O calendário do crime em Pernambuco

Após uma sequência de quedas na criminalidade desde a instituição do programa Pacto pela Vida, em 2007, os números de homicídio e assaltos voltaram a subir em Pernambuco desde 2014. Este levantamento leva em consideração as dezenas de milhares de registros no período dessa “escalada”

O primeiro e o 15°dia de cada mês são os de maior probabilidade de alguém ser vítima de um crime em Pernambuco. A informação foi obtida a partir de levantamento realizado pela Secretaria de Defesa Social, no período de 18 meses (de janeiro de 2014 a junho de 2015) e revela comportamentos de criminosos que atuam no estado.

Um dos fatos que chamam a atenção é que há claramente mais registros de assaltos nos dias úteis, em relação aos finais de semana – a diferença entre o quantitativo registrado no domingo chega a 19% em comparação à segunda-feira. Por outro lado, crimes de homicídio e lesão corporal se intensificam justamente nos sábados e domingos, uma coincidência que pode ter relação direta com a ação de autores de múltiplos crimes.

É justamente na atuação de mesmos grupos que reside parte da justificativa do secretário de Defesa Social, Alessandro Carvalho, para o aumento dos índices de violências – que chegou a 21% mais homicídios na média mensal, quando compara-se 2015 a 2013.

“É difícil enfrentar a violência quando as pessoas não permanecem presas. Muitos têm vários indiciamentos, inclusive por homicídios, e continuam livres, praticando novos crimes, porque são considerados réus primários até que suas sentenças transitem em julgado”, afirma. Exemplifica, ainda, que tem conhecimento da distribuição sistemática dos crimes e que ela faz parte das estratégias adotadas pela polícia. “Se temos mais assaltos em Santa Cruz do Capibaribe em determinado dia, e eles ocorrem mais à noite, é ali que alocaremos policiais para tentar coibir as ações”, diz, antes de destacar o aumento de policiais de 17 mil, em 2007, para os atuais 20 mil. “O contingente ideal é quanto o orçamento consegue pagar”, afirma.

Segundo o secretário, não é possível precisar o impacto que cenários como o de crise econômica nacional representa para os índices locais. “Foram 80 mil postos de trabalhos perdidos, o que, certamente, tem um impacto. Mas há mais.

O dia de cada crime

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Homicídios

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Lesões corporais

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Estupros

Segunda

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Roubos a banco

Registros: (Seg + Sex)

Assaltos

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Roubos

Domingo

Registros: (Dom + Sáb)

Registros: (Dom + Sáb)

Registros: (Dom + Seg)

Quarta

%

Sequestro/Cárcere privado

Registros: (Qua + Sáb)

Sexta

Registros: (Seg + Sex)

Os índices começaram a crescer em 2014, com a greve da Polícia Militar, que instaurou um caos local e continua desde abril desde ano, com a greve velada dos policiais civis, que chegaram a entregar os Programa de Jornada Extra de Segurança como forma de pressionar o governo por reajustes salarias”, afirma, acrescentando ainda que delegados foram deslocados de outras cidades para cobrir os que aderiram ao movimento e que o limite legal da folha de pagamentos da pasta já foi estourado – atualmente em 50,33%.

Para cada cinco mortes registradas, há pelo menos um estupro, 35 agressões físicas e 93 assaltos. Ainda assim, é o crime de homicídio que serviu de parâmetro quase exclusivo para as políticas públicas. Segundo o secretário de Segurança Urbana do Recife, Murilo Cavalcanti, o Pacto pela Vida foi importante e, sem ele, a situação já estaria fora de controle, mas precisa ser repensado. “É preciso uma mão dura e outra, social. O Pacto começou com uma filosofia muito policial e a gente sabe que, no mundo inteiro, apostar as fichas apenas na repressão qualificada não se sustenta. É preciso ser criativo para dar uma mexida e voltar a ter resultados”, afirma, ainda que diga, com todas as letras, que a situação ainda deve piorar. “Hoje temos um terço dos jovens de 18 a 27 anos desempregados. Não há política social que dê vencimento a isso. Não se pode esconder o aumento da violência e não tem como evitá-la sem uma política federal com participação de governos e municípios. Não há dinheiro. Por enquanto, é enxugar gelo e esse quadro (de violência) ainda vai se agravar mais”.

Equivalência

Num mesmo espaço de tempo, ocorrem os seguintes tipos de crime no estado:

Estupro

Assassinatos

Agressões

Roubos

Intervalo dos crimes

Considerando a média de registros de ocorrências realizadas entre janeiro de 2014 e junho de 2015, elaboramos um contador da criminalidade, para dar uma ideia da velocidade com a qual a violência atualmente aflige o estado, tendo como início a publicação desta reportagem.

