Aos 61 anos, “Vovó do Uber” é recordista nas madrugadas recifenses
Aos 61 anos e com quatro hérnias de disco, a aposentada Edna Maria de Sousa Albuquerque é mais que uma motorista do Uber. A “vovó do Uber” vai noite adentro, sem medo de rodar por qualquer canto do Recife pelas madrugadas. Em pouco mais de um ano no aplicativo, já rodou tanto que foi homenageada (com direito a estatuaeta) por ser a motorista 5 estrelas que mais realizou viagens no período da noite, em 2016. “Quando iam anunciar o vencedor do prêmio dessa categoria, as pessoas levantaram e começaram a gritar ‘É da Vovó!’, antes mesmo do apresentador dizer o nome da minha mãe. Foi muito emocionante e enquanto ela subia no palco chorando, eu assistia também chorando da plateia”, conta Perla Cristine de Souza Coutinho, filha de Edna.
Apesar da fama, a Vovó do Uber garante que as “estrelas” são os passageiros. Quem entra em seu carro, além de uma boa conversa, e das tradicionais balinhas, tem acesso a remédios para dor de cabeça e ressaca (boa pedida para as madrugadas) e internet wi-fi.
Sua fama como “Vovó do Uber” começou de forma inesperada. Certo dia, Dona Edna parou para pedir informação a outro motorista Uber sobre uma rua que precisava chegar para buscar um cliente. Ao agradecer pela atenção, Dona Edna, para surpresa do rapaz, contou que também era motorista da mesma empresa.“Nossa, então a senhora é uma Vovó Uber”, exclamou o motorista.
Desde então, devido a postagem desse mesmo rapaz, compartilhada no Facebook, Edna passou a ser reconhecida pelos passageiros e aceitou sua fama como “vovó”. “No começo, eu estranhava essa fama. Os passageiros pediam pra tirar selfie comigo, faziam a maior farra ao perceber que eu era a motorista que eles iam viajar e coisas assim. Porém, fui me acostumando. Hoje em dia acho muito legal que as pessoas reconheçam o trabalho que eu faço com tanto carinho e dedicação”, conta Dona Edna.
Antes da “fama”, porém, ela enfrentava a estranheza dos clientes. Ao solicitar um carro, as pessoas viam a foto de Edna no aplicativo, mas acreditavam que quem iria comparecer como motorista seria o marido ou filho da senhora que aparecia na foto. Quando a própria aparecia nos locais para buscar os passageiros, eles se espantavam, afinal, como uma senhora de idade pode estar dirigindo Uber e ainda rodando tarde da noite, sozinha, na rua?
No começo, a família não só estranhava, como se preocupava. As duas filhas e o filho ficavam todas as noites apreensivos e nem conseguiam dormir até a mãe voltar para casa. Perla conta que até hoje ainda se preocupa ao receber uma ligação da mãe durante a madrugada. “Eu já penso na pior coisa. Peço pra ela me ligar de tempo em tempo pra dar alguma notícia, só assim consigo ficar um pouco mais aliviada e tento dormir”, explica.
Madrugada adentro, curando ressacas
Todos os dias, Edna sai de casa às 21h e só volta por volta das 5h. Entre uma corrida e outra, quando consegue, faz uma pausa em postos de gasolina para tirar cochilos de 15 minutos, e quando volta para casa, dorme durante à tarde para poder estar renovada para mais uma noite de trabalho.
Mesmo precisando de uma cirurgia, por conta das hérnias de disco, Dona Edna não se deixa abater. Nos finais de semana, seu maior público são jovens e adultos voltando de bares e baladas de todos os cantos da cidade. Após passar muito tempo ouvindo os clientes reclamando sobre dor de cabeça e até enjôo por conta das bebidas alcoólicas, resolveu assumir o papel de “vovó”, e cuidar de seus clientes como se fossem netos. Em seu carro, tem comprimidos para dor de cabeça, remédios para diminuir a ressaca e sal de frutas para má digestão. “Sempre ofereço se escuto a pessoa reclamando de alguma dor. É muito ruim ficar com algum incômodo por certo tempo. Se a pessoa não quer, eu também não insisto”, conta ela.
