realizar esse tipo de estudo. No caso do Forte Novo do Bom Jesus, por exemplo, um projeto de exploração da área – que desenharia os limites do fosso e forneceria informações sobre a construção – foi formulado, mas não pode ser executado porque o acúmulo da água da chuva na área estudada poderia aumentar os casos de dengue na região e uma operação ainda mais complexa (e mesmo mais cara) seria necessária. Para os pesquisadores, a vontade de desvendar os mistérios do Recife independe do tempo. “Temos todo o interesse em fazer uma pesquisa arqueológica para recuperar dados muitas vezes não registrados pela história”, conclui Marcos.

Em nota, a Empresa de Manutenção e Limpeza Urbana (Emlurb), responsável pela manutenção do Parque Arraial do Bom Jesus, informou que uma equipe fixa faz a limpeza da praça diariamente e que o serviço de capinação deve ser feito no local no começo do mês de novembro. Sobre os animais soltos na área, a Secretaria Executiva dos Direitos dos Animais informou receber denúncias através do telefone 3355-8371.

Lorena Barros

Lorena Barros

Repórter

Karina Morais

Karina Morais

Fotógrafa