Os limites vividos quando o medo vira doença
A racionalidade, por um momento, deixa a mente. Dá lugar a um medo desproporcional, a ponto de tornar-se patológico e diagnosticável: fobia. O medo injustificável, que vai de animais a personagens ou dias de semana, é apreendido na infância, normalmente, difundido por figuras de referência (pais ou alguém com influência na criação) ou por experiências vivenciadas.
Esse tipo de temor, no entanto, pode limitar a vida da pessoa, como bem sabe a enfermeira Camila Sabino. Ela tem, ao menos, dois momentos de tormento intenso por ano. Um no São João e o outro no Réveillon, causados pelo medo descomunal de fogos de artifício. “Lembro que quando eu tinha 12, 13 anos, comecei a perder o controle, tinha crises. Eu tenho medo do barulho e de ver a queima de fogos”, relata. Desde então, passou a evitar lugares suscetíveis a eventos desse tipo. “Nas festas juninas eu não fico perto dos palcos principais, e no Ano Novo, não saio de casa e todos os momentos antes da meia-noite são muito desgastantes. A sensação é de morte”, diz.
“A fobia é algo infundado. Há uma discrepância entre o estímulo do medo e a reação que ele causa. A pessoa começa a suar de forma intensa, o coração acelera, os músculos ficam enrijecidos, falta o ar e há uma vontade muito grande de sair correndo daquele lugar”, explica a psicóloga clínica e professora da Faculdade Damas, Cristiany Morais, sobre as sensações geradas pelo cérebro, mas com efeitos estampados no corpo.
“Um exemplo é o medo de piscinas. A criança nasce na ‘água’; É natural que não tenha medo. Quando estão crescidinhas, começam a sofrer influência – pode ser o pai falando algo ou um afogamento visto na TV, não explicado da forma correta. Na mente de cada um é possível encontrar a origem da fobia”, complementa.
A fobia não é apenas o medo de determinada coisa ou situação, mas também o que isso representa. O medo de barata não é do inseto, mas também o nojo do contato, de senti-la andando sobre a pele. O medo de lugares fechados é associado à falta de ar, ao receio de não conseguir escapar. Assim como qualquer doença, há uma parcela das pessoas mais propensas a quadros fóbicos. “Nem toda pessoa ansiosa tem fobia, mas toda pessoa com fobia é ansiosa. E o medo pode se tornar um agente limitador”, resume a psicóloga e neuropsicóloga clínica Eliana Almeida. “Assim como ocorre na depressão, que tem como emoção-base a tristeza, a ansiedade tem como emoção-base o medo”, explica, alertando que as fobias, para quem não as possui, acabam não fazendo o menor sentido.
“Nem toda pessoa ansiosa tem fobia, mas toda pessoa com fobia é ansiosa. E o medo pode se tornar um agente limitador”
“Assim como ocorre na depressão, que tem como emoção-base a tristeza, a ansiedade tem como emoção-base o medo”
“Tomei conhecimento do caso de uma pessoa que tem medo de elevador, mas apenas quando ele está parado. Quando ele permanecia um tempinho entre os andares, a pessoa chegava a desmaiar”, relata.“Assim como ocorre na depressão, que tem como emoção-base a tristeza, a ansiedade tem como emoção-base o medo”, explica, alertando que as fobias, para quem não as possui, acabam não fazendo o menor sentido. “Tomei conhecimento do caso de uma pessoa que tem medo de elevador, mas apenas quando ele está parado. Quando ele permanecia um tempinho entre os andares, a pessoa chegava a desmaiar”, relata.
15 MEDOS QUE VOCÊ NÃO SABIA QUE EXISTIA
Fobia e traumas andam lado a lado
No caso de Camila Alves, 24 anos, o lugar a ser evitado, com certeza, é o circo e, talvez, algumas festas infantis que ainda contem com palhaços como animadores. “Pra mim, ele não é uma figura engraçada, é macabra. Causa mais terror que graça”, aponta. Nem mesmo a profissão de psicóloga auxilia na coulrofobia (medo intenso de palhaços), iniciada na infância ao assistir ao filme de terror It (A Coisa), baseado no livro homônimo do escritor norte-americano Stephen King, que tem no assustador palhaço Pennywise o vilão. “Fiquei com o trauma. Muito medo de ver qualquer palhaço, tanto ao vivo, quanto em filmes”, explica.
A professora de psicologia Cristiany Morais explica que episódios traumáticos podem deixar resquícios fóbicos. “Quem tem mais de 40 anos e passou pela enchente de Tapacurá, por exemplo, pode ter um temor de enchentes. Não somente dela, mas do que ela pode causar, de perder familiares”, aponta.
