Em busca de independência: grupos querem tornar Pernambuco, o Nordeste e o Sul, novos países
Em diversos estados do país, grupos discutem, avaliam e até planejam o futuro de um país que não existe. São pessoas que dividem culturas e geografias em comum e não se reconhecem como brasileiros. Alguns, como os que defendem a independência de Pernambuco, ainda estudam as vantagens e desvantagens de tornar-se uma região autônoma. Outros, como os dos estados do Sul, planejam um plebiscito que reconheça a vontade da maioria da população em separar-se do resto Brasil. Apesar das motivações distintas, os grupos têm um mesmo fim: fazer parte de um país que tenha a sua cara.
Pernambuco acima de tudo
O grupo que discute um Pernambuco independente do resto do Brasil nas redes sociais surgiu de um morador da cidade de Newark, nos Estados Unidos, a seis mil quilômetros de distância do Recife. O professor de artes marciais Jonas Correia começou a pensar em separatismo ao perceber uma diferença cultural entre os pernambucanos e os brasileiros de outros estados. “Há muitos imigrantes aqui e nós não nos parecemos com eles. A culinária, os hábitos, o modo de encarar o dia a dia, a forma de falar e até a personalidade é diferente. Fui me afastando da definição de ‘povo brasileiro’ principalmente porque não gostava que pensassem que eu fazia de um povo com o qual não me identifico”, explica.
Jonas criou o grupo Pernambuco Independente, que conta com a adesão de 1,3 mil pessoas e passou a avaliar o cenário de uma eventual autonomia do estado. Com encontros virtuais, os membros concluíram que os fatores geográficos e políticos são os grandes propiciadores da corrupção. “Os poderes estão distante de nós, com pessoas que não representam nossos interesses e legislam em função de algo que também está longe. Com o poder central próximo, podemos cobrar e fiscalizar com mais facilidade”, opina Correia. “As leis seriam criadas por pessoas que conhecem Pernambuco e suas necessidades.”
Para o Pernambuco Independente, a transição de um governo para outro seria um processo longo, mas não há uma fórmula a seguir. Ações concretas não foram debatidas, como também pela maioria dos movimentos que buscam a autonomia de seus estados.
Uma ação concreta, de acordo com o professor de Direito Constitucional da Aeso Barros Melo João Paulo Allain, seria juridicamente inviável. “A constituição apresenta o direito fundamental à liberdade de expressão e não há ilegalidade em discutir o assunto. Mas essa mesma constituição contém uma cláusula pétrea que diz que a União é indissolúvel”, lembra o professor. “O governo federal pode inclusive intervir contra um estado que esteja adiantado na busca por autonomia e diminuir os poderes dele até que seja retomado o pacto entre federativo.”
Uma nação nordestina
Pernambuco está inserido ainda em outra proposta de autonomia em relação ao Brasil. Em 1991, alunos do mestrado de economia da UFPE, liderados por Jacques Ribemboim, deram início a discussões sobre os prós e os contras de um país Nordeste autônomo com o Grupo de Estudos Sobre um Nordeste Independente (Gesni). Ao contrário do movimento Pernambuco Independente, os acadêmicos passaram a pensar no assunto a partir de uma motivação econômica. Eles entendiam que a região é historicamente explorada por outras, em especial, o Sudeste.
“Nós exportamos nossa matéria-prima a preços comprimidos, abaixo do mercado internacional. Ao importar o produto compulsoriamente das manufaturas sudestinas, compramos a preços protegidos, mais altos que o do mercado internacional. Na prática, estou dizendo que trabalhamos mais para consumir menos”, analisa o professor de Economia da UFRPE Jacques Ribemboim. “Como consequência dos estudos do Gesni, que durou apenas um ano, formalizei na teoria do ‘neocolonialismo’ aquilo que já sentíamos na época. A ideia é de um governo central explorando as colônias, mas internamente, de forma não oficial.”
Ribemboim faz questão de deixar claro que não acredita que o Sudeste é responsável pelas mazelas do Nordeste. “Os problemas existem por causa de uma elite incapaz de se engajar nas mudanças sociais.” Além da motivação político-econômica, o grupo estudou também outros motivos para a autonomia da região.
A cultura nordestina, por exemplo, é vista como própria e facilmente identificável. “O nordestino se sente um estrangeiro quando viaja para outras regiões. E o pior é que nos sentimos inferiores pelo preconceito que sofremos e pela maneira de como nos tratam.”
