Um pernambucano na Primavera Árabe

Raphael Assis/Cortesia

Vivendo no Bahrein, pernambucano foi um dos brasileiros a ter a experiência de ter poucas horas para deixar um país para preservar a própria vida, durante Primavera Árabe

 

Numa noite tensa no Bahrein, um anúncio foi feito aos estrangeiros: vocês têm 48 horas para deixar o país ou serão executados. Entre as potenciais primeiras vítimas da Primavera Árabe, dois pernambucanos experimentaram um tipo de medo raro entre brasileiros. Aos 16 anos, Raphael Assis fugia com a mãe, da capital Manama, onde viviam há um ano, em busca de segurança.

Hoje, com 21 anos, o estudante de letras lembra do momento em que viu o anúncio na televisão e ficou em choque. Ao lado, tinha a mãe, assustada, insistindo para que ele fosse traduzindo o que era dito em inglês. O monumento-símbolo de Pérola, havia sido derrubado pelos manifestantes, que apoiavam a deposição do Rei Hamad e acabaram massacrados no que é conhecido como Quinta-feira sangrenta, gerando um duro estado de alerta que duraria três meses. Uma das ameaças era aos imigrantes com visto vencido ou à espera do definitivo – e eles se encaixavam em ambos os critérios. “O nosso visto de permanência provisória passou da validade, e, com os protestos, o que ficou impedida foi a renovação”, conta. Eles deixaram o Brasil porque a mãe dele se casou com um brasileiro cujo pai reside na Arábia Saudita: “Nossa primeira intenção era morar na Arábia, mas resolvemos ficar no Bahrein, já que são países vizinhos que mantêm relações diplomáticas”, explica.

Após o anúncio, os dois foram dirigindo de carro até a embaixada brasileira no país mais próximo, o Qatar, para resolver a saída do país. “Nós tínhamos condições de pagar a passagem, então não foi preciso fazer requerimento, mas o consulado pagou a passagem de muita gente que não tinha dinheiro na hora”, conta.

Raphael Assis/Cortesia

Eles tentaram deixar o país logo, mas precisaram de mais do que apenas dois dias: “Não saímos literalmente correndo, mas estávamos com medo porque, a qualquer momento, podiam nos parar. Não acho que iriam realmente nos executar, mas poderiam nos prender”, comenta.

Com a saída agendada, os dois ainda conseguiram voltar até a casa onde moravam, mas várias coisas como livros e brinquedos do irmão de Raphael precisaram ficar para trás por questões de segurança. “Como a ilha é rodeada por países com histórico de terrorismo, eles tomam muito cuidado com isso e levar qualquer coisa que não fosse roupas ou objetos pessoais poderia causar mais problemas”. Ao todo, até pisar em solo brasileiro, os dois demoraram cerca de uma semana porque precisaram fazer escala em Dubai.
As lembranças do local, no entanto, são boas. Diz que a cidade muçulmana era mais tolerante com a religião dos estrangeiros, inclusive com várias igrejas católicas e várias escolas eram bilíngues. “Cheguei numa madrugada e assim que botei os pés fora do aeroporto, meus olhos arderam como se estivessem na frente de um forno. Tudo o que eu queria era entrar num carro e ligar o ar-condicionado no -20°”. Sobre a diferença política, não critica. “Você só tem noção do que é ser governado por um rei quando vive essa realidade. Monarquia não é sinônimo de ditadura”, garante. Quatro anos após o incidente, período que imigrantes ilegais devem esperar por um novo visto, os dois já podem voltar ao Bahrein. “O país é apaixonante. Não tem como não querer voltar. Belos bairros, com enormes prédios e bela arquitetura”, afirma.