Na companhia do perigo
Muitas histórias boas são agregadas à vida de Dona Edna todos os dias. Porém, a mais marcante é triste. Aconteceu no início de 2017, no dia 25 de janeiro, por volta das 21h, enquanto trafegava com uma passageira, filha de uma amiga, pela Avenida Presidente Dutra, em Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife. Dois garotos com idade aparente entre 12 e 16 anos saltaram em frente ao carro de repente. Dona Edna, muito tranquila, só notou que se tratava de assalto ao ver um deles com a mão na cintura para pegar a arma. A ação resultou no roubo do veículo, juntamente com todos os pertences da motorista e da passageira.
“Eu não percebi que se tratava de um assalto. Minha passageira que desconfiou. Apesar de terem levado o carro, eu me apego cada vez mais a Deus e agradeço por ele ter me dado uma nova chance. Poderia ter sido algo bem pior”, conta ela, garantindo que está mais atenta após o episódio. Depois do roubo, além da taxa que deveria ser paga à locadora pelo furto do carro, a preocupação principal de Dona Edna era a falta do celular. Sem ele, não poderia atender as corridas e continuar o trabalho. Porém, quem planta o bem, colhe o bem. Motoristas da empresa e amigos dela fizeram uma cotinha e lhe presentearam com um novo celular, além de realizarem o pagamento de R$1.200,00 para a locadora de veículos, por conta do roubo do carro.
A gentileza dos amigos e companheiros de profissão se justifica. Sempre bem-humorada, com um sorriso no rosto, Edna é rodeada de pessoas que sem importam com ela. Um exemplo disso é um amigo que lhe fez um empréstimo para que ela desse entrada em um carro próprio. Dessa forma, se livrou do aluguel e passou a ter uma margem de lucro maior com as corridas. “Sem Merivinha (apelido do carro) eu não sei o que faria. Todos os dias quando vou sair para trabalhar costumo dizer: ‘Vamos lá, Merivinha, mais um dia de trabalho’. Com o carro da locadora, ganhava apenas o suficiente para pagar meu aluguel. Mas, este carro veio pra mudar tudo”, conta, emocionada.
Calote tornou o Uber uma necessidade
A história de Edna começa muito antes do Uber. Para criar três filhos sozinha, sem ajuda do ex-marido, ganhava a vida com o dinheiro da aposentadoria e uma renda mensal como revendedora de joias. Porém, um calote grande deixou a sua vida de cabeça para baixo. Com a dívida, acabou sem cartão de crédito e plano de saúde. Porém, não ficou esperando a oportunidade chegar. Para se reerguer e reverter a situação de dificuldade financeira, tirou uma permissão para dirigir táxis e tentou entrar em alguma cooperativa. Sem sucesso, abriu os olhos para um aplicativo que tinha acabado de chegar ao mercado, e mudou sua vida: o Uber.
Na ocasião, sem carro próprio, alugou um veículo e o equipou para oferecer um serviço diferenciado. Comprou bolsa térmica para colocar água gelada, chiclete, cadeirinha para bebês e até mesmo uma rede de conexão wi-fi. Não falta nada para quem anda com a “vovó do Uber”. No dia 29 de abril de 2016 Edna fez sua primeira corrida. Com 100% de aceitação, ela leva passageiros de todas as idades, sexo e classes sociais. Não tem bairro que ela não entre. “Tem muito motorista que não entra em certos lugares. Eu entro em todo lugar. Há pessoas boas em todos os lugares, assim como existem pessoas más também. Não vou deixar de atender uma comunidade, por exemplo, por medo. Sou muito corajosa”, conta a “vovó”.
Eduarda Bagesteiro
Repórter
Eduarda é estudante da Universidade Católica de Pernambuco e estagiária do Diario desde março.
Shilton Araújo
Fotógrafo e videografista
Shilton é estagiário de fotografia do Diario desde agosto de 2016.