Do selo ao fusca: a difícil (e cara) paixão dos colecionadores
Eles são pernambucanos, têm um pé no passado e juntam aos montes o que muita gente imagina nem existir mais
Um torcedor que enche o guarda-roupa de camisas de futebol antigas, apaixonados por fusquinhas, apreciadores do vinil coloridos e de selos e moedas antigas são alguns dos perfis de colecionadores em atividades no Recife. Com um pezinho no passado, eles organizam encontros sistemáticos com a proposta de preservar a história dos produtos e trocar informações sobre o material colecionado.
A essência do colecionador é guardar um pedaço da história. Esse comportamento, de acordo o professor de psicologia da Universidade Católica de Pernambuco Marconi Proto, é um exercício de “proteção subjetiva”, que se constitui em um contexto em que as inovações acontecem em ritmo mais acelerado. “Não é fácil lidar com as novidades,principalmente na velocidade em que elas acontecem hoje. Por isso, muita gente se conforta nessa volta ao passado, nessa conservação”, explica o professor. E põe gente nisso…
Com a história na ponta da agulha
Mídia muito utilizada até a década de 1980, o material ainda goza a admiração de muitos ouvintes. Em alguns casos, a paixão pelo disco favoreceu a carreira profissional. Foi o caso de Rafael Cortes, que montou o selo Assustado Discos, responsável por importantes lançamentos e relançamentos em Pernambuco. “Apesar do movimento dos colecionadores, os novos formatos de produção indicam que o vinil é um objeto contemporâneo”, defende. O que movimenta os apaixonados pelas “bolachas” são as questões mais técnicas, como a apreciação da música, e a estética, como o tipo do encarte e a adesão aos discos coloridos.
Hoje, o Brasil sedia a única fábrica de vinil da América Latina – a Polysom, no Rio de Janeiro. Ela contempla esse nicho de mercado, que tem pelo disco um apreço estético. No Recife, um dos principais encontros de colecionadores é a Feira do Vinil, no Parnamirim. O evento já está na16ª edição e reúne em torno de 15 colecionadores. De acordo com um dos organizadores da Feira, Fábio PassaDisco, a ideia é promover a venda, a troca, debater os métodos de conservação e compartilhar ideias. Cada edição conta com discotecagens e homenagens a algum artista ou vinil histórico.
Amor à camisa
“Não importa o resultado da partida. O mais interessante é guardar a história que existe em cada camisa”, diz o maior colecionador de padrões de clube de futebol em Pernambuco, Antônio Botelho. Torcedor do Clube Náutico Capibaribe, ele preserva em um quarto no próprio apartamento, na Avenida Boa Viagem, as 1.370 camisas. Com essa quantidade, seria possível vestir 76 times, incluindo os 11 jogadores titulares e os 7 reservas. Ou, ainda, quase 60 seleções – para se ter uma ideia, uma Copa do Mundo tem 32.
O acervo de Botelho já alcançou a marca de 3 mil camisas, mas reduziu a quantidade depois que ele estabeleceu um critério: que elas tenham sido usadas em partidas oficiais. “Antes não havia muito sentido. Eram camisas que eu comprava nas lojas. Agora, eu tenho um foco definido”. No acervo, indumentárias de famosos embates no futebol do estado, como a camisa da decisão em que o Náutico se sagrou hexacampeão, em 1968. Algumas, ultrapassam fronteiras, como a camisa que Falcão usou na temporada pelo Roma, na década de 1980, e a de Diego Maradona, de 1996, quando ele defendia o Boca Juniors.
Botelho faz parte de um seleto grupo de colecionadores que, de fato, vestem a camisa. Há 6 anos, o também colecionador Sérgio Travassos organiza o Encontro dos Camiseiros de Pernambuco (Encape). O evento reúne entre 15 a 20 colecionadores e é realizado sem um local fixo. Os Encapes contam com duas edições por ano: uma mais informal, em algum bar da cidade, e outra com um caráter de exposição, na qual os colecionadores levam as relíquias para troca, venda ou apenas para o deleite do público. De acordo Travassos, organizador do encontro, o que mobiliza esse segmento é a capacidade de cultivar as histórias dos clubes por meio dos tecidos. “Cada camisa tem um cheiro, uma lembrança, uma marca de alguma partida histórica”.