Ocorrências desde a 0h do dia 13/10/2015:

Assaltos alcançam pico mensal histórico

Tem informação sobre algum crime?

A cada 6 minutos e meio, uma pessoa foi assaltada em Pernambuco em 2015. Até agosto deste ano, são mais de 220 incursões criminosas do gênero por dia – mais de 53 mil ao todo. Na série histórica, até agosto, o ano de 2015 já correspondia a uma margem 15% superior ao ano de 2007, que marca o início do Pacto pela vida e o pior desempenho em segurança pública na série histórica.

Analisando os dados, é possível perceber, inclusive, que a ação criminosa segue a semana “útil”, reduzindo as ações nos finais de semana e concentrando as ações, principalmente, nas aberturas e fechamentos do período – segundas e sextas. Quando isolamos apenas a capital, Recife, a proporção indica que de cada 40 recifesenses, pelo menos um foi roubado desde o início do ano passado – e isso leva em conta apenas as investidas com uso de violência e devidamente registradas em delegacia. De cada cinco assaltos registrados no estado, dois são apenas na cidade do Recife – com Olinda e Jaboatão, a proporção sobe para mais da metade (54%).

No caso de crimes contra instituições bancárias, o perfil das ações criminosas fica bastante evidente – quase metade das investidas ocorre entre o 28° dia e o 5° do mês subsequente, o que corresponde ao período de abastecimento das unidades e pagamento de salários. A maior parte do crimes, nesta modalidade, ocorre na própria cidade do Recife. Fora da capital, os alvos preferenciais passam a ser municípios próximos às divisas estaduais, o que facilitaria a fuga e dificultaria investigações.

Nos demais casos, ainda que por uma margem pequena, todos os crimes analisados encontraram na terceira semana do mês (e, em especial, no 15° dia) o ápice de atividades. Nos 18 meses analisados, diariamente, quase 250 pessoas sofreram agressões ou assaltos e outras 10 perderam as vidas.

Após diversas negativas, os dados desta reportagem foram obtidos a partir da Ouvidoria da Secretaria de Defesa Social, por força da Lei de Acesso à Informação.

Uma questão de certezas

Salve o calendário

Dados desta reportagem

Legalidade

Exceto os dados sobre roubos a banco no estado, que dizem respeito ao período de janeiro de 2014 a agosto de 2015 e foram cedidos pelo Sindicato dos Bancários de Pernambuco, todas as informações desta reportagem foram obtidas a partir de solicitação realizada à luz da Lei de Acesso à Informação (que toma por base o texto federal n° 12.527/2011) à ouvidoria da Secretaria de Defesa Social. O texto visa a transparência das instituições públicas e permite a solicitação de dados a qualquer cidadão.

O segredo do "polígono da paz"

Cidades sertanejas estão há, em média, três anos sem homicídios ou assaltos e mostram que é possível viver com tranquilidade em Pernambuco

Há três anos, o município de Ingazeira no Sertão do Pajeú, a 390 km do Recife, não sabe o que é um homicídio. É a recordista de Pernambuco, sem registro de assassinato desde março de 2012. A 80 km dali, outra cidade salta aos olhos: Calumbi, desde janeiro de 2013 sem qualquer assalto. As cidades fogem à escalada da violência no estado, desde 2014.

Menor cidade pernambucana, Ingazeira tem pouco mais de 4,5 mil habitantes. Possui um distrito quase do tamanho do Centro, onde, pela manhã, é fácil encontrar moradores sob a sombra das árvores ou conversando nas calçadas. Já são 42 meses desde a última vez em que a população teve de lidar com um assassinato em seu perímetro. “Aqui é bom demais. Não era assim. Antigamente era violento, tinha briga, tanto que a cidade acabou não desenvolvendo”, conta o aposentado Cícero Ribeiro Sobrinho, 84.

Para a promoção de tanta tranquilidade, não faltam “pais”. O prefeito Luciano Torres Martins atribui a realidade ao trabalho preventivo com crianças entre 8 e 12 anos, por meio de aulas de policiais militares durante o Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência. “Assim, eles acabam influenciando os pais, o que evita problemas. O que mais temos aqui é problema com perturbação do sossego e outras questões leves”, afirma, acrescentando, no entanto, que 12 guardas municipais foram contratados pelo poder municipal para proteger o patrimônio público (porque “a farda já intimida”) e anunciando a instalação de oito câmeras de monitoramento no centro comercial, ao custo de R$ 6 mil. Diz ainda que o município não dispõe de orçamento fixo para segurança pública por não haver demanda para isso.

