Há 70 anos, Arquivo Público preserva a história de Pernambuco
Em páginas amareladas de periódicos do estado e de várias partes do mundo, a história é mantida e sempre recontada no Arquivo Público de Pernambuco, que acaba de completar 70 anos
Não riscar, não rasgar, não apoiar os cotovelos nos jornais, não colocar papéis e cadernos sobre os jornais, não consumir alimentos, não usar canetas e não tirar fotos com flash. A lista de proibições logo na entrada do prédio é um indício de que a história encontrada no Arquivo Público de Pernambuco merece todo o cuidado. Com 70 anos, completados em dezembro de 2015, o local possui entre 9 mil e 12 mil títulos de jornais, uma das maiores coleções da América Latina, segundo o gestor, Evaldo Costa. Manter uma coleção dessa magnitude não é tarefa fácil e envolve uma série de obstáculos. A começar pelo clima.
Localizado praticamente às margens do Rio Capibaribe, o prédio do Arquivo Público e, sobretudo, os jornais nele guardados, são vitimados pela umidade. “Papel é fibra, e sendo assim, absorve umidade, ainda mais em uma cidade como o Recife. Ele suga e expande e, com o calor, seca e contrai. Isso faz com que o papel fique rachado e dificulta a conservação”, aponta Kleber Kyrillos, chefe da hemeroteca.
Hemeroteca
Coleção de periódicos cujo nome tem origem grega: heméra significa “dia” e théke, “depósito”.
A consequência do processo provocado pela umidade é justamente a elevação do risco de desgaste e a facilitação dos rasgões. Por isso, o processo de limpeza exige cuidados redobrados. Um trabalho que exige paciência, realizado folha por folha em uma mesa de higienização que “suga” a sujeira retirada dos periódicos. “Quando o material não está tão desgastado, terminamos de limpar um ano (de publicações) em três ou quatro dias”, relata Kyrillos, que acredita ser, entre seis meses e um ano, o intervalo ideal entre cada revitalização de páginas.
No caso dos papéis mais desgastados, até a limpeza pode acarretar o “desmanche” das folhas. Quando isso ocorre, é preciso restaurar o material. O processo é feito utilizando apenas água, cola em pó e papel japonês (cuja a folha custa cerca de R$ 20). “Utilizamos a cola em pó porque ela é solúvel em água. Não podemos arriscar utilizar nada que seja definitivo, para não inviabilizar a restauração”, conta Kyrillos.
Para manter os insetos distantes do acervo, é necessário, além de dedetização, manter o ambiente livre de restos de comida. Além disso, é terminantemente proibido o uso de cola branca. “É o ‘chocolate dos insetos’, eles comem para ter energia”, explica Kyrillos.
Se os jornais são rasgados nas mãos cuidadosas de funcionários do Arquivo, imagine nas mãos, nem sempre zelosas, dos pesquisadores. “Já me deparei com uma pessoa fazendo palavras cruzadas, de caneta, em um jornal do século 19”, relembra o chefe da hemeroteca. Além disso, fotos cortadas e até pessoas em pé sobre os exemplares “para tirar uma foto melhor” estão entre os “equívocos” cometidos.
Todos os cuidados visam manter a enorme quantidade de exemplares, sinônimo de riqueza histórica para pesquisadores e curiosos do estado, em condições de ser visitada.
“É uma coleção notável e especial. Sem dúvidas, não há trabalho de história feito em Pernambuco que seja realizado sem que o acervo do Arquivo Público seja fonte de pesquisa”, aponta Evaldo Costa.
A estudante Anna Luiza, 16, é um exemplo. Cursa eletrotécnica no Instituto Federal de Pernambuco, e aproveita o período de férias para realizar pesquisas para um artigo científico sobre as greves ocorridas no período pós-Estado Novo. “Eu trabalho com o arquivo dos jornais. É um processo cansativo, mas que compensa, por conta da quantidade de informação que é obtida aqui”, explica. Já Heribaldo Maia, 25, estudante de história na Universidade Federal de Pernambuco, busca encontrar informações sobre o Sindicato dos Gráficos do Recife, entre as os anos de 1930 e 1970. “É um trabalho que demanda muita paciência para se encontrar o que quer”, relata.
As pesquisas vão além do intuito acadêmico. “Existem pessoas que vem aqui buscando encontrar nomeações no jornal para provar que exerceram um cargo que não entrou na conta da aposentadoria”, conta Costa. Outros saem do interior para conhecer um pouco mais sobre a história de sua cidade natal, e outros tantos vão em busca do dia que o pai ou a mãe apareceram no jornal. “Trabalhamos praticamente em três linhas: a histórica, a administrativa e a cultural”, esclarece Evaldo.
Estruturalmente, o Arquivo necessita de reparos. O reparo do elevador e a reforma da fachada devem ser realizados ainda no primeiro semestre de 2016, de acordo com o gestor. Além disso, um processo de descarte, baseado em critérios de territorialidade e estado de conservação, tem sido realizado para tornar o armazenamento dos jornais mais funcional.
Curiosidade
O acervo é dividido em dois grandes grupos: jornais de grande circulação e jornais avulsos. Depois disso, a separação é realizada usando como critérios o tamanho das publicações e a ordem alfabética.
Exemplares históricos
No acervo do Arquivo Público é possível ter acesso a alguns dos mais antigos exemplares produzidos no estado. Como o primeiro exemplar da Aurora Pernambucana – primeiro periódico da história do estado – e a edição número um do Diario de Pernambuco, o mais antigo jornal em circulação na América Latina.
Prontuários do DOPS
Na sede do Arquivo Público estão expostos alguns documentos da época da ditadura, entre os quais, se destacam prontuários de políticos ou pessoas com posicionamento político, que iam de encontro ao posicionamento do governo vigente.
Jornais, exposições e documentos
Jornais, exposições e documentos
Endereço: Rua Imperador Pedro Segundo, 371 – Santo Antônio, Recife
Horário de funcionamento: 8h às 17h (pedidos até 16h)
Mapas, manuscritos e arquivos do Dops
Mapas, manuscritos e arquivos do Dops
Endereço: Rua Imperial – São José, 1069 – São José, Recife
Horário de funcionamento: 8h às 17h (pedidos até 16h)
João Vitor Pascoal
Repórter
João é estagiário do Diario desde 2014, a maior parte do tempo para a editoria de Política, antes de fazer parte do projeto CuriosaMente, da editoria de dados do jornal.
Karina Morais
Fotógrafa e vioegrafista
Karina é estagiária do Diario de Pernambuco e integra a equipe de fotografia do jornal.