O caminho traçado pelas tartarugas pernambucanas

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A trajetória destes animais marinhos após sair dos ninhos ainda é misteriosa, mas pesquisadores já têm as primeiras pistas de para onde elas vão assim que entram nas águas do oceano

 

Mais de 26 mil tartarugas marinhas nasceram entre a praia de Piedade e Barra de Jangada, no município de Jaboatão dos Guararapes, nos últimos 12 anos, 12 mil só em 2016. Pode parecer muito, mas é apenas uma pequena parcela de todos os animais da espécie nascidos no estado e catalogados por ambientalistas. Toda a orla de Pernambuco com faixa de areia é um possível ponto de desova desses quelônios, sobretudo, entre dezembro e fevereiro, época em que o processo se intensifica. Os ovos, porém, precisam resistir à intervenção humana e de outros animais nas praias até rachar, depois de um período entre 45 e 60 dias. O caminho seguido pelas tartarugas pernambucanas após vencer a primeira batalha contra os seres humanos e caminhar em direção ao oceano, entretanto, é marcado por mistérios e perigos, que fazem com que apenas uma ou duas entre cada mil cheguem à idade adulta e voltem à mesma praia onde nasceram para pôr mais ovos e dar continuidade a espécie.

 

Os cinco tipos de tartarugas marinhas

Tartaruga-de-pente

Nome científico: Eretmochelys imbricata
Tamanho médio: 110 cm
Peso médio: 86 kg
Dieta: composta por esponjas, anêmonas, lulas e camarões
Local de desova: na maioria das vezes, entre Rio Grande do Norte e Bahia

Tartaruga verde

Nome científico: Chelonia mydas
Tamanho médio: até 143 cm
Peso médio: 160 kg (fase adulta)
Dieta: herbívora na fase adulta
Locais de desova: quase sempre nas ilhas oceânicas, como Noronha, Trindade e Atol das Rocas

Tartaruga Oliva

Nome científico: Lepidochelys olivacea
Tamanho médio: 72 cm
Peso médio: 42 kg
Dieta: é carnívora, come peixes, moluscos e crustáceos
Local de desova: entre o litoral sul de Alagoas e litoral norte da Bahia

Tartaruga de couro

Nome científico: Dermochelys coriacea
Tamanho médio: 178cm
Peso médio: 400 kg
Dieta: zooplâncton gelatinoso
Local de desova: litoral norte do Espírito Santo, com outros casos pontuais no país

Tartaruga cabeçuda

Nome científico: Caretta caretta
Tamanho médio: 136cm
Peso médio: 400 kg
Dieta: Carnívora, come caranguejos, moluscos e mexilhões
Local de desova: prioritariamente Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Sergipe

Alguns hábitos e ameaças às vidas das tartarugas marinhas já foram desvendados com pesquisas, mas a incipiência das tecnologias de geolocalização, somada à quantidade ínfima de animais que chegam à vida adulta, faz com que muito sobre o cotidiano delas seja composto por especulações. O que acontece depois que entram no oceano, por exemplo, é uma incógnita. “A gente chama esse tempo, de filhote até por volta dos 30 anos, de era perdida. Não tem como saber para onde elas vão, e como têm hábito solitário é possível que os filhotes se espalhem”, afirma Gerlaine Silva, bióloga do Ecoassociados, ONG que há 17 anos monitora a vida das tartarugas em Ipojuca.

A separação das tartarugas logo após o nascimento é uma teoria já confirmada por pesquisas realizadas pelo Instituto Tamar. No ano de 2012, três delas foram soltas ao mar com rastreadores. Os equipamentos mostraram que mesmo seguindo na direção da correnteza, no sentido sul, duas delas seguiram a linha continental enquanto outra foi na direção do oceano.

O pouco que se sabe sobre as tartarugas nascidas em pernambuco já surpreende especialistas. Na porção continental do estado, a espécie que mais desova é a das tartarugas de pente, compondo cerca de 80% dos animais nascidos. Já na ilha de Fernando de Noronha, quem predomina são as tartarugas verdes. “Elas desovam quase que exclusivamente em Noronha, Trindade e no Atol das Rocas, todas ilhas de formação vulcânica. A gente acredita que ela seja mais propensa a colonizar áreas recentes do que outras”, explica Armando Barsante, coordenador do Projeto Tamar. As tartarugas de pente, da mesma espécie que nasce em Pernambuco, aparecem na ilha para se alimentar na fase juvenil, entre 11 e 16 anos, o que pode não ser coincidência. “Suspeitamos que a mesma população de tartarugas que nasce no Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco venha para Fernando de Noronha na juventude”, explica.

