Pernambuco visto do espaço 12 anos depois

Mapas apresentados pela Nasa em 2000 e em 2012 mostram diferenças sensíveis no que seria a “visão noturna” do estado a partir do espaço

 

Houve um tempo em que se pensava que a Muralha da China era a única produção humana visível do espaço – o que, na verdade, de tão pouco visível se torna quase uma inverdade. Um dos termômetros da ocupação humana na Terra que, de fato, podem ser vistos de fora dela são as luzes noturnas das cidades e suas diferenças mostram as dinâmicas mudanças ao longo dos anos. A imagem de Pernambuco capturada por satélites e vista por astronautas, por exemplo, apresenta delicadas diferenças entre o cenário registrado em 2000 e o fotografado em 2012, apresentado há oito meses pela Nasa.

 

As luzes nessas visualizações revelam os focos de urbanização, tendo como métrica a disponibilidade de grandes concentrações de sistemas de iluminação pública e privada. A associação mais rápida é a que associa o conceito de desenvolvimento aos espaços mais iluminados – por aqui, em grandes “pontos de luz” como a área que circunda Recife, Petrolina, Garanhuns e Caruaru. Não por menos, apenas cidades de médio porte espalhadas pelo estado possuem “brilhos intensos” e se diferem da grandes área opaca.

A distinta distribuição da “mancha luminosa” doze anos depois se dá não apenas pela significativa melhora tecnológica, que permite uma melhor visualização da superfície terrestre, como também pela ampliação da malha de luzes que cobre o estado, em especial na Zona da Mata e partes do Sertão. De acordo com o geógrafo da Universidade Federal de Pernambuco Cláudio Castilho, a concentração dos “espaços luminosos” (contraponto do geógrafo Milton Santos à denominação de “espaços opacos”) no estado segue uma tendência verificada em todo o país. “A Região Metropolitana do Recife, Caruaru e Petrolina destacam-se, de longe, como lugares mais iluminados no estado, que ainda apresenta concentração de espaços luminosos na hinterlândia da RMR e às margens da BR-232, em função, mormente, da concentração de pessoas, atividades econômicas e etc”.

Para Castilho, os tais “espaços opacos” não necessariamente estão associados a aspectos negativos, já que podem representar parques, florestas, campos, superfícies líquidas, territorialidades locais e outros conjuntos de elementos fundamentais da vida, enquanto a luminosidade nem sempre deve ser interpretado enquanto noção de desenvolvimento urbano ou social. “Na superposição das imagens, nota-se que houve expressa distribuição dos espaços luminosos, porém não houve desenvolvimento no estado, uma vez que a palavra significa, efetivamente, viver bem, com qualidade de vida e em ambientes de justiça socio territorial, conquista que, lamentavelmente, ainda está muito distante do povo pernambucano, daí porque permanece a forte coexistência de espaços luminosos com espaços opacos”, avalia o geógrafo.

Entrevista
Cláudio Castilho (UFPE)

O que representam as luzes vistas do espaço?

As luzes das imagens consultadas representam a distribuição espacial do uso da energia elétrica pelas pessoas e suas atividades concentradas no espaço geográfico. Portanto, essa distribuição acha-se vinculada às necessidades da dinâmica do modelo contemporâneo de crescimento urbano, daí a coincidência entre lugares ditos “desenvolvidos” e “não desenvolvidos”. Esta vinculação tem, portanto, levado a associações rápidas entre a presença desses “espaços luminosos” e o nível de desenvolvimento dos lugares em que ocorrem.

Considerando o cenário de Pernambuco, poderíamos compará-lo a outra região?

É difícil fazer comparações apressadas sem, antes, ter feito uma análise prévia mais profunda do fenômeno discutido. Ademais, apesar do crescimento urbano ser um processo que acontece de maneira cada vez mais difusa no mundo atual, ele não ocorre da mesma forma em todos os lugares, sobretudo em função das especificidades territoriais inerentes a cada lugar. Todavia, em todos os lugares há áreas mais urbanizadas e áreas menos urbanizadas, dependendo concomitantemente do seu processo de formação histórico-territorial. Daí porque, no Brasil, a concentração dos “espaços luminosos” (denominação do geógrafo Milton Santos, quando os contrapôs aos “espaços opacos”) ocorre, sobretudo, em suas regiões metropolitanas (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife, etc.) e na região Sudeste; em Pernambuco, a Região Metropolitana do Recife (RMR), Caruaru e Petrolina destacam-se, de longe, como lugares mais iluminados do estado federado. Ainda em Pernambuco, existe concentração de espaços luminosos também na hinterlândia da RMR e em lugares localizados à margem da BR-232, o que ocorre em função, mormente, da concentração de pessoas, atividades econômicas, etc.

