Melhores amigos na escola alteram em até 10% notas de estudantes
Pesquisadoras pernambucanas estabeleceram relação estatística entre grupos de melhores amigos e desempenho acadêmico
Os melhores amigos de uma criança em sala de aula interferem em até 10% das notas do estudante. A constatação é de uma pesquisa da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) que, pela primeira vez, conseguiu estabelecer uma relação estatística entre a autoestima de um círculo de amizades num ambiente escolar e o desempenho dos estudantes.
De acordo com Michela Camboim e Isabel Raposo, ambas pesquisadoras da Coordenação de Estudo Econômico e Populacional da Fundaj, o estudo teve início em 2013 e compreendeu 120 escolas das redes estadual e municipal no Recife e um total de 4,1 mil alunos do sexto ano do ensino fundamental. Cada um deles respondeu a um questionário que, entre outras coisas, destacava duas perguntas: se o aluno tinha o desejo de mudar a sua personalidade e se ele se sentia deixado de lado na sala de aula.
“Com base nas respostas dessas e de outras questões, criamos um modelo estatístico, que funciona como uma função de produção do desempenho do aluno”, explica Isabel. A partir desses dados, cria-se um “índice de autoestima”. Entre as descobertas está o fato de que a nota de um aluno aumenta quando há um incremento de 50% no índice de autoestima do grupo de seus cinco melhores amigos de turma.
Para cada estudante, foram analisadas as respostas dos melhores amigos e, posteriormente, foi feita a comparação com a nota tirada. Por conta das limitações de tempo e pessoal, o desempenho dos alunos foi registrado somente na disciplina de matemática, mas as pesquisadoras apontam que serve para as demais matérias. “Escolhemos a matemática porque ela lida com números, interpretação e conhecimentos gerais na formulação das perguntas, mas, naturalmente, isso pode ser também refletido em outras matérias”, defende Isabel.
A estudante Beatriz Vilela, 13, cursará o 1° ano do ensino médio em 2016 e conta que o grupo de amigos do colégio já faz parte de sua rotina desde o 4° ano (antiga 3ª série) do ensino fundamental e admite que ele acaba influenciando no seu desempenho na escola.
“Somos amigos há muito tempo, sempre estivemos na mesma sala, então a gente já se conhece, sabemos quando o outro precisa de ajuda”, afirma. “Quando algum de nós está mal, os outros ajudam também”, complementa.
O seu pai, Bruno Vilela, aponta que as amizades acabam influenciando positivamente o desempenho de Beatriz. “O interesse dela sempre foi pelo contato com os alunos mais criativos, não necessariamente os mais estudiosos, muito menos os mais relaxados. Essa empatia e identificação com os pares é fundamental no tipo de escolha que ela faz”, afirma.
Ainda de acordo com Bruno, a importância de com quem sua filha se envolve é fundamental para a construção dela na vivência escolar como um todo, além das notas. “Os alunos têm a oportunidade de descobrir no ciclo de amizades, e nas experiências extra-classe, que podem ser bons e até os melhores, em outras áreas que não sejam matemática, geografia, história, química. Existem umas 4 mil possibilidades diferentes fora dos muros da escola”.
Isabel aponta que, além da ajuda prestada aos amigos – seja por dificuldades na vida escolar ou extraescolar -, os estudantes acabam se inspirando nos amigos. “Há também o efeito de imitação. Quando a nota do amigo é maior, é natural que o aluno tente alcançar a mesma nota”, exemplifica.
Por escolas e profissionais mais humanos
As pesquisadoras apontam que os demais aspectos são isolados, tornando a relação entre a autoestima e a nota alcançada mais rigorosa. “Isolamos o background sociocultural, financeiro e demais aspectos escolares e extraescolares para que a comparação fosse mais precisa. Ficou claro que a aprendizagem não é só construída com o conhecimento ou a forma de ensino, mas também leva em conta a forma como o estudante está se sentindo e está se relacionando dentro da sala de aula”, ressalta Michela.
A sensação de acolhimento não fica restrita dos alunos em relação aos colegas, mas também às demais figuras do ambiente escolar, incluindo a postura dos professores. “Levando em conta o professor, a forma como ele se coloca na sala, como interage com o aluno, a sua abordagem, tudo isso acarreta mudanças. É preciso haver uma abordagem humana na sala de aula”, acrescenta Michela.
João Vitor Pascoal
Repórter
João é estagiário do Diario desde 2014, a maior parte do tempo para a editoria de Política, antes de fazer parte do projeto CuriosaMente, da editoria de dados do jornal.