Escola hospitalar: como crianças com câncer investem nos estudos durante tratamento
Primeira escola montada dentro de uma unidade de saúde, a classe Semear, teve 26 alunos em 2015 e continua o trabalho em 2016
Joyce é Maria da Conceição no sobrenome e na fitinha azul que carrega no braço direito, junto a um terço dado por uma vizinha. Aos treze anos, já se curou de um linfoma localizado na cabeça, próximo ao cérebro, e está em fase final de recuperação da leucemia. Internada no Hospital Oswaldo Cruz, desde março de 2015, é uma das alunas da professora Cristiane Pedrosa, responsável por lecionar na primeira classe hospitalar de Pernambuco, iniciativa do Grupo de Ajuda à Criança Carente com Câncer (GAC), apoiada pela Prefeitura do Recife. Ela é apenas uma entre os 26 alunos que deram sequência ao aprendizado dentro de uma unidade de saúde, em 2015.
A classe Semear conta com dois módulos de aulas, um nos leitos e outro na brinquedoteca (reformada pelo Instituto Ronald McDonald) transformada em sala de aula, com direito a quadro, mesa interativa e notebooks para os alunos. “É um trabalho diferente do realizado nas escolas convencionais, tem que haver uma adaptação na forma de dar aula, na duração, nos conteúdos personalizados. A escolarização contribui, mas não pode atrapalhar de forma alguma. A prioridade aqui é a saúde dos pacientes”, explica Cristiane, especialista em pedagogia hospitalar.
A classe é multisseriada, por isso, a necessidade de um ensino diferenciado entre os alunos. Para que isso ocorra, há uma troca de informações entre a escola de origem dos pacientes e a classe hospitalar. Para o ensino de Joyce, por exemplo, foi preciso entrar em contato com a escola onde cursava a sexta série, no município de Pedra, Sertão do estado. “Se ela não tivesse aulas aqui, teria perdido o ano. Mas, felizmente, deu tudo certo”, afirma a agricultora Maria da Conceição, mãe de Joyce.
A classe hospitalar ajuda amenizar a realidade dos estudantes que, por motivos de saúde, precisam se internar e perdem conteúdo escolar.
“Essas crianças já têm que se privar de muitas coisas, a privação da escolaridade também repercutiria ao longo da vida. A recuperação da doença ocorre, mas o estigma segue por muito mais tempo. Ajudamos a superar a doença e vencer o estigma”, aponta a presidente do GAC e oncologista pediátrica Vera Morais.
Ainda de acordo com ela, inicialmente, o governo do estado foi procurado para que a classe fosse implantada, mas não houve acordo e a parceria foi firmada com a Prefeitura do Recife. “O poder público é importante para dar sustentabilidade à classe. Era uma garantia de direito que não ocorria. Temos uma escola dentro hospital, não é aula de reforço. Mostramos que ele tem perspectiva de vida, mostramos que acreditamos nele, acreditamos na cura”, afirma Vera.
Apesar de ter sido iniciada no último trimestre de 2014, foi em 2015 que a Semear conseguiu efetuar o seu primeiro ano letivo completo, com 26 estudantes – um desafio para a classe, que nem sempre termina o ciclo completa. “Tivemos cinco óbitos e terminamos o ano com 21 alunos regulares. É difícil, mas temos que nos preparar emocionalmente. É o ônus da atividade, precisa de resiliência, nunca posso externar o que estou sentindo”, relata Cristiane.
A saudade deixada pela perda, porém, divide espaço com a saudade que será deixada por quem seguirá em frente. Para Joyce Maria da Conceição, a saída do hospital é iminente. Passará um tempo na casa de apoio do Núcleo de Apoio à Criança com Câncer (NAC), enquanto ainda precisa de medicamentos mais fortes, até estar apta para retornar ao Sertão. Lá, seguirá os planos desenhados ao longo dos seus 13 anos já repletos de experiências e superação.
“Eu gosto muito de
português e ciências,
de saber mais sobre
o corpo humano,
sobre os planetas.
Eu vou ser uma
professora igual
à Tia Cris”.
João Vitor Pascoal
Repórter
João é estagiário do Diario desde 2014, a maior parte do tempo para a editoria de Política, antes de fazer parte do projeto CuriosaMente, da editoria de dados do jornal.