Pernambuco já foi um país: Um Nordeste independente há 200 anos

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Centro da revolução de 1817, Pernambuco se declarou país há quase dois séculos e formou uma nação com metade do Nordeste. A iniciativa durou pouco e cai no esquecimento dos pernambucanos

 

Missas celebradas com cachaça e hóstias feitas com mandiocas em rejeição ao vinho e ao trigo portugueses. Era o bairrismo local já voando alto, a ponto de, em 1817, o estado virar um país. República, mais de 70 anos mais jovem que a brasileira, independente do Reino Unido do Brasil e de Portugal. A ousadia foi fruto de uma revolução. Durante 75 dias, quatro estados nordestinos e parte da Bahia viraram um nação: Pernambuco.

O sentimento, desde então, era de patriotismo. “Patriota” virou uma espécie de título, com o qual as pessoas se reconheciam. “Tudo foi realizado com base nesse sentimento. As pessoas não queriam poder para si ou enriquecer com o erário. Quando os líderes foram presos e executados, havia mais dinheiro nos cofres públicos que antes da revolução, uma evidência do caráter desses governantes”, opina o professor de História da UFPE Severino Vicente. “Outra expressão desse patriotismo pernambucano que continua até hoje é a nossa bandeira. Jogamos fora a combinação de verde e amarelo, cores da família real portuguesa, e criamos algo genuinamente nosso.”

A revolução que conceberia a República ocorreu em 6 de março de 1817. Sete anos de eclodir, já existia uma articulação entre os pernambucanos para tentar dominar os portugueses. “Foi um momento oportuno. As ruas estavam agitadas porque os tributos eram altíssimos. A revolução teve início em um levante militar, com um capitão pernambucano matando um superior do Reino, mas a história já vinha sendo pensada antes”, explica o professor de História da Universidade Católica de Pernambuco Flávio Cabral, que está escrevendo um livro sobre o tema. “É um dos momentos mais interessantes do nosso estado.”

Depois do assassinato, o capitão José Barros de Lima, conhecido como Leão Coroado, tomou o quartel e deu início à revolução. O governador de Pernambuco Caetano Montenegro que, claro, era português, se escondeu no Forte do Brum mas acabou se rendendo no mesmo dia e foi expulso do estado. “Eles já pensavam em eleição, mas não tiveram tempo de realizá-las”, conta Cabral. “Criaram uma assembleia constituinte e o esboço da Constituição já falava em liberdade religiosa. Eles estavam seguindo as ideias mais avançadas da época, baseados nas repúblicas francesa e americana. Mesmo que tenham continuado com a religião católica como oficial e tendo vários padres na liderança.” Era uma república diferente daquele que compôs o primeiro grito de República da América Latina, de Bernardo Vieira de Melo, mais de cem anos antes.

O PAPEL DE CRUZ CABUGÁ
Antônio Gonçalves Cruz, o Cruz Cabugá, desempenhou um papel quase surreal 1817. Espécie de diplomata da nova República, viajou até os Estados Unidos para comprar armas e articular a fuga de Napoleão Bonaparte, confinado na Ilha britânica de Santa Helena. Alguns soldados napoleônicos ainda vieram ao Brasil. Mas a revolução não deu certo eles foram presos ao chegar. Cabugá permaneceu nos Estados Unidos e só voltou depois de receber o perdão real em 1821

Com a constituição, a nobreza perderia suas regalias. É o que mais chama a atenção do professor de História da UFPE Marcos Carvalho. “Antes, as pessoas tinham qualidades. Elas poderiam ficar ricas, mas continuariam tendo uma marca de origem. E um nobre poderia tirar tudo que era dele. Com constituição, direitos e deveres, as pessoas passavam a ter condições, que elas poderiam modificar. Imagina isso em Pernambuco naquela época”, comenta. Após o fim da revolução, quando o movimento foi reprimido e a República desfeita, houve um dos fatos mais curiosos, para Carvalho, a respeito de toda a história do Brasil enquanto colônia: foi a primeira vez em que padres foram executados.

Território

O território pernambucano mudou com o fim da Revolução de 1817, Mas essa não foi a única vez em que isso aconteceu. Veja como os mapas de Pernambuco foram se transformado com o tempo.

1534 – A capitania de Pernambuco foi definida pela Coroa portuguesa e doada a Duarte Coelho
1680 – Um mapa realizado neste ano pelo holandês Joan Blaeu mostra o crescimento da capitania
1756 – A capitania de Itamaracá é anexada ao território pernambucano
1817 – Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba são adicionados à República de Pernambuco. Após a revolução, Alagoas, antiga comarca pernambucana, vira território independente
1824 – Depois da Confederação do Equador, Pernambuco perdeu parte do seu território como punição
1868 – A cada mapa, melhorias são realizadas para uma representação mais fiel do estado. O IBGE sempre realiza ajustes de limites territoriais, o último, em 2014. De acordo com a geógrafa do IBGE Amanda Estela Guerra, um mapa próximo da imagem do atual território de Pernambuco foi desenhado em 1868, pelo senador Câmara Mendes.

A evolução territorial de Pernambuco retratada não leva em conta alterações no resto do país e foi concebida com base nos seguintes mapas históricos (clique)

Por que não vingou?

Muitas repúblicas são criadas em revoluções que invocam reações de independência. Assim o foi com um sem número de nações mundiais criadas ao longo da história ou mesmo com colônias que, em movimentos políticos, se declararam independentes e viraram países.

O caso de Pernambuco foi um pouco diferente e estudiosos apontam as razões pela qual o país não continuou a existir além dos 75 dias em que esteve separada do Brasil.

Escravos não foram libertados

Sem a abolição da escravatura, Pernambuco perdeu de ter um grande exército. Quando as tropas portuguesas chegaram, pouco mais de dois meses depois da revolução, encontraram pouquíssimo contingente militar.

“Traição” de Alagoas

Até 1817, Alagoas era comarca pernambucana, assim como parte da Bahia. Apesar de pronta para lutar pelo país que fazia parte, o estado decidiu lutar junto às tropas portuguesas em troca da própria independência.

Paulo Trigueiro

Paulo Trigueiro

Repórter

Paulo é estudante de jornalismo com formação em psicologia. Escreve para o Diario desde 2013. Pernambucano, segue dando os passos necessários para declarar a própria “independência”.