Os 50 anos do atentado a bomba no Aeroporto do Recife

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Durante a ditadura militar, o Recife foi palco de diversos ataques, mas foi o de julho de 1966 que entrou para a história como mais violento

 

Há quase 50 anos, quando o Brasil vivia uma ditadura militar, a cidade do Recife foi palco de diversos atentados. A maior parte deles não provocou muitos estragos, mas a incursão do dia 25 de julho de 1966, entrou para a história. Uma bomba explodiu em pleno Aeroporto dos Guararapes, tirando a vida de duas pessoas e ferindo outras 14. O episódio segue sem elucidação, com autores não identificados, cinco décadas depois.

Era uma manhã de uma segunda-feira e muitas pessoas aguardavam o marechal Artur Costa e Silva, então candidato à presidência, no saguão do aeroporto. O presidenciável, porém, mudou de trajeto – seguiria direto, de carro, ao prédio da Sudene, onde participaria de campanha, vindo de João Pessoa. Com o anúncio, começou a dispersão das pessoas, até que uma mala foi percebida abandonada no saguão. Enquanto o guarda-civil Sebastião Tomaz de Aquino seguia para entregá-la no balcão do Departamento de Aviação Civil (DAC), dentro dela, uma bomba explodiu. O próprio Sebastião, então conhecido como “Paraíba”, por ser ex-jogador do Santa Cruz, ficou ferido gravemente no rosto e nas pernas – a direita, seria amputada dias depois. Já o jornalista Edson Régis e o vice-almirante Nelson Gomes Fernandes perderam as vidas.

Segundo a versão dada pelos militares à sociedade durante o regime, a escolha tinha como objetivo atingir Costa e Silva. Mas, de acordo com a professora de História da Universidade Federal de Pernambuco, Marcília Gama, a versão oficial dada à imprensa na época se contradiz com um inquérito policial militar feito pela Secretaria de Segurança Pública. “O documento apresenta inúmeras contradições e fortes indícios no material de investigação coletado, declarações de pessoas que estavam no aeroporto, narrando dados curiosos e intrigantes pela polícia, levando a crer que tudo não passou de um plano orquestrado pelos militares com a participação da Base Aérea do Recife, com vista a criar um clima de medo e pânico, visando responsabilizar a Ação Popular (organização de esquerda que atuava no combate a ditadura), pelo suposto atentado”, afirma.

Em 1968, mesmo sem ninguém assumir a culpa pelo atentado, duas pessoas foram acusadas pelo Departamento de Ordem e Política Social (DOPS) como os autores do crime, o professor e engenheiro Edinaldo Miranda e o ex-deputado federal Ricardo Zarattini. Na época, Zarattini era militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) e se envolvia em diversos casos de resistência camponesa em áreas canaviais na Zona da Mata. Edinaldo Miranda, apesar de simpatizar com a esquerda, não se engajava tanto quanto seu amigo, mas também acabou sendo levado do apartamento onde estavam. Presos e torturados para que assumissem a culpa, nenhum dos dois assumiu a autoria.

Para a historiadora, o atentado teria sido uma justificativa dos militares para agir de forma perversa e repressiva com o apoio da sociedade. “Nesse clima de terror, toda a opinião pública foi levada a condenar o atentado e ainda aprovar e exigir medidas enérgicas das autoridades para impedir que os crimes de subversão se alastrassem”, opina.

Uma dúvida que dura cinco décadas

De acordo com o ex-advogado de Edinaldo Miranda, Gilberto Marques, ele foi julgado pela Auditoria Militar, que era detentora de competência jurisdicional da época, e em face da lei de Segurança Nacional, foi absolvido. Porém, o Ministério Público recorreu e ele acabou condenado em segunda instância pelo Superior Tribunal Militar a um ano de cadeia. Após a sentença, Edinaldo Miranda se exilou no Chile e posteriormente na França, de onde voltou para o Brasil após a Lei da Anistia, de 1979. Sobre Zarattini, afirma que ele não recebeu denúncia – foi apenas apontado como um dos suspeitos, nunca réu.

Já na década de 80, especulou-se que Betinho, integrante da Ação Popular (AP) na época, teria enviado uma carta a um dos acusados afirmando que a bomba havia sido de autoria de outro integrante da AP, sem, no entanto, identificá-lo. Após esse período, outros nomes foram apontados como mandantes ou participantes do atentado, como o ex-padre Alípio de Freitas e o militante político Raimundo Gonçalves Figueiredo.

Apesar de protegido pela Anistia, Edinaldo Miranda ainda era “considerado” culpado pela implantação da bomba. Faleceu em 20 de abril de 1997, com 54 anos e ainda sob a pecha de “terrorista”.

Foi somente em 2013, que a Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Hélder Câmara oficializou a inocência de Edinaldo Miranda e Ricardo Zarattini, comprovada através de documentos coletados em algumas unidades militares de Pernambuco. Duas semanas depois, um documento da Marinha foi divulgado acusando Raimundo Gonçalves Figueiredo como o responsável pelo atentado.

Vítimas que não estavam no aeroporto

Flávio Régis, filho mais velho do jornalista Edson Régis, morto no atentado, questiona a atuação da Comissão Estadual da Verdade e Memória Dom Hélder Câmara em relação ao desfecho do caso. Segundo ele, a Comissão é unilateral, por só tratar de uma parte do acontecido.

“Pedi pra ser ouvido porque ela passou anos-luz da verdade histórica, focando só um lado. As famílias das vítimas do terrorismo foram ignoradas. Meu pai morreu em plena produtividade. Isso frustrou muito, pois eu vi que a Comissão era da meia-verdade. Fizemos petição através de advogados querendo conhecimento, não por dinheiro. Queríamos a verdade revelada, mas ela foi truncada.”, desabafa.

 

Acrescenta que a única forma de fazer justiça seria uma apuração abrangente do caso. “Continuamos convictos que um dia alguém irá apurar a verdade histórica com isenção. Eu ignoro e não dou o menor crédito para o relatório”.

O secretário-geral da Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Hélder Câmara, Henrique Mariano, diz entender a posição de Flávio Régis, porém só cabe a eles investigar violações de direitos humanos cometidas por agentes do Estado. “Nós respeitamos, evidentemente, a opinião. O que a Comissão fez foi resgatar a história dentro da sua competência, das pessoas que foram presas, torturadas e ficaram com a mágoa da acusação de praticar esse ato. Crimes cometidos por pessoas comuns fogem da nossa prerrogativa”, afirma.

Desde 2006, o caso não pôde mais ser reaberto porque está coberto pela Lei da Anistia. Resta aos parentes das vítimas, a frustração por não saber quem foram os autores do atentado que mudou a vida de suas famílias. Até que uma outra investigação se faça não apenas possível, mas real.

Daniele Alves

Daniele Alves

Repórter

Daniele é estagiária do Diario desde 2015. Escreve para a editoria de dados do jornal, no projeto CuriosaMente. Se interessa pelas questões históricas e das pautas urbanas que norteiam as discussões no estado.