Recife, Bogotá e o desafio histórico de distribuir a renda

No último dia da série As cidades dentro do Recife, um paralelo é traçado entre as capitais pernambucana e colombiana, destaques de desigualdade social em seus países e as projeções de especialistas para que o planejamento urbano possa contornar o problema no futuro

 

Distantes 4,6 mil km, Recife e Bogotá se aproximam em um desafio comum: reduzir a desigualdade. Ambas são destaques nacionais, no Brasil e na Colômbia, no que diz respeito à concentração de renda. Recém-eleito, inclusive, o prefeito Geraldo Julio estudou em 2012 propostas adotadas pela metrópole colombiana na segurança, mobilidade e saneamento e recebeu, na cidade, o ex-prefeito bogotano Antanas Mockus. Isso porque o município reduziu, entre 2002 e 2014, o índice de desigualdade em quase 13%, de 0,571 para 0,497. Apesar de ainda se configurar como uma das cidades mais desiguais do país, entre os benefícios sentidos pela população em termos de qualidade de vista, está uma queda nos crimes violentos letais intencionais da ordem de 70%.

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Em 12 anos, Bogotá reduziu em 13% o índice de desigualdade. De 0 a 1000:

Gini Bogotá, 2014 (571 em 2002)

Gini Recife, 2010

De acordo com documento desenvolvido pelo geógrafo e economista do Centro de Estudos Econômicos do Banco de La Republica, da Colômbia, Luis Armando Galvis, a capital do país tem sido bem-sucedida em alguns aspectos como a redução da pobreza extrema e no aumento da cobertura dos serviços públicos voltados para a população. “Bogotá se consolidou como a metrópole mais exitosa do país em vários aspectos. Alguns indicadores econômicos e sociais mostram esse êxito, como a renda per capita, baixas taxas de desemprego, o rendimento acadêmico de seus estudantes e a alta cobertura dos serviços públicos”, destaca Galvis.

A base do investimento, batizado de Bogotá Humana, foi pensando na educação, uma vez que a escolaridade promove diferenças de renda entre indivíduos em até sete vezes, a depender dos anos de escolaridade. Entre 2008 e 2014, de acordo com dados do governo distrital, o percentual de escolas públicas consideradas boas ou muito boas subiu de 18% para 72%. As ações envolveram também o senso de pertencimento à cidade, incluindo construção de praças em áreas de baixa renda, criação de transporte público mais eficiente e estímulo a modais alternativos como bicicletas e incentivos diversos, a exemplo de prédios antes destinados a serviços básicos, como recepção de lixo, transformados em bibliotecas.

Entre as ações implementadas, há prédios de lixão que viraram bibliotecas…
…e locais de baixa renda que ganharam praças para  população vivenciar a cidade.
Em março de 2013, o ex-prefeito bogotense esteve no Recife para intercâmbio de informações. Eis o registro da própria gestão recifense:

Os aspectos positivos fizeram o índice de desigualdade reduzir significativamente, ainda que longe do patamar ideal. Apesar de ser considerada desigual e um “problema”, Bogotá tem índice de concentração de renda 30% menor que o Recife (0,497 x 0,689), mesmo lidando com uma população 4,5 vezes maior.

Segundo a Prefeitura do Recife, desde 2013, mapeia-se as áreas críticas da cidade, estudo que deve ser concluído ainda em 2016. Dados inéditos revelam que 52% dos recifenses vivem em áreas de “interesse social”, ou seja, carecem de infraestrutura, sofrem com a má distribuição de renda e necessitam de intervenção do poder público. Uma das estratégias, ainda no campo das ideias, é promover a descentralização de atividades econômicas, hoje focadas no Centro e Boa Viagem. “Locais para incentivar a economia de base local já estão mapeados e possuem condições de gerar emprego e renda no próprio local onde as pessoas moram”, garante o secretário de planejamento e gestão, Antônio Alexandre, citando Afogados, Encruzilhada, Casa Amarela, Ibura e Jardim São Paulo como alguns locais cotados para receber incentivo econômico.

A situação no Recife não é nova e a liderança da desigualdade entre as capitais no Brasil é atestada desde 1991, mas para o sociólogo da UFPE Ronald Vasconcelos, sem ação efetiva do poder público, a desigualdade recifense tende a se acentuar ainda mais. “Se ações estruturantes não forem definidas pelo Estado para inverter a situação atual, ela tende a perdurar ou acentuar. Modificar o modus operandi não é algo fácil”, explica, ressaltando que cenários de crise econômica colaboram para o aumento do abismo social.

“Há praticamente três décadas, o Brasil patina no cenário mundial e a crise em que estamos envolvidos provavelmente comprometerá o desenvolvimento do país por mais uma década. Éramos, há 20 anos, o país de desenvolvimento mais promissor entre os BRICS e perdemos a condição para a China. Para onde vamos, é prospecção difícil de responder neste cenário”, complementa.

 

 

5 passos essenciais no longo caminho para um futuro melhor

 

 

 

 

Se Bogotá tem caminhado a passos lentos, porém constantes, em busca da diminuição da desigualdade, no Recife, a mudança não será nem de um momento, nem de uma década para outra. É o que diz o doutor em geografia da UFPE Jan Bitoun, que classifica de insuficientes as ações do poder público, supostamente restritas ao papel nos quesitos obrigatórios (15% da arrecadação na saúde e 25% na educação). Isso porque a lógica de mandatos, nesse desafio, teria que ser superada, uma vez necessárias políticas públicas definidas independentemente do governante. A ação teria que contrapor realidades e satisfazer necessidades consideradas básicas para a redução da desigualdade, segundo opinião do especialista:

Arquivo/DP
Passo 1

Ao contrário de hoje, o poder público deve conseguir direcionar investimentos suficientes para melhoria das condições habitacionais da população de baixa renda – não somente casas, mas infraestruturas, serviços e espaços públicos que garantam a qualidade de vida mesmo diante da mediocridade de renda.

Passo 2

Investimentos continuados na qualidade das políticas sociais redistributivas (educação, saúde e assistência social) que levarão, em uma ou duas gerações, à melhor qualificação no mercado de trabalho e à possibilidade de exercício mais efetivo dos direitos dos trabalhadores.

Passo 3

Os segmentos mais beneficiados pelos investimentos públicos, especialmente os que lucram com negócios imobiliários e comerciais devem aceitar redistribuir parte dos lucros para melhoria das condições gerais de áreas não diretamente sob influência desses empreendimentos.

Passo 4

Direcionamento da maior parte dos investimentos públicos em infraestruturas e serviços públicos nas áreas de interesse social, onde o deficit é maior e onde os moradores não dispõem de condições de renda, permitindo superar, por seus próprios meios, carências do cotidiano.

Passo 5

Sem desconhecer nem as importâncias dos grandes empreendimentos fornecedores de emprego, nem da nova economia criativa de pequenas empresas com mão de obra muito qualificada, facilidades (normativas, fiscais e de organização) precisam ser orientadas para micro e pequenos empreendimentos capazes de integrar trabalhadores ainda em qualificação.

João Vitor Pascoal

João Vitor Pascoal

Repórter

João é estudante de jornalismo da UFPE. Estagiário do Diario desde 2014, escreveu para a editoria de Política, antes de compor a equipe de dados, no CuriosaMente.