Jaca: de fruto exótico das Índias a “carne” da moda

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Pernambuco vê crescer a produção de jaca à medida que cultura de consumo saudável ganha força ao substituir carne vermelha por uma natural, derivada da fruta

 

Uma imigrante indiana chegou ao Brasil, por meio de navios portugueses, durante o século 18 e se adaptou bem ao país, a ponto de deixar inúmeras gerações de sua família até os dias atuais. Habitando inicialmente uma casa chamada Artocarpus heterophyllus (popularmente conhecida como jaqueira), a jaca ganhou outras residências em sua estada permanente nas terras tupiniquins, como listas de maiores frutos do mundo, mesas de sobremesas, além de ditados populares. Mais recentemente, ela conseguiu um novo feito: virou “carne”. E vem entrando cada vez mais no paladar da população que procura alternativas ao consumo de produtos de origem animal. A “moda” gera impacto direto num mercado, seja ele na diferença média dos preços entre a fruta madura e a carne, ou no aumento da demanda sentido pelo produtor.

E como é possível extrair “carne” de um fruto como a jaca? Primeiro, é preciso que ela esteja verde, pois ela é obtida a partir das fibras que seguram os bagos da fruta. Quando verde, a fruta está sem esses bagos, possuindo apenas fibras – nessa fase, aliás, ela também não é doce. Então resta apenas cozinhar a jaca em uma panela. Antes desse cozimento, há quem prefira retirar a casca externa para que a “cola” característica do fruto não vá para a carne. Então, ela pode ser servida em diversos cortes, como em rodelas, triturado ou mais quadradinhos para estrogonofes, coxinhas ou carpaccios.

A diferença entre os mercados do comércio tradicional de jaca e o da carne vegetariana se faz não apenas na apresentação, mas na quantidade. Para extrair as fibras que dão forma à carne, há uma perda de cerca de 35% no volume colhido da fruta. Na Ceasa, centro de distribuição de fruta e hortaliças do Recife, cerca de 180 toneladas de jaca madura são comercializados por ano, a um preço que varia de R$ 1,50 a R$ 3,30. Já no caso da carne, o kg sai entre R$ 16 e R$20, o que torna o nicho de mercado ainda mais atrativo.

Um dos produtores metropolitanos de jaca é o casal Luiz Amadeu e Cristina Petroni. No Sítio Sete Estrelas, em Igarassu, eles adotam um modelo de produção agroflorestal, que busca conciliar o cultivo com a preservação da mata nativa, e contam com 48 jaqueiras. Entre setembro e março, período de safra, a produção chega a 100kg por semana, e em uma única árvore, é possível colher até 400 frutos. Há cinco anos, a produção é sistemática, visando a carne vegetariana, o que facilita a colheita, já que o casal não precisa esperar o amadurecimento das frutas, uma vez que o ideal é colhê-las ainda verdes.

Luiz Amadeu ainda consegue fazer uma classificação dessa carne em comparação à animal. “O filé-mignon de jaca é quando ela está verde, com comprimento aproximado de um palmo. Quando ela fica maiorzinha, com os caroços começando a aparecer, ela é uma carne de primeira. Ela madura já é uma carne de segunda”, explica o agricultor. Além de fornecer para restaurantes, lojas de produtos naturais e lanchonetes, eles ainda fazem suas próprias receitas, como o pastel de jaca, comercializados em suas barraquinhas na Feira de Santo Amaro (às quartas) e na Feira de Setúbal (aos sábados), ambas no Recife.

Amadeu ainda garante que a demanda vem aumentando e o mercado para a carne de jaca vem crescendo. Segundo ele, até mesmo um incipiente público não-vegetariano começa a surgir, crescimento atribuído ao surgimento de uma nova consciência alimentar, que, aos pouco, faz a população pensar melhor no que consome. Assim, nossa imigrante indiana ganha um espaço ainda maior em nossas terras, conseguindo se naturalizar brasileira de uma forma bem natural. Apesar de algumas pessoas insistirem em enfiar o pé nela algumas vezes

Essas receitas são aprovadas por Terezinha Mota, de 78 anos, que descobriu há cerca de um ano esse novo sabor. Ela frequenta a Feira de Santo Amaro e sempre procura a barraca de Luiz Amadeu, em busca especialmente do pastel de jaca. Hoje ela também compra a própria carne para comer em casa, onde costuma fazer sanduíches. Ela costuma a comprar boas quantidades do produto, já que ele não é muito perecível, podendo ficar congelado por até seis meses.

Um coringa “verde” em qualquer cozinha

Quem atesta a qualidade do sabor da carne de jaca é a estudante universitária Juliana Costa, 20 anos, que experimentou o alimento pela primeira vez em 2015, cerca de um mês após virar vegetariana. Ela assume que tinha preconceitos em relação à carne de jaca, pois não conseguia entender que o ingrediente não ficaria com o gosto da fruta. Foi através de uma coxinha de jaca que teve o primeiro contato. “Eu tava com muita saudade de comer coxinha. Essas comidas fáceis como coxinha, cachorro-quente, hambúrguer é o que a gente mais sente falta sendo vegetariana. Comer de novo foi uma experiência muito boa pra mim, especialmente porque eu achei a carne muito gostosa”, afirma.

A chefe de cozinha e proprietária da Frutetto Cozinha Artesanal Natural, Fabrisa Silva, é uma das pessoas que oferecem a coxinha de jaca para seus clientes. Aliás, não é exclusividade da coxinha levar a carne de jaca em seu cardápio, que conta com 30 pratos fixos. Dentre eles, há o ensopado de jacaranguejo, o bolinho de jacalhau e o estrogonofe de jaca. Porém, Fabrisa alerta que a carne de jaca não substituí nutricionalmente a carne animal. “Ela é feita praticamente só de fibra e carboidrato e a carne animal é praticamente proteína. Os nossos pratos que levam jaca, a gente coloca algumas outras coisas que vão suprir um pouco dessa necessidade de proteína”, explica.

Já na questão do paladar, a carne de jaca é bem maleável para pegar o sabor de sua escolha, por ser uma fibra neutra. É o tempero que confere lembrança de diversas carnes. É o caso de ingredientes como leite do coco, alga marinha e dendê no ensopado de jacaranguejo da Frutetto, que faz lembrar comidas do mar. O mesmo é feito com o uso do curry para lembrar o sabor de frango.

Rostand Tiago

Rostand Tiago

Repórter

Rostand é estudante de jornalismo da UFPE. Escreve para o Diario desde janeiro de 2017, para o CuriosaMente e o Estúdio DP. Por definição, não gosta de jaca, mas provou uns lanches com a carne da fruta que confundiram sua cabeça sobre essa certeza…

Rafael Martins

Rafael Martins

Fotógrafo

Rafael é fotógrafo do Diario de Pernambuco desde 2015. Baiano, não troca vatapá e acarajé com camarão por carne de jaca, mas, com pimenta, come o que encontrar pelo caminho – no caso da jaca, com prazer…

Reportagem publicada integralmente no dia 23 de agosto de 2017. Diario de Pernambuco.