Em certos pontos, as luzes acompanham limites geográficos imaginários. Algo explica essa realidade?

No que concerne à tendência que vocês julgam “estranha”, referindo-se a uma certa presença da luminosidade, também, ao longo da fronteira sudoeste dos estados federados de Pernambuco e Bahia, minha hipótese é de que tal fenômeno se deve, na verdade, à forte concentração de atividades produtivas ligadas ao complexo de produção com base na irrigação naquele trecho “modernizado” do rio São Francisco, o qual, justamente, divide ambos os estados.

Qual a relação entre essas luzes e densidade demográfica e/ou desenvolvimento econômico?

Pode-se sim, na maior parte dos casos, associar a concentração dos espaços luminosos com a densidade demográfica, bem como com as dinâmicas territoriais ligadas ao crescimento econômico. Entretanto, nem sempre tal associação significa desenvolvimento (econômico, social, territorial, sustentável, ambiental, etc.), e isto simplesmente porque o acesso das pessoas à energia elétrica não quer dizer que elas conseguiram conquistar seu desenvolvimento. Não se pode esquecer de que aparência e realidade nem sempre se aproximam, sobretudo quando se tratam de processos sociais. Como exemplo, comparando grosseiramente a imagem relativa à distribuição dos espaços luminosos em Pernambuco com base na superposição das imagens para 2010 e 2014, nota-se que houve uma expressiva distribuição dos espaços luminosos no território estadual, porém não houve desenvolvimento no nosso estado. Isso porque desenvolvimento significa, efetivamente, viver bem com qualidade de vida e em ambientes de justiça socioterritorial, conquista que, lamentavelmente, ainda está muito distante do povo pernambucano, daí porque ainda permanece a forte coexistência de espaços luminosos com espaços opacos. Ademais, os principais espaços luminosos pernambucanos (Recife, Caruaru, Petrolina, Garanhuns e conjunto linear de centros urbanos ao longo do trecho da BR-232, mais próximo da costa) continuam sendo os mesmos que há séculos apresentam dinâmica econômica de maior destaque no estado.

Há um cenário de ||iluminação ideal|| no mundo? Como saber se estamos perto do ||ideal||?

Fundamentando-nos, ainda, no conteúdo da resposta anterior, diria que a “luz ideal” significaria a superação da situação das desigualdades socioterritoriais sob a qual vivemos no Brasil. Isso no sentido da conquista efetiva do bem estar e bem viver, ou seja, tecendo ambientes em que qualidade de vida, justiça socioterritorial e participação na gestão pública devem tornar-se valores fundamentais, respeitando a vida na Terra em sua complexidade. Reiteramos, portanto, que nem sempre a luminosidade espacial representa algo positivo para nossos ambientes de vida, principalmente quando suas representações são utilizadas para fins puramente utilitaristas. Tal consideração nos leva a defender a permanência de “espaços opacos”, sobretudo quando essa opacidade represente a existência, ao mesmo tempo, de parques, florestas, campos, superfícies líquidas, territorialidades locais, enfim, outro conjunto de elementos fundamentais para nossa vida na Terra. Portanto, além da sua dimensão material, devemos considerar, simultaneamente, a dimensão imaterial das “luzes” ora em discussão.

Quando a luz é, também, desenvolvimento

A polêmica imagem das duas Coreias chamou a atenção do mundo ao ser a “imagem do dia” da Nasa. Elas mostram a malha de urbanização espalhada na Coreia do Sul, uma das mais poderosas nações capitalistas da Ásia, que é imediatamente interrompida na fronteira com a Coreia do Norte, ditadura com inspiração comunista, cujas luzes ficam praticamente restritas ao sistema ao redor da capital, Pyongyang.

Seguindo o Nilo

O Rio Nilo, na África, é apenas uma das visualizações que impressionam do espaço e mostra a tendência das populações ocuparem áreas próximas a fontes naturais de sustento ou a redes de transporte. Outro
exemplo, desta vez, não natural, seria a ferrovia Trans-Siberiana, na Rússia (Ásia).

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Ed Wanderley

Ed Wanderley

Repórter multimídia

Ed é repórter multimídia do Diario desde 2010. Coordena o projeto CuriosaMente e se dedica ao jornalismo de dados e plataformas online. Entre os traumas de infância, está o de nunca ter tido um telescópio e, até hoje, garante que ainda verá a Terra do espaço.