Beleza natural dos rios esconde perigos da correnteza

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A prática de mergulhar em rios é comum no Brasil, país com maior reserva natural de água doce do mundo. Mas a trágica morte do ator Domingos Montagner reforça a importância dos banhistas compreenderem as correntezas e adotarem medidas de segurança

 

O tradicional banho de mar se tornou hábito comum nas cidades litorâneas brasileiras, enquanto que o mergulho em rios – embora menos cobiçado – é corriqueiro em populações ribeirinhas. O Brasil é a nação que detém a maior reserva de água doce do planeta, o que favorece a prática. Entretanto, a Sociedade Brasileira de Salvamentos Aquáticos alerta para dados preocupantes: a cada dia, 13 pessoas morrem afogadas em rios no país, um número que corresponde a 75% do total de ocorrências de afogamentos. É como se a cada semana um Catamarã lotado naufragasse no Rio Capibaribe sem deixar sobreviventes. Recentemente, a morte do ator Domingos Montagner provocou comoção nacional e teve ampla repercussão na mídia. Ele foi arrastado por uma correnteza e puxado para o fundo do Rio São Francisco, no Sertão de Sergipe. A beleza natural de rios, como o Velho Chico, esconde riscos que são uma combinação de fatores quase sempre imprevisíveis.

Medindo a velocidade

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Diversos equipamentos são utilizados para medir a velocidade e até mesmo a profundidade de um rio. O correntógrafo faz a aferição de acordo com as rotações na máquina. Um outro equipamento ultra-sônico calcula a velocidade da corrente através do som captado nas águas.

Impacto na fauna

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Chamadas de “remansos”, as áreas mais sinuosas dos rios não têm correnteza forte e favorecem a reprodução de peixes e outras espécies. Dependendo da força da correnteza, até mesmo os organismos que vivem no fundo do rio podem ser afetados.

O mito da profundidade

profundidade-correntezaA correnteza depende de inclinações geográficas, chuvas e até mesmo da base do rio. Um engano muito grande cometido pelas pessoas é achar que o ponto mais profundo de um rio é o meio dele, o que raramente é verdade. Especialistas assinalam que o rio pode ter um fundo tão irregular, cheio de pedras, que molda a correnteza.

 

Por terem uma “dimensão” menor do que o mar, os rios são vistos pela maioria dos banhistas como mais seguros, o que é um engano. “Por definição, eles são cursos de água corrente, um local na superfície da terra naturalmente criado para ter correntezas”, afirma o geólogo e professor da Universidade de Pernambuco (UPE) e da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), Fábio Pedrosa. A velocidade da correnteza, porém, vai variar de acordo com uma série de características.

A existência de obstáculos ao longo do curso da água – áreas de cachoeira, por exemplo – provocam uma espécie de desequilíbrio no fluxo da corrente e ela tende a se fortalecer em trechos do rio. Quando esses desníveis estão no fundo, eles podem causar redemoinhos perigosos para qualquer corpo na água. “Às vezes, existe uma depressão submersa entre dois blocos de rochas formadas por um material mais frágil e o rio tem mais facilidade em escavar essa área. É aí que costumam surgir redemoinhos ou sumidouros”, ressalta Pedrosa.

 

A inclinação do terreno do rio é essencial para determinar a violência da correnteza. “O Rio Amazonas tem um volume considerável de água, mas o leito dele é bem mais horizontal, quase plano. A consequência é que ele ganha velocidade, só que não apresenta muita correnteza”, explica o professor de Engenharia de Recursos Hídricos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE),  Jaime Cabral. De forma menos previsível, as chuvas também aumentam a correnteza em um corpo d’água. “Rios, como Ipojuca, Una e Capibaribe não têm muita velocidade, exceto por períodos de chuva”, afirma Cabral.

A força humana também é capaz de modificar o comportamento de um rio. Áreas próximas a hidrelétricas e barragens são arriscadas para tomar banhos. “Perto dessas regiões existe uma tubulação que leva água para as turbinas. Se uma pessoa chegar perto, corre o risco de ser arrastada e morrer até mesmo dentro do equipamento”, adverte o professor da UFPE.

A pouca densidade e a falta de transparência da água são aspectos que tornam rios mais traiçoeiros que o mar. “Rios geralmente são escuros e barrentos, logo quando você se afasta da margem, já não consegue ver o fundo. Então é a real a chance de cair em um desnível acentuado sem perceber”, lembra Fábio. A densidade menor da água doce em relação à água salgada surge como um agravante para o banhista em situações de perigo, pois dificulta o ato de boiar, caso seja necessário.

Guia de sobrevivência

Uma das primeiras instruções recomendadas para quem vai entrar no rio é conversar com um bombeiro ou salva-vidas no local para saber qual a melhor área para banho. Caso não haja nenhum socorrista por perto, é bom procurar moradores ou comerciantes para apontar possíveis trechos de risco na água. Não mergulhar após ingerir bebida alcoólica ou fazer grandes refeições também são conselhos valiosos, principalmente para o banhista ter mais chances de lutar pela vida, já que teria reservas de energia caso caia em alguma correnteza.

A regra mais simples é não entrar na água se você tem dúvidas sobre os perigos de um determinado lugar. Mas existem outras táticas menos conhecidas para evitar acidentes. Um banhista nunca deve nadar contra a correnteza. “Ao fazer isso, você vai provocar um desgaste bem maior, vai se esforçar muito mais e a probabilidade de não conseguir sair é altíssima”, afirma o assessor de imprensa do Corpo de Bombeiros, major Aldo Silva. O que fazer nessas horas, então? Apesar de parecer quase impossível, a principal dica é manter a calma. Para tentar se livrar da correnteza, há duas opções: nadar para o lado ou na vertical, nunca lutando contra o sentido para o qual você está sendo levado.

é o número de mortes por afogamento diariamente no Brasil

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dessas mortes ocorrem em rios ou represas

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desses afogamentos ocorrem entre Novembro e Fevereiro

Se sentir cansaço ou quiser poupar forças, o banhista deve tentar ficar na superfície, boiando, sempre com os pés na frente do corpo. “O objetivo é proteger o tórax e a cabeça de um possível choque com obstáculos ao longo do rio”, ressalta o major. Os braços podem ser utilizados como o leme de um barco, indicando para o lado menos turbulento da água, podendo ajudar na locomoção do banhista e até mesmo garantir sua sobrevivência.

Quem está fora da água e deseja prestar socorro à vítima nunca deve entrar no rio para salvá-la, ou também pode ser levado pela correnteza. A primeira medida a ser tomada é procurar por socorro especializado. Jogar objetos para ajudar a vítima a flutuar também é uma boa ideia. “Um pedaço de madeira, uma corda para puxar a pessoa ou até mesmo uma bola já auxilia”, sugere o bombeiro.

Lorena Barros

Lorena Barros

Repórter

Lorena é estudante de jornalismo da Universidade Federal de Pernambuco