Paixão nordestina: tudo o que você precisa saber sobre caranguejos

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As diversas espécies são sucesso na gastronomia e cultura do estado e compõem a mesma família, mas possuem comportamento e habitat bem distintos

 

Ele tem cerca de 180 milhões de anos de idade, milhares de espécies e é um dos frutos do mar mais apreciados Brasil afora. Talvez essa seja uma boa apresentação para o caranguejo. O decápode (crustáceo com 10 patas) se divide em inúmeras variações, de comportamentos e habitats bem diferentes – assim como sabores, diga-se. Eles estão distribuídos em toda a costa brasileira, sobretudo no Espírito Santo, Sergipe e Bahia. Em Pernambuco, ocupam majoritariamente as regiões próximas aos recifes de corais, por proporcionarem abrigo e proteção de forma eficaz.

O caranguejo está presente no imaginário popular (e no prato), mas aqueles que são considerados seus “primos”, são, na verdade, de um grande grupo. O professor do departamento de oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Jesser Fidelis, esclarece que o termo abrange cerca de 7 mil espécies de crustáceos no mundo. “Eles apresentam um corpo composto basicamente por uma carapaça dura, o abdômen reduzido e total ou parcialmente dobrado sobre o cefalotórax (estrutura que funde a cabeça e o tórax), além de cinco pares de patas”, explica.

De modo geral, a maior parte deles pode ser encontrada no mar, mas também são verificados em ambientes de água doce ou terrestres – o melhor habitat é, simplesmente, aquele que está “disponível”. No ambiente marinho, ocupam desde sedimentos, vivendo sobre, parcial ou totalmente enterrados, até cavidades presentes nos fundos rochosos. “Algumas espécies, como o caranguejo uçá (Ucides cordatus) e o guaiamum (Cardisoma guanhumi), são herbívoras e se alimentam de folhas das árvores dos manguezais. Outras podem ser carnívoras, adotando estratégias de caça, que incluem pequenos invertebrados, peixes ou até filhotes de tartaruga”, aponta. Ainda há outras classificações quanto a sua alimentação, como os carniceiros (restos de comida), os onívoros (carne e vegetais) e os detritívoros (partículas alimentares depositadas sobre os sedimentos).

No estado, há registros de captura de guaiamum em vários estuários pernambucanos, incluindo os rios Capibaribe, Beberibe e Jaboatão. “A captura de guaiamum ocorria em vários estuários, como o Rio Goiana, Itamaracá, Rio Formoso, entre outros. Nos rios Capibaribe e Beberibe, não há mais a captura em abundância e no Rio Jaboatão, há a coleta, mas não recomendo o consumo, em função da poluição”, declara o professor do departamento de zootecnia da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Fernando Porto.

Reprodução

Geralmente, caranguejos se reproduzem de maneira sexuada. Algumas fêmeas desse grupo liberam sinais químicos na água para atrair os machos, que disputam quem é o mais forte, num processo denominado corte.

As fêmeas produzem facilmente entre 300 mil e 700 mil ovos. Após período de incubação, os ovos eclodem e começa o processo de “andada”, quando os recém-nascidos se dirigem até a água.

Os caranguejos se reproduzem de setembro a abril. Para saber quando não há reprodução, logo, os melhores meses para consumi-los, uma vez que eles estão maiores, basta observar se o mês não tem a letra R no nome: maio, junho, julho e agosto.

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Ocorrência

No estado, encontra-se caranguejo uçá (do mangue), guaiamum, siri azul e aratu. Além de maria farinha, aratu, aratu de pedra, maria mulata e as ucas ou caranguejo violinista (além de outas espécies que vivem nas margens de praias e estuários).

