Da cama à mesa: eles fazem absolutamente tudo com seus cachorros
Pernambucanos que fazem de tudo com seus pets – de exercícios físicos a partilhar a mesa – já são mais comuns do que se pensa
Há muito, a consciência coletiva tem evoluído a ponto de deixar de lado a lógica de que animais de estimação seriam acessórios e considerá-los membros da família. E com os “parentes”, eles fazem corridas regulares, compras e até dividem da cama ao prato.
Para a especialista em comportamento canino do departamento de medicina veterinária da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) Roseana Diniz, é preciso ficar atento com um detalhe determinante: os animais têm a criação de hábitos como algo instintivo. “A relação entre os animais e seus tutores é essencial, mas o ideal é que os hábitos possam ser adequados à rotina da casa”.
Integrá-los à rotina, no entanto, não chega a ser uma dificuldade para muitos pernambucanos, cujas paixões por seus “tutelados” os fazem adotar hábitos que inspiram tantas críticas quanto simpatias de seus conhecidos.
Fôlego de atleta, disposição de pai
De domingo a domingo, há mais de uma década, Humaitá Ferreira de Souza , 59, corre entre cinco e 10 quilômetros com seus sete cachorros. O horário de saída não é dos mais agradáveis para quem não tem o hábito: ao primeiro raio de sol, os cães das raças yorkshire e miniatura pinscher já estão latindo ansiosos. Quando o funcionário público aposentado pega as coleiras, a excitação dos pequenos atletas só cresce. Às 5h30, estão nas ruas. “Tenho que aproveitar um horário cedo, sem sol forte e com poucos carros na rua. E também é um horário que não machuca as patinhas deles com o asfalto quente”, justifica.
O percurso é variado. Ele mora no finalzinho da Caxangá, já após o cruzamento com o bairro de Dois Irmãos. Em alguns dias, segue na caminhonete com os cães até o Km 6 de Aldeia, estaciona, e de lá corre até em casa – volta sozinho para buscar o carro. Outras vezes segue até o Caxangá Golf Clube, dobra à esquerda, segue para Dois Irmãos e volta para casa. “O veterinário já brincou várias vezes: ‘de coração nem o senhor, nem eles vão morrer’”, conta Humaitá sorrindo. Ele é pai, amigo, “preparador físico” e até fisioterapeuta dos animais – dois deles já fraturaram patas e até a coluna. Com auxílio de um veterinário, conduziu reabilitação em piscinas naturais da Praia de Itamaracá, durantes as marés baixas, e correndo na praia.
“Quando a maré está baixa, a praia vira um piscinão, então ficava lá ajudando no tratamento deles”, relata. E quando os cães se recuperaram passaram por corridas na areia fofa – que amortece o peso do corpo – para que estivessem aptos para retornar ao asfalto. E ai de Humaitá quando os 7 cachorrinhos passam um dia sem correr. “Eles ficam numa agitação só, durante o dia todo. Eles já criaram o hábito”.
Mas como conciliar os passos largos de um ser humano com os pequenos passos dos cãezinhos? A tática de Humaitá é manter certa distância dos animais – cerca de 2,5m. “Tenho que ficar separado para não embolar as coleiras nem pisar neles sem querer”. A distância, por um lado, mantém os cachorrinhos seguros, por outro, também aumenta a necessidade de atenção. Quando o “grupo de corrida” percebe algum gato no caminho, por exemplo, é certo que tentarão desviar da rota. “Eles ficam bastante ouriçados, tenho que ter cuidado para que não saiam correndo e se acidentem”, relata o aposentado.
É importante levar em consideração a aptidão física do animal, ambiente e o horário. “A temperatura natural do corpo dos cães atinge 39,5°C e o resfriamento do corpo pelo suor ocorre apenas nas patas e na boca. Portanto, o momento de praticar exercícios com eles é antes das 8h e no final da tarde (16h) para a troca de temperatura com o ambiente”. Também é preciso uma adaptação gradativa aos exercícios propostos, caso contrário, pode acarretar futuros problemas cardiovasculares.
Uma cama, muitos amores
“Ela é como se fosse a minha filha”, diz Mariana Freitas , 25 anos, que tem a companhia da poodle Amora há três anos. Com ela, divide até a cama. “Quando ela era pequenininha, rasgava tudo, fazia as necessidades em tudo, aí eu não deixava. Quando ela aprendeu que não podia fazer xixi no quarto, deixei dormir comigo”, conta.
A partir de então, Amora dorme muitas vezes na mesma cama que Mariana. Quando está com frio, fica sob as cobertas. Em dias quentes, no pé da cama, próxima ao ventilador. “Ela dorme comigo quando quer”.
Nem a presença do namorado de Mariana mantém a poodle longe da cama, inclusive entre o casal. “Quando estamos namorando, ela fica embaixo da cama. Só uma vez, subiu (na hora) e levei um susto”, relembra.
“Ela adora o meu namorado. Dorme com a cabeça em cima de um e com as patas em cima do outro. O veterinário não recomenda, mas o amor é mais forte”.
Roseana Diniz diz que dormir na mesma cama que o cachorro não é, necessariamente, algo negativo. “É preciso haver cuidados com higiene. Muitas pessoas passeiam com o animal na rua e ele sobe na cama quando chega. Isso é como se uma pessoa chegasse da rua de sapatos e pisasse na cama”, compara. “Se o animal estiver desparasitado e limpo, não há problema”, complementa. Ela aponta ainda que é preciso cuidado para não criar hábitos que podem ser prejudiciais, como cães que só dormem se estiverem na cama dos donos, ou com o ar-condicionado ligado.