E sabe aquela história de que é preciso encarar o medo de frente? Segundo a neuropsicóloga Eliana Almeida, nem sempre esse é o caminho mais seguro, uma vez que um dos efeitos possíveis é o agravamento do próprio trauma.
Em alguns casos, sessões de psicoterapias analítica ou cognitiva comportamental são suficientes e elementos ligados ao medo são aproximados progressivamente a pacientes. “Porém, em outros casos, a fobia é tanta que é preciso acompanhamento psiquiátrico, com remédios”.
Sintomas de fobia
Sudorese
Taquicardia
Enrijecimento dos músculos
Estado de tensão
Sensação de falta de ar
Sensação de nó na garganta
Vontade de fugir
Pele esbranquiçada
Olhos arregalados
Quando o medo vira fobia
> A fobia passa a ser o centro da vida
> Lugares onde o objeto fóbico pode ser encontrado são evitados
> Pessoas que remetem a fobia são evitadas
Síndrome do pânico, um quadro cada vez mais comum
Pessoas que vivem diariamente situações de estresse, que tem como características a ansiedade e a cobrança exacerbada a si próprio e aos outros, podem estar próximas do surgimento de uma síndrome do pânico, quando crises episódicas, se tornam mais intensas e recorrentes. “Essas características são como gatilhos de crises caracterizadas por uma excessiva descarga de noradrenalina no cérebro, propiciando sintomas que muitas vezes são confundidos com um ataque de enfarte”, explica o médico psiquiatra e professor da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), Moab Acioli. “Ao nível psíquico, há inquietação, vontade de gritar, de correr, sensação de que está ficando louco, mas é importante frisar que o ‘louco’ não acha que está ficando ‘louco’”, complementa Acioli.
Quadro que pode ser desencadeado por episódios traumáticos. No caso da economista Dilma Oliveira, diagnosticada com a síndrome do pânico, o surgimento veio após um capotamento de carro, ocorrido no início da década de 90. “A crise da síndrome já passou, mas na época, desencadeou medo de muitas coisas. Não conseguia sair de casa, só comia comida feita por minha mãe porque na minha cabeça ela era a única que não queria me envenenar. Era medo de tudo”, relembra. A fase intensa da síndrome do pânico de Dilma durou dois meses, controlada por meio de tratamentos alternativos, com uso de florais e meditação.
Antes mesmo da síndrome, Dilma já tinha fobia de lugares fechados e de viajar de avião, por exemplo. Essas fobias persistem, mas controladas com alguns procedimentos. “Antes de viajar de avião pela última vez eu fiz um tratamento por seis meses para me preparar”, exemplifica.
Apesar de estarem sob controle, as fobias ainda limitam a vida. Por muitos anos, ela trabalhou em campanhas políticas, mas nunca ficava no meio dos comícios ou atos dos candidatos. Atualmente, ocupa um cargo em que precisa visitar presídios do estado e também tem que lidar com a fobia. “Todos sabem o que sinto. Em alguns momentos eu digo ‘só vou até aqui’ e paro, alguns lugares fazem eu me sentir mal”.
“Ao nível psíquico, há inquietação, vontade de gritar, de correr, sensação de que está ficando louco, mas é importante frisar que o ‘louco’ não acha que está ficando ‘louco’”
Numa viagem recente a Europa, por exemplo, Dilma se privou de visitar alguns pontos turísticos por eles serem muito fechados, como as catacumbas de Paris e o templo da Sagrada Família, em Barcelona. Além disso, nos trajetos realizados dentro das cidades com os amigos, majoritariamente de metrô, era preciso esperar a vinda de vagões vazios, já que os cheios despertavam fobia. “Quando fui ao Rio também não consegui andar no bondinho do Pão de Açúcar. São passeios que todos fazem, mas eu não iria curtir”, conta a economista.
Ludmila aponta, porém, que é complexo fazer uma associação direta entre as fobias e a síndrome, alertando que isso depende da subjetividade de cada pessoas. “A pessoa pode desencadear sintomas a partir de uma fobia já existente. Algumas fobias como a agorafobia apresenta sintomas bastante semelhantes com o pânico, mas não é uma regra”, frisa.
João Vitor Pascoal
Repórter
João é repórter do Diario desde 2014. Como estagiário, escreveu para a editoria de Política, antes de compor a equipe de dados, no CuriosaMente.
Greg
Ilustrador e cartunista
Greg é ilustrador e cartunista do Diario de Pernambuco
Silvino
Ilustrador e cartunista
Silvino é ilustrador e cartunista do Diario de Pernambuco