Resistência

Os guaiamuns podem sobreviver, no máximo, por três dias fora da água, se o ambiente for úmido.
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Ecletismo

O siri é um exemplo de carniceiro, pois são animais que se alimentam de material animal vivo ou morto

Os primeiros “pernambucanos”

A origem dos caranguejos está diretamente ligada à formação dos oceanos. “Estudos moleculares estimam o surgimento do grupo há cerca de 180 milhões de anos, ainda no período Jurássico”, afirma Jesser Fidelis. Na região onde está Pernambuco, eles chegaram na medida em que o Oceano Atlântico foi formado e durante a separação da América e da África. A catalogação veio no século 17. De acordo com Fernando Porto, espécies de caranguejo já são classificadas desde 1750 pelo pesquisador, botânico e zoólogo sueco Carolus Linnaeus. Ele relata também que quando Darwin visitou o Recife e Salvador, registrou a ocorrência de caranguejos na região.

Reprodução/Wikipedia

Animais precisam de proteção

Pelo menos quatro espécies encontradas em Pernambuco são consideradas ameaçadas de extinção, de acordo com a lista de invertebrados aquáticos do Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção. “O guaiamum e o caranguejo uçá são ameaçados pois vivem em áreas de manguezais. Essas áreas passam por forte processo de degradação e invasão pelo crescimento dos centros urbanos e o habitat dessas espécies vem diminuindo drasticamente com o tempo”, aponta Fidelis. Além deles, também estão na lista o caranguejo amarelo e o siri. Fernando Porto exemplifica a diminuição das espécies com uma pesquisa de campo realizada por ele em 2010. “No Rio Jaboatão, estimei que existiam, em 2010, cerca de 10% de animais presentes, em relação a dados levantados em 1996. O risco de extinção é inerente ao perigo de destruição de habitat, mas de modo geral, todos os caranguejos correm riscos”, diz. Isso porque, em geral, como ficam adultos e se reproduzem apenas após os dois ou quatro anos de idade, os animais demoram a se multiplicar. Já espécies mais específicas como o caranguejo amarelo, nativo de ilhas oceânicas como Fernando de Noronha, são afetadas pela restrição e sensibilidade desse ambiente, geradas, entre outros fatores, pela atividade turística intensa.

Annaclarice Almeida/DP/D.A Press

Quando o caranguejo vai ao prato

De acordo com a nutricionista do Senac, Helen Lima, é preciso ter atenção com o cozimento do caranguejo. Caso não seja preparado corretamente, o crustáceo pode, facilmente, gerar uma intoxicação alimentar. Além disso, o ideal é comprar animais frescos, que não exalem cheiros fortes. Já quanto ao armazenamento, é necessário mantê-los resfriados ou congelados caso o consumo não seja imediato. A nutricionista aponta ainda que, assim como qualquer alimento, se consumido em excesso, o caranguejo pode gerar um desequilíbrio alimentar. “É importante alternar o cardápio, inclusive fazendo uso dos derivados deste crustáceo, sendo uma das opções, o kani kama, excelente para compor saladas”, aponta. “Não há diferenças significativas entre o valor nutritivo dessas espécies: caranguejo, siri e guaiamum. Mas há diferença de acordo com a origem do crustáceo – se coletado no ambiente ou de cativeiro”, explica. Antes de ir para a mesa, deve ocorrer a higienização básica do caranguejo em água corrente, retirando o excesso de lama e sujeira. “Depois, para o preparo básico, deve ser levado a uma panela com água e sal para cozinhar por 40 ou 50 minutos”, explica o professor do curso de cozinheiro e chef do Senac, Jair Ferreira. No caso do guaiamum, o cozimento sobe para uma hora e é necessário mais tempero, para penetrar, pela carapaça mais grossa, na carne, que é mais adocicada.

Eudes Santana/Divulgacao

1° passo
As patas devem ser consumidas da menor para a maior. Devem ser partidas nas interseções, sempre no sentido contrário ao movimento natural do animal. A carne deve ser sugada.

2° passo
Depois das patas, vem a carne da carapaça. É o local onde estão as víceras. “Na parte de baixo, retirar a parte braquiada com as mãos e fazer a sucção. Se tiver saliência, retirar pois é o ânus do caranguejo”, explica Ferreira.

3° passo
O martelo e a tábua devem ser usados apenas para a garra. “É preciso fazer uma pequena fricção, pressionando a patola entre a base e o martelo”, ensina.