Sangue do meu sangue,
come carne da minha carne
Mina é outra poodle de hábito incomum. Toma café da manhã, almoça e janta, na mesma rotina de seus guardiões. Desde os seis meses de idade, começou a ser alimentada com “comida de panela” – ou seja, come exatamente o que é posto na mesa para que o restante da família se alimente. “Eu ainda morava com meu pai e ele tinha uma tartaruga. Ele colocava verduras para a tartaruga comer, mas Mina comia também”, conta Joana Ferreira . Depois das verduras, vieram o arroz, o inhame, a galinha…
“Ração, para ela, é como se fosse a sobremesa, ela come depois do café, do almoço e do jantar. A prioridade é sempre a comida da gente”, conta Joana.
A alimentação dessa forma já gerou sustos no passado. Ao comer um biscoito de chocolate, teve que ser atendida numa emergência veterinária. “Ela passou muito mal de madrugada e teve que ser levada ao veterinário. Não conseguia comer nada, estava com diarreia. Mas isso serviu de lição”, lembra.
Por sinal, galinha guisada é o prato preferido de Mina, que senta ao lado da mesa todos os dias para desfrutar do mesmo tempero que a mãe…
Chocolate proibido
O consumo de chocolate é terminantemente proibido aos cães. Isso porque a guloseima contém a substância teobromina, presente no cacau. Ela pode gerar crises alérgicas, aumento de pressão, taquicardia e até convulsões nos caninos. Caso o consumo seja realizado em excesso, o animal pode até morrer.
“A comida tem que ter preparo especial. Pode arroz integral, legumes como o brócolis – sempre sem sal ou temperos, apenas um pouco de alho para dar sabor”, aponta, dizendo que essa opção é mais comum entre veganos e que a comida do animal deve ser diferente. Carne é permitida, mas evite alimentos ricos em açúcar, com sal, grãos, como o feijão, e legumes como a cebola. Chocolate é proibido: a teobromina do cacau pode gerar alergias, pressão alta, taquicardia, convulsóes e até levar à morte.
O mercado se adapta
Se cães fazem parte da família, cabe aos estabelecimentos comerciais a devida adaptação a essa realidade. A permissão de entrada de animais ainda é pouco difundida, mas já tem dado os primeiros passos. Na Ferreira Costa, por exemplo, foi criado, em dezembro de 2015, o carrinho pet, que abre espaço para compras por parte de clientes que estejam acompanhados de seus bichos.
“Tínhamos dificuldade em lidar com os animais que vinham. Algumas vezes eles entravam no colo dos clientes, mas podiam ficar agitados, tinha o risco de avançarem, então achamos melhor proibir a entrada. Com o carrinho, deixamos os nossos consumidores felizes e os animais de estimação seguros”, aponta Geildo Teixeira, gerente da unidade da Ferreira Costa da Imbiribeira. Em cada unidade da loja, há, pelo menos, quatro carrinhos – cada um equipado com base em forma de bandeja, que evita sujeiras de animais de pequeno e médio portes.
Tobby, de três anos, costuma frequentar a loja acompanhando o empresário Pedro Zarzar. “É uma iniciativa interessante porque você pode entrar com o cachorro, faz compras e ainda passeia”, aponta Zarzar. Dentro do carrinho, Tobby, tranquilo, nem parece o cachorro que acorda diariamente o dono às 6h30 e já “consumiu” pedaços de 12 pares de sapatos e parte da mobília da casa.
Cama para pet
Dormir na mesma cama que o cachorro não significa, necessariamente, dividir o mesmo colchão. No Brasil, já existem empresas que fabricam camas do tipo box com um local para os animais de estimação na parte inferior, com direito a minicolchão e até cortina. Dessa maneira, Os dois dormem juntos, mas separados. A iniciativa é da empresa “Colchão Inteligente Postural”.
Cadeirinha para cachorro
O Código Brasileiro de Trânsito estabelece algumas regras que devem ser cumpridas com relação ao transporte de cães dentro do carro, que podem acarretar, inclusive, em multas e perda de até 5 pontos na carteira.
Para evitar as punições e visando a segurança dos animais, a maneira mais correta de transportar os cães é no banco de trás, sem que fique solto. Para isso existem acessórios específicos como caixas de transporte e cintos de segurança especiais. Caso contrário, há punições previstas:
- Dirigir o veículo transportando animais ou volume à sua esquerda ou entre os braços e pernas
Infração – média (4 pontos na CNH)
Penalidade – multa (R$ 85,13)
- Conduzir animais na parte externa dos veículos
Infração – grave (5 pontos na CNH)
Penalidade – multa; (R$ 127,69)
Medida administrativa – retenção do veículo
João Vitor Pascoal
Repórter
João é estudante de jornalismo da UFPE. Estagiário do Diario desde 2014, já escreveu para a editoria de Política, antes de compor a equipe de dados do jornal, no Projeto CuriosaMente. Nunca teve cachorro: “dá muito trabalho”…
Karina Morais
Fotógrafa
Ricardo Fernandes
Fotógrafo
Peu Ricardo
Fotógrafo