Já o chefe de estatística do 23º Batalhão da Polícia Militar, capitão Marcos Antônio Barros das Neves, aponta o patrulhamento e a conscientização dos habitantes, por parte da polícia, sobre cidadania – bem como as investidas contra possíveis áreas de uso de drogas e recolhimento de armas – como o fator crucial para colocar sua área de segurança como uma das de melhor desempenho dentro do programa Pacto pela Vida, atingindo, inclusive, os padrões aceitáveis da Organização Mundial da Saúde no que diz respeito à taxa de homicídio inferior a 10 mortes por 100 mil habitantes. Para se ter uma ideia, em Jaboatão dos Guararapes, essa taxa foi de 48,5 em 2014.

Quem vive na cidade, pensa um pouco diferente. O fato de conhecer uns aos outros e de a cidade não ser visitada por muitos “forasteiros” são determinantes para a sensação de paz. “A polícia passa por passar. Mesmo com festa, não tem problema”, argumenta Maria Aparecida Alves. O fato de “existir por existir” não chega a ser incomum no município onde a delegacia praticamente não tem fachada identificada e fica junto a uma cadeia pública, que, segundo a PM, foi inaugurada há anos sem nunca ter recebido qualquer preso, além de bodes de criadores locais.

Cícero Ribeiro Sobrinho

“Aqui, a pessoa pode dormir na rua, que não faz medo. Nem sempre foi assim, mas é agora. É a mãe de Afogados. E essa árvore, aqui, que eu plantei, é a minha testemunha”

“Tudo aqui é por colaboração. Por exemplo, é o Padre Luizinho quem faz a conscientização da população quanto a acidentes de trânsito”

Luciano Torres Martins

Prefeito de Ingazeira

“É o trabalho de educação e repressão que faz efeito. Já tínhamos a menor margem de violência e estamos entre as que mais aumentam a produtividade de desarmamento e identificação de pontos de tráfico”

Cap. Marcos Antônio Barros das Neves

Chefe de estatísticas do 23° BPM

Diálogo e atenção inibem até roubos

“Por aqui, temos apenas questões pequenas. O problema é maior quando o pessoal vem de fora. Teve até uns tiros aqui há uns dias, mas é mais quando tem um pessoal de Serra (Talhada)”

Erivaldo José

Prefeito de Calumbi

“Mesmo quando você não tem prova, mas chama a pessoa para ouvir, ela entende que você está de olho nela. Isso intimida. Acaba evitando que um crime mais leve se torne outro mais grave”

Williams Cavalcanti Lacerda

Delegado

A 360km do Recife, Calumbi não é diferente de Ingazeira. Seus 5,8 mil habitantes aprenderam a não conviver com crimes – há 34 meses não há registros de assaltos no município. Como não há ocorrências de roubos a banco ou sequestros, por exemplo, seria o mais próximo de uma “capital da paz do ano”, não fosse a decapitação de um agricultor por seu filho, em setembro deste ano.

“É o tipo de coisa que a polícia não consegue evitar. Questão de droga somada à crime de proximidade, fora da área urbana”, defende o delegado Williams Cavalcanti Lacerda. Ele acredita que como toda transgressão registrada no município, nos dois anos de sua atuação, é remetida à Justiça e há ouvidas oficiais, há uma espécie de “presença” da polícia no imaginário da população local, o que inibiria crimes mais graves. “Aqui só tem Maria da Penha e agressão por conta de álcool”, minimiza.

O prefeito Erivaldo José atribui a tranquilidade aos investimentos feitos em educação e ao fato de 70% da população residir na zona rural, dificultando intrigas. “Problema maior é quando vem gente de fora, em especial de Serra Talhada. Um grande aliado é o 190 (emergência policial telefônica)”, garante, afirmando não haver recursos destinados à segurança pública no município além de palestras em escolas por parte da Polícia Militar.

Para o secretário de Defesa Social, Alessandro Carvalho, diferentemente do que ocorre na Região Metropolitana do Recife, é a cultura do sertanejo que contribui para a queda da violência no Pajeú. “Todo mundo se conhece, tem uma relação e eles têm uma cultura mais apurada sobre o valor do trabalho e dos princípios morais”, diz.

Desde 2014, assim como Ingazeira, não possuem registros de homicídio as cidades de Granito, Itacuruba e Vertente do Lério. A exemplo de Calumbi, estão sem assaltos Quixaba e Solidão.

Ed Wanderley

Ed Wanderley

Repórter multimídia

Ed é repórter do Diario desde 2010, onde se dedica a reportagens voltadas ao jornalismo investigativo, digital e de dados. Mora no Recife há quatro anos – já foi assaltado três vezes.

Rafael Martins

Rafael Martins

Fotógrafo e videografista

Rafael é um fotógrafo baiano de 26 anos, no Diario há quatro meses. No exercício da profissão, no Recife, passou pelo primeiro “baculejo” policial.