O Brasil de Lava Jatos e lava-pés

Viajar pelo Sertão de Pernambuco é esbarrar em uma chuva de ironias que desafiam o mais “seco” dos homens

 

A parede pálida de cal exibe letras garrafais: lava jato. À frente, uma fila ansiosa por poder. A diferença entre a capital federal, Brasília, e Afogados da Ingazeira, no Sertão do Pajeú, é que lá, o poder se faz na palavra gritada e onde o chão racha sob os pés sobram ouvidos, mas falta quem ouça. Somente a irônica palavra aproxima as duas cidades.

A 386 km do Recife, apenas o som de um motor empurra a pele sertaneja para mais um banho de sol. Ao ouvi-lo, é chinelo arrastando, menino gritando e correria: é hora da água – e água é poder. Baldes, botijões e todo tipo de recipiente vão se alinhando, sedentos, pelo contato com um pedaço de garrafa PET a fazer as vezes de funil – e qualquer gota mal sorvida pelos gargalos plásticos é motivo para punições que, por vezes, sequer poupam a honra das mães de desastrados.

Em algumas cidades do Sertão, o caminhão-pipa que, como sino de igreja, ainda marca as obrigações familiares torna homogênea toda uma população. Mulheres são iguais a homens, que equivalem a crianças, da mesma valia de idosos… Nessa hora, a prioridade é do que escorre por uma pequena torneira e a vez é de quem foi escaldado no sol por mais tempo ou deixou seu recipiente marcando lugar na sequência do desespero sistemático.

Por aqui, quem vota é apenas a mãe natureza e o rebanho humano soma uma multidão de impedidos – mesmo sem crimes ou responsabilidades. Dedo na boca, ombro recostado e pequenos dedos num barro úmido. O olhar da menina poderia ser de abandono, mas é de satisfação condicional, daquelas com as quais se acostuma num minuto apenas por não imagina enredo ou desfecho distintos. É bem mais vizinha do cidadão da urbe que discute a alta do dólar do que os moradores do próximo destino deste mesmo bicho-homem que, volta e meia, sequer se dá conta que ela existe.

Lava jato está nos noticiários a todo instante. A imagem de lava jatos que não têm sequer razão de existir, uma vez em terra de homens-cacto, têm dificuldade de entrar na pauta. O alento da mítica força do sertanejo põe sempre para depois a inalcançável solução de um abandono que, longe dos olhos, sequer se sente.

É que, em busca de carroças que facilitem o transporte de pesados fardos, crianças de esquerda e crianças de direita agarram-se aos baldes, sempre elegendo quem tange o burro que vai à frente. É a busca interminável por mais “água”, que, em nome do próprio umbigo, se dispõe a deixar o bicho morrer de sede para que se tomem as rédeas. E nesse jogo, não sobra oportunidade de falar da sede e das carroças das crianças no Sertão, limitadas apenas a esperar, fazer fila e banhar os pés…

Paulo Paiva

Paulo Paiva

Fotógrafo

Paulo é fotógrafo do Diario desde 2010. Visitou Afogados da Ingazeira atrás de histórias de pernambucanos. A crônica deste ensaio é do jornalista Ed Wanderley