O caminho de 545 quilômetros de distância do continente até a ilha nem se compara a outros percursos descobertos pelo Tamar no rastreamento das cascudas, principalmente após a juventude. “Quando as juvenis se aproximam da idade adulta vão embora terminar sua maturação sexual em outro lugar”, aponta Armando. Até hoje, duas tartarugas de pente marcadas nesta fase na ilha (aquelas mesmas que podem ter nascido no nordeste brasileiro) foram encontradas no Gabão e na Guiné Equatorial, países do continente africano, a mais de 4,5 mil quilômetros de distância. Estima-se que elas tenham passado mais de seis meses nadando até chegar lá.

cm é a média de profundidade do ninho cavado pela tartaruga

ovos é a média colocada por ninho

desovas podem ser realizadas por uma única tartaruga no período de reprodução

anos é a média de vida de um animal, dependendo da espécie

Na RMR, nascimento dos animais conta com força-tarefa

 

 

O cuidado e a catalogação das tartarugas que aparecem na costa pernambucana depende quase sempre de voluntários, já que o projeto Tamar só cobre a ilha de Fernando de Noronha e a ONG Ecoassociados é voltada para o município de Ipojuca. Um dos ambientalistas mais envolvidos com o cuidado destes animais na RMR, Adriano Artoni, conta com a ajuda de comerciantes, banhistas e até mesmo garis que limpam as praias para monitorar os ovos colocados na costa metropolitana. Apesar de fazer este trabalho desde 1987, ele contabiliza os ninhos de forma oficial desde 2002, e desde então garante ter liberado mais de 50 mil filhotes na natureza.

Enquanto as tartarugas precisam desvencilhar-se das redes de pesca e predadores para conseguir chegar à costa e colocar os ovos, o trabalho dos ambientalistas é cuidar dos ninhos quando a mãe volta ao oceano. Três fatores de risco são considerados nas praias urbanas e uma força-tarefa para lidar com cada um deles é realizada quando são descobertos. O primeiro é relacionado a forças externas que podem danificar os ovos. “Ratos, cachorros, cavalos podem pisar ou afetar aquele ninho”, explica Adriano. Para evitar isso, eles geralmente são sinalizados e cercados com barreiras para evitar qualquer ação.

Meses mais quentes, de setembro a março, marcam o período de desovas na costa brasileira. Dezembro, janeiro e fevereiro são os meses de pico de desovas em Pernambuco

A tartaruga-de-pente, tem esse nome porque do casco dela se fabricavam objetos como pentes antigamente, fator que contribuiu para a entrada no estado crítico de conservação.

Desde que começou a registrar os ninhos no Estado, em 2005, Adriano Artoni registrou 220 ninhos em Jaboatão, 6 em Olinda, 26 e Recife e 230 em Paulista

%

da população que desova na costa de Pernambuco é da tartaruga-de-pente

kg é o peso da maior tartaruga encontrada no mundo, da espécie de couro

O segundo fator é relacionado à postagem errada dos ovos, quase sempre consequência do stress da tartaruga. “Às vezes ela chega em uma praia para desovar e as pessoas acham que está perdida, viram ela para voltar para a água. Isso pode deixá-la estressada, fazer com que desove abaixo da linha do mar ou até mesmo dentro do oceano”, explica o ambientalista. A postagem dos ovos abaixo da linha do mar faz com que eles sejam atingidos pela água quando a maré sobe. Eles acabam adquirindo fungos ou sendo levados pela correnteza, praticamente anulando a chance de qualquer filhote nascer. Em 2011, uma grande operação de transferência precisou ser realizada na praia de Boa Viagem, zona Sul do Recife, para que 126 possíveis filhotes ovos fossem colocados em um local seguro. Neste caso, a mãe chegou no local sob um sol escaldante em uma praia cheia de pessoas, motivo de grande conturbação para o animal.

O segundo fator é relacionado à postagem errada dos ovos, quase sempre consequência do stress da tartaruga. “Às vezes ela chega em uma praia para desovar e as pessoas acham que está perdida, viram ela para voltar para a água. Isso pode deixá-la estressada, fazer com que desove abaixo da linha do mar ou até mesmo dentro do oceano”, explica o ambientalista. A postagem dos ovos abaixo da linha do mar faz com que eles sejam atingidos pela água quando a maré sobe. Eles acabam adquirindo fungos ou sendo levados pela correnteza, praticamente anulando a chance de qualquer filhote nascer. Em 2011, uma grande operação de transferência precisou ser realizada na praia de Boa Viagem, zona Sul do Recife, para que 126 possíveis filhotes ovos fossem colocados em um local seguro. Neste caso, a mãe chegou no local sob um sol escaldante em uma praia cheia de pessoas, motivo de grande conturbação para o animal.

Lorena Barros

Lorena Barros

Repórter

Lorena é estagiária do Diario de Pernambuco desde maio de 2016