Axé, a bebida africana que tomou Olinda
Com 25 ervas secretas, a cachaça é produzida há um quarto de século na Rua do Amparo e faz sucesso muito além do Carnaval
A subida é na ladeira, mas parece caminhada numa planície, tamanha a facilidade. Talvez a semelhança seja maior, na verdade, com uma esteira de aeroportos. Isso para quem está a bordo do Axé de Fala, bebida que tem berço na África, mas em Olinda fez residência. Conhecida popularmente pelo primeiro nome, tem na Rua do Amparo, no Sítio Histórico, a sede de sua mais tradicional produção.
São 25 anos de trabalho artesanal na produção da bebida que faz a cabeça do folião, ou do nem tão folião assim, em solo olindense. Um ano de vida para cada erva que faz parte da sua composição, da qual o cravo, a canela e o guaraná são dos poucos ingredientes revelados. Oriundas do mercado, da Floresta Amazônica e até importadas do continente africano, as essências, somadas à cana de cabeça – proveniente de engenhos da Zona da Mata Norte – garantem ao Axé seus 12% de teor alcoólico. A mistura necessita de descanso, em torno de 20 dias sem luminosidade, o que faz o sabor das ervas apurarem.
Carmem Lúcia Castro passou a produzir a bebida, supostamente trazida ao solo pernambucano pelos escravos dos tempos de colônia. Após 20 anos, porém, um infarto tirou a sua vida e a herança, em forma de inspiração, foi repassada à filha, Shirley Castro, sempre testemunha do passo a passo do processo. Inicialmente, aos 16 anos, apenas na higienização das garrafas e então, na produção. “Para mim, é motivo de muito orgulho poder dar continuidade a isso e ajudar a minha família”, conta, quase contando as palavras e gestos, tamanha a timidez.
O que significa a palavra Axé?
Axé, de acordo com a tradição do candomblé, seria a força sagrada presente em cada orixá. Gerada pelas oferendas dos fiéis ou sacrifícios realizados em rituais.
A força do Axé no ranking do teor alcoólico
Cerveja – 5%
Beats – 8%
Espumante – 11%
Axé – 12%
Vinho – 10% a 15%
Vodka – 35%
Whisky – 43%
Cachaça – 38% a 48%
As poucas palavras são compensadas pela intensa produção. “Por mês, produzimos 10 mil garrafas de 200 ml, 10 mil de 500 ml e mais 3 mil de um litro”, conta o marido, Jipson Silva de Moura, mais conhecido como Pitta, autodenominado “um gerente, ou apenas um peão” em meio ao processo.
O segredo do Axé parece já ter garantia por mais uma geração. Milena Castro, filha do casal, já participa do processo na parte administrativa. Aos 16 anos, fala de empreendedorismo como um sonho do futuro, vivenciado no presente. “Participo ajudando a administrar, essas coisas. Pretendo ficar nessa área de empreendedorismo, para dar continuidade a tudo isso”.
Atualmente, testemunha produção e vendas de vento em popa. O movimento é contínuo, mês após mês, com aumento em eventos no sítio histórico e auge, mais que óbvio, no Carnaval e em suas prévias. “É uma média de 20 mil garrafas por mês, de todos os tamanhos. Em época de carnaval vai na casa das 60 mil”, garante Pitta.
A família se orgulha de uma clientela tão fidelizada que não precisa correr atrás de compradores. Eles vão até lá.
Não há venda itinerante, ao menos por parte dos proprietários. “Tem um pessoal que vem aqui e compra pra revender. Não achamos ruim, ajuda a disseminar. Se você vier aqui no carnaval e comprar 100 garrafas, quando for dobrar a esquina, não tem mais nada”, conta orgulhoso.
O segredo na hora de beber
Um saquinho com uma bisnaga de mel e duas sementes de guaraná com casca acompanha a bebida. A dica é acrescentar o mel e as sementes descascadas e depois misturar. Quando o axé acabar, as sementes devem ser mascadas. “São energéticas, evitam que a pessoa fique muito bêbada”, afirma Pitta, ressaltando que os ingredientes naturais garantem um dia seguinte sem ressaca.
A bebida que virou bloco
Seguindo o caminho de quase tudo que faz sucesso em Olinda, o Axé ganhou seu bloco de carnaval. O Troço Etílico Carnavalesco um Axé é Pouco vai às ruas no sábado da folia de momo, com saída da Praça do Carmo. O bloco sobe e desce várias ladeiras do Sítio Histórico até retornar à Rua do Bonfim, onde é encerrado na Casa do Axé.
Mercado propício ao Made in PE
Pernambuco tem tradição na produção de bebidas alcoólicas. Até por sua origem de cultivo extensivo de cana-de-açúcar viu iniciada na cachaça o seu percurso pelo terreno etílico. Mais recentemente, a trajetória tem sido continuada no ramo cervejeiro. De acordo com a gerente de projetos de alimentos e bebidas do SEBRAE, Valéria Rocha, atualmente, são 40 produtores de cerveja artesanal e outros 12 produtores de cachaça associados no estado. Ela destaca que o movimento de expansão desse segmento ainda não encontrou o auge e tem como público-alvo o consumidor que prezam pela qualidade do que será consumido.
“É um mercado novo, um nicho de mercado a ser explorado, de consumidores que valorizam o produto artesanal. Um público que se preocupa como o produto é feito”, explica Valéria Rocha, que ainda ressalta o mercado já conquistado pelos vinhos da região do Vale do São Francisco, no Sertão pernambucano. Outro fator, ainda de acordo com ela, é a preferência crescente por produtos sustentáveis. “Em Pernambuco temos, por exemplo, empresas que fazem cachaça orgânica, que utilizam energia solar em sua produção. Isso também ajuda o consumidor a se dar conta de que há bebidas de qualidade sendo feitas em seu próprio estado”, explica Valéria Rocha.
Danilo Lopes, analista de atendimento do Sebrae, ressalta ainda que a cerveja artesanal feita em Pernambuco e no Brasil, como um todo, já tem um perfil identificado por apreciadores pelo mundo. “Temos cervejas feitas à base de macaxeira, de mel de laranja, de café. O Brasil vem despontando com um seguimento próprio”, esclarece.
– Em Pernambuco, são 8 em produção e comercialização
– Outras 32 ainda não foram formalizadas
– São 12 os produtores de cachaça associados no estado
Fonte: SEBRAE
– A cerveja artesanal representa 1% do total de cerveja produzida no Brasil
– Ao todo, são 300 cervejarias do tipo no Brasil
Fonte: Abracerva – Associação Brasileira de Cerveja Artesanal
E 2017 deve ser um ano de crescimento para os fabricantes de bebidas artesanais, sobretudo no setor cervejeiro. Das 40 cervejarias do tipo instaladas em Pernambuco, 8 estão em pleno funcionamento. As demais, por decisão do Governo Federal, do final de outubro, poderão ser, de fato, oficializadas através da expansão do Simples Nacional (regime compartilhado de arrecadação, cobrança e fiscalização de tributos aplicável às micro e pequenas empresas). “É uma mudança fantástica que permite um impacto menor da carga tributária sobre o empreendedor. A cachaça São Saruê, de Igarassu, por exemplo, fechou por não aguentar essa carga”, aponta Lopes.
João Vitor Pascoal
Repórter
João Vitor é jornalista formado pela UFPE. Escreve para o Diario desde 2014, com passagem pela editoria de Política.
Shilton Araújo
Fotógrafo e videografista
Shilton é estagiário de fotografia do Diario desde agosto de 2016.