Campinho de gente grande
Com quantos toques é possível deslocar um botão do futebol de mesa? O goleiro pode sair da grande área? O que se configura uma falta técnica? Apesar de muito associado a uma brincadeira da infância, o futebol de mesa é uma atividade de gente grande. No Brasil, o jogo conta com quatro regras. A mais usada aqui no estado é a regra dos doze toques, que permite o deslocamento de um mesmo botão por até uma dúzia de movimentos. O goleiro deve ficar restrito grande área. Os apaixonados por esse jogo ajudam a conservar a história e difundir novas competições. Hoje, a Federação Pernambucana de Futebol de Mesa(FPFM), fundada em 1986, conta com 120 atletas e 11 clubes inscritos.
Na base dos centavos
Outra atividade com adeptos no Recife é a filatelia, a arte de colecionar selos. Por ano, os Correios lançam, em média, 15 selos, que se dividem em regulares, comemorativos, promocionais e personalizados. Uma oferta que enche os olhos dos filatelistas (colecionadores).
Os selos servem para comprovar o franqueamento de objetos ou o pagamento de prestação de serviços postais. O valor pode variar de R$0,01 até R$ 3,90. Os temas das coleções são escolhidos mediante concurso realizado pela Comissão Filatélica Nacional(CFN). No Recife, há dois espaços que ainda reúnem esses amantes: a Agência Central dos Correios, no centro do Recife, e a loja Numismática Salmito, no bairro de Santo Antonio, que congrega os apaixonados por selos e moedas antigas. No momento, o encontro dos filatélicos dos Correios está suspenso em virtude das obras na agência.
Diogenes Fernandes é o proprietário da Numismática e revela que recebe visitas diárias, inclusive de estrangeiros em busca de um novo item para coleção. O que motiva o aposentado a tocar o projeto é a paixão pela história por trás de cada moeda. “Quando a gente adquire uma moeda nova, a satisfação é muito grande”, conta recordando dos anos em que movimento numismática se reunia nas praças da cidade. Uma atividade interrompida por receio da violência.
De motores ligados
O Fusca é considerado o carro mais popular do mundo. Ele foi pensado sob medida para uma Alemanha em crise e dominada pela força do nazismo. A aceitação do carro foi tão forte que, mesmo depois de encerrada a fabricação, ele tem inúmeros admiradores ao redor do mundo.
A saudade encontra espaço no Recife. O comerciante Júlio Valença está entre os saudosos e preside o Clube do Fusca de Pernambuco, que conta com 70 sócios. Toda terça-feira, eles se encontram para desfilar com as máquinas pela Avenida Boa Viagem. O encontro serve para compartilhar histórias e informações sobre peças e modelos.
Além de reverenciar o fusquinha, o grupo aproveita a união para prestar solidariedade, realizando doações a instituições sociais. “O carinho pelo fusca está em dois motivos: ele é um carro carismático e, em geral, foi o primeiro carro de muita gente”, explica Valença.
O Fusca não é único nesse universo de carangos colecionáveis. Todo último domingo do mês, o Clube do Automóvel Antigo de Pernambuco(CAAPE) participa do projeto Recife Antigo de Coração. De acordo com o presidente Firmino Miranda, a frota de automóveis antigos colecionáveis no estado gira em torno de 300 carros e o clube já conta com 30 sócios. Uma das relíquias é o Ford Modelo T, de 1926, considerado o automóvel de coleção mais antigo do estado. Ele pertence ao comerciante Alexandre Victor, que herdou a paixão pelos carangos antigos do pai. Também compõem a coleção dele um Gurgel e um Puma.
Afonso Bezerra
Repórter
Afonso é repórter estagiário do Diario, com passagem pela editoria Lugar Certo e atualmente escrevendo para a editoria Local. Como hobby, vai atrás de boas histórias e, pelo menos oficialmente, não possui qualquer tipo de coleção.
Julio Jacobina
Fotógrafo
Nando Chiappetta
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