Mulheres com deficiência posam em ensaios sensuais de projeto pernambucano

por

Projeto Dália/Divulgação

Projeto Dália foi concebido em nome da valorização do corpo, pela fotógrafa Carol Lopes, e é realizado sem custos

 

A timidez foi perdida aos poucos. Para Maria Eugênia, aquele tipo de lingerie não era o habitual. Ser modelo para um ensaio sensual, muito menos. O desconforto inicial com as poses, cliques e trocas de roupas e acessórios, no entanto, foi sobreposto pela necessidade de realizar o ensaio.

Projeto Dália/Divulgação

Não era apenas um desejo de sentir bonita e atraente. Era algo além. Em 2013, Eugênia sofreu uma fratura na coluna após uma queda. Desde que começou a se locomover, faz o máximo para ter uma vida como tinha antes do acidente. Da cadeira de rodas que usou no início até as muletas de hoje, foi possível perceber que seu esforço não impediria o constante preconceito de outras pessoas. “Eu ouvia frases como ‘é tão bonitinha, mas está na cadeira de rodas’, como se isso fizesse sumir a minha beleza”, afirma. “O ensaio veio no momento certo. Essa história de que ‘é bonita mas deficiente’ não existe”.

Ela mostrou isso. Não só para quem a enxergava como a “coitadinha”, mas para quem, assim como ela, precisa conviver com isso diariamente. “É possível ser mais confiante, ser mais segura de si. Não é todo dia que me produzo como me produzi para o ensaio, percebi que posso ser um mulherão quando eu quiser”, afirma. Para ela a sensualidade presente nas imagens funciona como sustentação para algo que vai além. “Para mim o ensaio foi maior que isso. Foi uma forma de incentivar as outras mulheres em situações semelhantes a minha”.

.

“Muitos perguntaram se eu não iria fazer uma cirurgia para tirar a cicatriz. Hoje considero a minha cicatriz um troféu”

Maria Eugênia

Mulheres com deficiência vistas muito além de suas limitações. A deficiência física, em si, enxergada como uma condição. Sem preconceitos e sem significar um impedimento para sentir-se bem com o próprio corpo. Esses dois princípios norteiam o Projeto Dália, iniciado em abril de 2015 pela fotógrafa Carol Lopes.

Dália é como sua mãe, Acidália, era conhecida. Dela veio a inspiração – não só do nome. Ela faleceu há dez anos, vítima de um câncer que, de início, lhe impôs uma amputação e lhe tirou a perna. Mesmo após o procedimento, e batalhando contra a enfermidade, sempre exaltava a necessidade de manter a autoestima em dia. “Ela passou dois anos amputada antes de falecer. Mas sempre enfatizou a importância de se valorizar. Continuou a ser vaidosa. Esse projeto seria algo que minha mãe gostaria que fosse feito para estimular outras mulheres”, explica Carol.

A enfermeira Elisangela Czekalski foi mais uma participante do Dália. Acometida por uma lesão que atingiu toda a estrutura do Sistema Nervoso Central, sem chances de regeneração, hoje é considerada paraplégica, mas já consegue andar, ainda que com dificuldade. “Muitas vezes escuto as pessoas falarem que perdi muito tempo da minha vida nesses quase 7 anos, mas digo que não, pois o tempo é algo completamente subjetivo. O importante é viver o hoje, o agora, e sei que o amanhã pode não existir”, declarou no material de divulgação do próprio ensaio.

Por diversas vezes, Carol trabalhou com fotografia Boudoir, definição dada às fotografias sensuais. Sempre percebeu que a principal razão da busca das mulheres por esse tipo de fotografia era a autoestima. Em nome da mãe, buscou oferecer o trabalho a mulheres com limitações físicas. “São mulheres que estão travando uma luta com o seu corpo e que se esforçam ainda mais para ter segurança de suas imagens”, afirma.

“O projeto acaba sendo um tapa na cara de quem pensa que mulheres deficientes não podem ser sensuais”

Carol Lopes

Fotógrafa idealizadora do Projeto Dália

.

Além da autoestima das mulheres, Carol enxergou no projeto uma forma de combater o preconceito. “Há uma espécie de barreira que não mistura sensualidade e deficiência. Para muitos, as transformações no corpo provenientes de doença ou acidente impedem a mulher de paquerar ou de ser sensual”, relata.

Por ter sido aprovada numa escola de fotografia na cidade de Montpellier, na França, Carol deixou o Recife. Lá, dá continuidade à homenagem a Dália. “Muitas pessoas aqui na França elogiaram o projeto e tenho o objetivo de dar continuidade por aqui e também quando voltar de férias ao Brasil”.

João Vitor Pascoal

João Vitor Pascoal

Repórter

João é estagiário do Diario desde 2014, com passagem pela editoria de política. Atualmente escreve para a editoria de dados – projeto CuriosaMente.