O economista não tem intenção de desenhar mapas e bandeiras ou pensar em hinos para um novo país, mas acredita que os estados da Bahia e do Maranhão não deveriam fazer parte do país Nordeste, caso ele viesse a existir. “Há poderes muito fortes nesses locais, que poderiam reproduzir com força a ideia do neocolonialismo no novo país. Essa estrutura talvez seja impossível de acabar, mas sem poderes concentrados – como os que há nesses dois estados -, as consequências, sem dúvidas, seriam menores.”
Na prática, um Nordeste Independente está muito distante de existir, mesmo para os seus simpatizantes. Ainda também não aparecem em grande quantidade. No Facebook, comunidades que desejam a separação do Nordeste (com Bahia e Maranhão) têm 2,5 mil e 2,8 mil participantes. De acordo com o presidente do Gesni, é preciso amadurecer a ideia e analisar com cautela a forma de levá-la adiante, para não ferir a constituição. Em 2002, ele publicou o livro Nordeste Independente pela editora Bagaço, que vendeu, de acordo com o próprio autor, mais no Sul e Sudeste do país que no Nordeste.
O Sul é o meu país
Entre todos os movimentos que visam a separação de um estado ou região brasileira, O Sul é o meu País é o que está mais avançado. Os membros se enxergam como parte de um movimento de conscientização plebiscitária. Eles garantem que haverá um plebiscito no fim de 2016 e que, de acordo com pesquisas que realizaram com mais de 16 mil pessoas, seguindo critérios da Associação Brasileira de Pesquisa, 75% da população do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Paraná é a favor da separação.
Nas redes, o desejo também é refletido. Há várias páginas com o título, por segurança – caso uma ou outra seja tirada do ar -, e a maior tem mais de 100 mil pessoas. Filiados “formalmente” ao movimento são 30 mil. Ao contrário dos movimentos do Nordeste, o Sul é o meu País tem um planejamento detalhado de como será a nova nação. “Prevemos três grandes choques com a mudança do nosso sistema para um modelo municipalista baseado no que acontece na Suíça”, explica um dos líderes, o jornalista Celso Deucher.
A ideia dos membros é que o grande número de vereadores seja um obstáculo para a corrupção. “Comprar 500 vereadores é muito improvável. E não legislar por dinheiro é outro fator ao nosso favor”, avalia Deucher. As motivações dos sulistas também diferem das dos nordestinos. Culturalmente, se veem como um povo único, descendente principalmente de europeus e guaranis. De acordo com o Grupo de Estudo Sul Livre (Gesul), um dos braços do Sul é o Meu País, há 130 culturas de várias etnias e idiomas que se identificam como o povo da região. “Economicamente, também há razões importante como o fato de apenas 20% dos nossos impostos retornarem para nós. Os outros 80% ficam com o governo federal, que investe a verba em outras áreas.”
Choque político
O poder se concentra nos municípios. O estados são apenas referências geográficas, não existirão politicamente. O poder central tem poucas atribuições e reúne-se poucas vezes ao ano.
Choque tributário
Apenas 20% dos impostos é enviado para o poder central. 5% é guardado para situações de emergência, especialmente em terras inférteis ou muito pobres. O restante permanece nos municípios em investimentos unicamente locais.
Choque administrativo
As cidades terão um número de vereadores dez vezes maior que o atual e não receberão salário. O plano é que uma universidade ofereça curso de gestão pública. Os prefeitos podem ser eleitos ou contratados pelos vereadores.
Vários “países” em um Brasil
A “nação da garoa”
“Não queremos perder nossos recursos para a federação, que retorna apenas 6% em investimento do que pagamos em impostos. Outro ponto importante é que as leis serão totalmente ligadas à necessidade local. Hoje, se um estado inteiro quiser a legalização da maconha ou a pena, ele tem que viver sob as leis que representantes de outros lugares criaram.” – Luiz Giaconi, Movimento São Paulo Independente (28 mil pessoas).
Um santo país
“Não temos nenhuma semelhança étnica ou cultural com o resto do país. O capixaba das montanhas, por exemplo, se comunica em italiano. Por outro lado, somos mal administrados e representados. Os senadores sequer conhecem os outros estados. Hoje temos condições de nos sustentar porque não somos mais o primo pobre do sudeste como há 20 anos.” – Gleidson Lima, Movimento Espírito Santo é o meu País (2,3 mil pessoas).
Paulo Trigueiro
Repórter