Conheça a La Ursa da “Abbey Road” de Jardim Atlântico
Moradores da Ilha de Santana (antiga Ilha do Rato), eles têm em Olinda sua Londres. Caminham quilômetros sob sol escaldante para conseguir poucos trocados
Por Marcionila Teixeira
A la ursa ocupou a Abbey Road. Não a rua londrina. Mas, digamos, uma versão pernambucana de tal via, famosa por causa de uma foto histórica dos Beatles atravessando uma faixa de pedestre. No final de janeiro, o fotógrafo olindense Hugo Muniz teve uma ideia genial.
Colocou quatro integrantes de uma la ursa da Ilha de Santana (antiga Ilha do Rato), em Jardim Atlântico, Olinda, em uma faixa de pedestre da Rua Manoel Graciliano de Souza, naquele bairro. A faixa fica na frente da barbearia onde Hugo trabalha. A imagem rendeu mais de 700 curtidas e quase 250 compartilhamentos no Facebook. Os meninos ganharam fama provisória. Chamaram a atenção até mesmo da produção de um programa de televisão nacional. Na vida real, a la ursa da Ilha de Santana vive na pobreza. Caminha quilômetros sob sol escaldante para obter uns trocados. Este ano, as contribuições estão ainda mais minguadas. Seus integrantes conseguiram, no máximo, R$ 16 para cada um.
A la ursa da Ilha de Santana é como uma pequena indústria. Não uma qualquer. Seu principal objetivo é produzir alegria. O dinheiro, se vier, é lucro. Seus integrantes são, em geral, sete. Três ursos e quatro batuqueiros, nos dias de maior capricho na apresentação. Todos quase sempre meninos. Surgem na rua anunciados pelo som do tarol e do bombo. Dançam eletricamente para acompanhar a música, encantar as pessoas. Os personagens são invertidos ao longo do percurso. Quem é urso vira batuqueiro e vice-versa. O calor e o cansaço definem as trocas.
Apesar de pobres, as crianças conseguem arrecadar dinheiro para pagar o aluguel das roupas e máscaras a um morador da Ilha. Nos finais de semana, o valor dos acessórios chega a dobrar por conta do movimento maior de contribuições. No melhor dia daquela la ursa dos meninos da Ilha de Santana, cada um ficou com R$ 40. Mas isso foi há um ano. O capricho das roupas é para chamar mais a atenção das pessoas. O esforço nem sempre vale. No caminho, tem quem faça cara feia ou espante as crianças.
Na Ilha de Santana, muitos moradores alugam os acessórios para as crianças pobres. Nos dias de semana, a roupa felpuda de la ursa custa R$ 15. Se o pessoal leva duas, fica tudo por R$ 25. Uma máscara fica entre R$ 5 e R$ 10, a depender do estado de conservação. Os instrumentos, esses os meninos conseguiram emprestados de um dos integrantes, cujo pai morreu e deixou o material com a família.
O percurso feito pela la ursa não é fácil. Além do sol e da longa caminhada entre os bairros de Jardim Atlântico e Varadouro, os meninos enfrentam riscos. Há grupos de la ursa de outras comunidades prontos para brigar. Vez por outra também tem adulto interessado em levar para casa o apurado das crianças. Outro risco comum é o de atropelamento. Se a brincadeira começa por volta das 13h, depois das aulas, os meninos somente voltam para casa à tardinha. O apurado, contam, em geral só dá para o lanche simples, do tipo pipoca e pão.
A chegada à comunidade é o abraço e o apoio muitas vezes ausentes ao longo da caminhada. “A gente sai de la ursa mais pela diversão. Quando chegamos em casa, o povo segue a gente, brinca. É bom demais”, conta Ryan Luiz da Silva, 12 anos, que encarna o personagem de um belo urso preto bailarino.
Também integram a la ursa da Ilha de Santana João Vítor Sales, 12, Rafael e Daniel Simões, irmãos com 10 e 12 anos, Flávio da Silva, 13, Wiliam Gabriel Vasconcelos, 13, e Daniel de Santana, 13.
Vez por outra o cortejo aumenta. E Valdicéia Monte, 15, abrilhanta a la ursa. “Tem muita discriminação porque sou menina. Os homens passam no carro e me chamam. Ficam me olhando”, conta, chateada. Na Ilha de Santana, onde a pobreza é quem define o tipo de brincadeira das crianças, a Abbey Road e os Beatles são uma ideia distante.
Desfile dos ursos
Local: Avenida Nossa Senhora do Carmo
Data: Terça-feira de carnaval
Grupo especial:
14h – Da tua mãe
14h20 – Pé de lã do Recife
14h40 – Branco do Zé
15h – Branco da Mustardinha
15h20 – Mimoso de Afogados
15h40 – Cangaçá de Água Fria
16h – Do ovão
Grupo acesso
13h15 – Brilhante do Coque
13h30 – Preto do Azulão
Grupo 02
13h45 – Preto da Macaxeira
14h – Panda
14h15 – Milindroso da Joana Bezerra
14h30 – Mimoso de Camaragibe
14h45- Manhoso de Engenho do Meio
Grupo 01
15h – Pé de lã de Arcoverde
15h15 – Do vizinho
15h30 – Zé da Pinga
15h45 – Teimoso da Torre
16h – Polo Sul
16h15 – Branco do cangaçá São Lourenço da Mata
16h30 – Texaco
Marcionila Teixeira
Repórter
Marcionila é repórter especial do Diario. Integra a equipe do jornal desde 1996. Cobre a área de Direitos Humanos para a editoria Local
Anderson Freire
Fotógrafo
Anderson Freire é estagiário de fotografia do Diario desde 2016